sábado, 10 de dezembro de 2011

MÚSICA BRASILEIRA E A DITADURA MILITAR - Final

Belchior, que durante muito tempo foi considerado autor marginal, teve a música “Os Doze Pares de França” (Belchior – Toquinho) censurada, porque para os censores, os autores vangloriavam a França, fazendo dele um país melhor para se viver do que o Brasil.

Também a canção “Pequeno Mapa do Tempo” (Belchior), de 1977, uma crítica implícita ao regime, por causa dos versos “eu tenho medo e medo está por fora” e “eu tenho medo em que chegue a hora, em que eu precise entrar no avião“, uma alusão ao exílio, os censores concluíram que a música trazia mensagem de protesto político.

Ao contrário do que se pensa, o cantor e compositor Luiz Ayrão foi um dos artistas brasileiros que mais contestou a ditadura militar. A sua música “Quem Eu Devo é Que Deve Morrer”, tem como tema uma dívida pessoal que só será paga se Deus quiser. Também a dívida externa brasileira encontrava-se nessas condições. A canção é vetada, sendo a proibição justificada pela censura porque a letra era um incentivo ao homicídio, com uma mensagem de caráter negativo.

Sueli Costa deu a canção “Cordilheira” (Sueli Costa – Paulo César Pinheiro) para Erasmo Carlos gravar. Feito o registro, a canção jamais saiu, sendo proibida. Os autores chegaram a ir a Brasília em busca de uma explicação para o veto. Encontram o silêncio dos censores, sem nenhuma justificativa. Mas os versos falavam por si: “Eu quero ver a procissão dos suicidas, caminhando para a morte pelo bem de nossas vidas”. “Cordilheira” é uma das mais belas canções de teor contestatório já feita no Brasil. Quando liberada, seria gravada por Simone, em 1979, no álbum “Pedaços”. O registro de Erasmo Carlos só saiu em uma caixa de cds comemorativos à carreira do cantor.

O Brega ou Popularesco, nada escapa à Censura.

A censura da ditadura militar não obedecia a nenhum critério. Qualquer ameaça não só ao regime por ela imposto ao país, como à sociedade conservadora que a ajudou a ascender ao poder e nele continuar por mais de duas décadas. Vestido de uma moral hipócrita, o regime militar barrava qualquer obra que suspeitasse ofender à moral, ou que se mostrasse obscena a essa moral.

Em um mesmo contesto, tanto Chico Buarque, quanto Odair José, um cantor e compositor de sucessos popularescos, sem vínculos com qualquer militância política, ou mesmo o genial e popular Genival Lacerda, sofriam os reveses da censura. “Tanto Mar” (Chico Buarque), “Pare de Tomar a Pílula” (Odair José) e “Severina Xique Xique”, apesar de canções antagônicas, de vertentes diversas dentro da música brasileira, oscilando entre a canção política e a considerada “brega”, eram consideradas pela censura um perigo latente ao regime e à moral que se construía naquela época.

Em 1975, Genival Lacerda tinha transformado a sua música “Severina Xique Xique” (Genival Lacerda – João Gonçalves) em um grande sucesso de público no nordeste brasileiro, quando foi vítima do preconceito das famílias do Ceará, que acusavam a palavra “boutique” de ter duplo sentido, ofendendo os bons costumes do lugar. Diante do protesto, o departamento regional da polícia federal do Ceará encaminhou a letra à Divisão de Censura de Brasília. Surpreendentemente, o técnico de censura de Brasília, mantém a liberação da música e afirma que a canção “é um veículo de integração da nacionalidade“. Este fato prova que a censura não vinha só do regime militar, mas da sociedade que apoiava este regime, e que muitas vezes, era mais repressiva e conservadora do que ele.

Dentro do popularesco da canção brasileira, Odair José foi um dos compositores que mais sofreu com a censura. “O Motel” (Odair José), teve só pelo seu título, o veto da censura. O autor mudou o título da canção para “Noite de Desejos”, conseguindo liberá-la e gravá-la. A mais polêmica música de Odair José foi “Pare de Tomar a Pílula”, onde ele pedia para a namorada deixar de usar anticoncepcionais para que pudesse engravidá-la. Vista à ótica do tempo, a canção chega a ser ingênua, de uma simplicidade quase grotesca, absolutamente inofensiva para um público atual, mas aviltante para as velhas senhoras que em 1964, saíram às ruas de rosários nas mãos, saudando, em nome da família brasileira, os golpistas militares.

Dentro da corrente popularesca, a censura não poupou nem mesmo a dupla Dom e Ravel, que em 1970, tornara-se a menina dos olhos da repressão, com uma música que exaltava a nação, tornando-se o hino da ditadura: “Eu Te Amo, Meu Brasil”. O motivo que levou o regime a interrogar Dom e Ravel, foi quando eles apresentaram, em 1972, a canção “A Árvore”, os censores desconfiaram do trecho “venha, vamos penetrar”. Além de imaginar que o tema que falava de árvores, seria supostamente sobre a canabilis (planta da maconha). A música foi proibida, apesar de ter uma gravação da banda Os Incríveis, nunca foi lançada.

A esta altura, a incoerência da censura já dava passagem para uma certa esquizofrenia social e política, sem ideologia ou razão.

Dentro de um processo repressivo, todos os argumentos tornam-se incoerentes, a razão é substituída pela força bruta. A censura não constrói uma lógica, muitas vezes ela percorre movida pelas decisões pessoais dos censores.

Para manter as necessidades de uma ditadura, a censura fazia parte da arma de propaganda do estado repressivo, podava a liberdade de expressão, principalmente as que feriam os princípios que justificam um governo ilegítimo, emanado da força, da opressão e da traição aos princípios da democracia.


eltheatro11@eltheatro.com
Editor: Elpídio Navarro

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