quarta-feira, 27 de julho de 2011

A TORTURA NO BANCO DOS RÉUS

Na noite de 15 de julho de 1971 o jornalista Luiz Eduardo Merlino dormia na casa de sua mãe, em Santos. Houve uma invasão violenta e três agentes do DOI-CODI armados com metralhadoras penetraram naquele lar deixando em pânico a mãe e a irmã enquanto davam voz de prisão ao jornalista. Tentando acalma-las ele beijou a ambas e disse que logo estaria de volta.

Nunca mais voltou.

Luiz Eduardo sabe-se por depoimento do único preso político que assistiu ao suplício, Guido Rocha, foi torturado sem folga, por 24 horas, havendo, inclusive, um revezamento entre os torturados em suas três turmas de 8 horas “de trabalho”.

Ao ser jogado na solitária já não sentia as pernas e teve que ser carregado por Guido até a privada.

Seu estado era tão preocupante que na manhã seguinte, 17 de julho, um enfermeiro foi chamado para examiná-lo. Não havia nenhuma resposta aos estímulos provocados pelo enfermeiro na planta dos pés ou nos joelhos. Além disso, tudo que ele comia, vomitava, com resquícios de sangue.

Quando o enfermeiro preparava-se para sair Merlino teve uma crise, já não sentia também os braços. O enfermeiro exigiu uma transferência urgente para o hospital. As últimas palavras que Guido ouviu foram “estou morrendo”.

No dia 20, pela manhã, o PM Gabriel contou aos presos que Merlino morrera na véspera por “problemas no coração”. Na noite desse mesmo dia D. Iracema Merlino recebeu um telefonema de um Delegado do DOPS que contou que seu filho morrera ao se jogar embaixo de um carro na BR-116 ao escapar da escolta que o levava a Porto Alegre, onde tinha ligações de militância.

Dois anos depois, ainda preso no DOI-CODI, o historiador Joel Rufino dos Santos ouviu de um de seus torturadores, que Merlino chegou muito mal ao Hospital e que de lá um médico telefonou ao DOPS (na verdade para o Coronel Carlos Alberto Ustra, chefe daquela seção) avisando que, ou amputavam suas pernas ou ele morreria. Segundo esse torturador, houve uma votação entre os homens de Ustra e a decisão foi “deixar morrer”.

Hoje, 40 anos e 8 dias depois, às 14h30min hs no Fórum João Mendes do Tribunal de Justiça de São Paulo, no centro da capital paulista teve início o histórico julgamento do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Graças a um esforço sobre-humano da família de Merlino que há anos tenta levar esse militar, responsável direto pela unidade paulista do DOI-CODI da Rua Tutóia, ao banco dos réus.

Estão lá os parentes e suas bagagens de dores. As testemunhas, Guido Rocha e Joel Rufino dos Santos pela acusação, e José Sarney (ele mesmo, o presidente do Senado), entre outros, pela defesa, que irão manter a versão absurda do suicídio.

É um momento histórico que pode ser vital por repercutir novos atos de justiça que tirem os crimes da ditadura militar debaixo do manto do anonimato.

Esperamos que lá também esteja a atenção e o interesse dos jovens brasileiros que não passaram por esses tempos cruéis, mas que necessitam conhecer um pouco mais da história de seu país.

Descanse em paz Luiz Eduardo Merlino. Você não pôde cumprir o que prometeu para sua mãe e irmã de retornar logo pra casa. Mas que seu nome, e o nome dos mortos sob tortura, possam finalmente, ocupar o lugar devido nos livros de história.

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