domingo, 1 de abril de 2012

CORRIDA DE BASTÃO


Garganta seca, árida como o sertão nordestino.

Camisa encharcada, grudada ao corpo.

Corpo repleto de dor.

Doem as pernas com mais nitidez, mais outras dores se misturam pelo tórax, braços, cabeça de um jeito que já não sabe onde a dor começa e onde ela termina.

A sede aperta. A garganta fica mais árida.

Ah como seria bom um descanso sob uma plácida sombra que protegesse desse sol abrasador!

Já na segunda metade da curva sente que o adversário dispara mais a frente.

É cruel correr contra quem tem tantas reservas e proteções...

Mas, a partir de um certo ponto, quase ao final da curva, já pode ver a figura lépida de seu parceiro de corrida.

Posicionado, mão estendida para trás, ansiosamente aguarda inquieto a sua vez.

Oh senhor! Finalmente. Minha hora de passar esse bastão que pesa mais que uma montanha.

Acelera os passos antes trôpegos, mas agora renovados. E voa na pista. Vôa como voaram um dia seus sonhos mais juvenis.

A mão estendida do companheiro aguarda para revezamento do bastão. Mal se contem.

Não há mais calor, não há mais sede, não há dor que seja maior que a felicidade de passar o bastão.

E quando estende o braço e sente que a mão segura à frente se apossa do objeto, ele desacelera as pernas, mas não desacelera o coração.

Corpo curvado com as mãos nos joelhos, mal consegue respirar. O que será que lhe tira mais o ar? O longo trajeto percorrido ou a emoção da missão cumprida?

Não poderia morrer jamais, sem cumprir o seu destino.

E seu destino se completava apenas com a passagem do bastão para outra mão amiga.

Seus olhos estão úmidos, mas não é mais de esgotamento ou fadiga, é de alegria e prazer de ter feito a coisa certa.

Então, senta na pista e fecha os olhos. As recordações do percurso cumprido ainda machucam. Ouve as vozes dos que vieram antes e já se calaram. Talvez seja hora de adormecer, mas de um adormecer repleto de esperança no resultado final dessa corrida, aonde com certeza, a vitória do mais justo chegará.

Essa semana o Brasil assistiu a estréia pública de um movimento que, nascido no Rio Grande do Sul, já se articulava por todo o Brasil a mais ou menos quatro anos.

Trata-se do “Levante Popular da Juventude”, movimento apartidário, composto majoritariamente por jovens estudantes brasileiros que querem que lhes seja contado direito à história do golpe de 64 e de sua ditadura.

Sabem esses moços, que outros moços como eles, foram mortos, muitos sob a tutela do estado, em meio a dilacerantes torturas.

Estão conscientes que muitas torturas ainda exercem seu nefasto poder na memória, nos traumas, nas fobias de homens e mulheres, marcados, presos, violentados, mutilados em porões imundos e clandestinos.

Sabem eles que muitas famílias ainda não puderam enterrar seus mortos, pois seus corpos permanecem desaparecidos e insepultos.

E também sabem que, se nada for feito, outros golpes como o de 64 e outras ditaduras ainda virão, podendo ser eles mesmos as próximas vítimas.

Esses jovens querem que os torturados, fartamente conhecidos sejam colocados no seu lugar de direito da história: o banco dos réus.

Para pelo menos quatro gerações de brasileiros o nascimento desse movimento de jovens, é muito mais do que apenas uma boa notícia. Para muitos veteranos de guerra o sentimento é de passagem do bastão.

A geração democrática mais nova está assumindo seu posto na luta pela democracia.

Há no ar, um sentimento de fim de jornada, que antes de ser triste, é de natural alegria.

Finalmente podem descansar os fatigados corredores, pois só poderiam descansar se houvesse convicção de que não seriam dos tiranos as últimas palavras ditas sobre tudo o que aconteceu.


Prof. Péricles
Para saber mais sobre o movimento, acesse www.levante.org.br

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