quarta-feira, 20 de junho de 2012

TANCREDO NEVES E A IRONIA

Certos acontecimentos na história do Brasil ocorrem com tamanha dramaticidade e ironia, que, às vezes, parece mais fruto da fértil imaginação de um escritor do que fato da vida real.

Até faz lembrar uma brincadeira dos tempos de rapaz que fazíamos com os amigos. A gente começava uma estória (quase sempre o ponto de partida era de algo real) e cada um, em sua vez, conforme a imaginação seguia complementando a narração do anterior, até a conclusão da estória, que até o fim era desconhecido para nós mesmos, os “autores”.

Pois uma dessas brincadeiras fanfarronas da história oficial brasileira é de Tancredo Neves e o final da Ditadura Militar.

Depois de 10 anos de “reabertura” o Brasil ansiava por novos tempos de democracia. A crise econômica era tamanha que os milicos eram os primeiros a querer ir embora. Como, porém, estava valendo uma coisa chamada “Constituição de 1966”, a eleição, para escolher o substituto do último General, o João Figueiredo, seria por eleição indireta. Ou seja, aquele joguinho de cartas marcadas em que os “eleitores” são os deputados e senadores, somente, sem voto do povo.

Portanto, o primeiro presidente pós ditadura seria escolhido no conchavo do Congresso Nacional, onde a ARENA com novo nome de PDS tinha, naturalmente, a maioria.

Um Congressista, Dante de Oliveira, propôs uma emenda a “Constituição” instituindo o voto direto (do povo). Essa emenda entraria para a história com o nome de Emenda Dante de Oliveira.

Como falamos anteriormente, o PDS tinha a maioria no Congresso, e, raciocine, por que eles iriam aceitar tal emenda que tiraria deles o poder de escolher o presidente?

Iniciou-se então, de forma quase espontânea, um dos mais belos movimentos de nossa história, a Campanha “Diretas Já”.

Com o objetivo de sensibilizar os congressistas, essa Campanha, que começou no norte e terminou em Porto Alegre, com fecho de ouro em São Paulo, levou às ruas milhões de brasileiros.

Para quem estava acostumado a fazer política clandestina, ver gente de todas as idades participando de ato político, com bandeiras nas mãos e palavras de ordem, foi comovente.

Mas... o Congresso foi mais insensível do que poderia se imaginar. E contrariando aquela imensa massa que pedia a aprovação, a Emenda Dante de Oliveira foi derrotada.

Restava a luta dentro do Congresso para impedir que depois de Figueiredo alguém “do lado deles”, isso é, alguém do PDS que sempre apoiou a ditadura vencesse. Mas era difícil pela maioria folgada que esse mesmo PDS detinha no Colégio Eleitoral.

O “lado de lá” formalizou a candidatura Paulo Maluf para Presidente. O PMDB unido a todos os outros partidos de oposição formou a Aliança Democrática e apontou como candidato, Tancredo Neves.

Mineiro de São João Del Rei, 75 anos, ex Ministro da Justiça e Negócios Interiores de Getúlio Vargas, ex-deputado federal, ex PSD (de Juscelino), ex-senador, ex-governador de Minas Gerais, sempre identificado com o MDB na oposição consentida à Ditadura, Tancredo Neves passaria a ser a esperança nacional de acabar com o império da ARENA travestida de PDS. O país começou a amar aquele velhinho.

Em 15 de janeiro de 1985 o Congresso Nacional se tornou Colégio Eleitoral e se processou a eleição indireta. Ao cidadão brasileiro, mais uma vez restou torcer das arquibancadas. A eleição foi transmitida para todo o país que literalmente, parou. No final, a vitória. A Aliança Liberal apoiada por parte do PDS que debandara para fundar o PFL venceu. Emocionado, Tancerdo Neves em seu primeiro pronunciamento como presidente eleito bradou “Essa foi a última eleição indireta do Brasil”.

Lágrimas, emoção, desabafos. Era o fim de um pesadelo e o início de novos tempos. Tancredo Neves derrotava Paulo Maluf e tudo aquilo que Maluf representava.

É aí que entra a ironia.

Eleito em 15 de janeiro Tancredo deveria assumir 14 de março. Esse deveria ser o final feliz que todos esperavam. Mas não foi.

Na manhã desse dia que era para ser de festa, os brasileiros foram sacudidos com uma notícia surreal: Tancredo Neves passara mal durante a noite e tivera que ser baixado às pressas no Hospital de Base, de Brasília.

Não parecia ser verdade. Não podia ser verdade. Só podia ser uma sacanagem do destino.

E que sacanagem. Naquele dia José Sarney (uma exigência do PFL para o apoio decisivo à Aliança Democrática) assumiu como vice e como presidente em exercício.

Por cinco semanas o Brasil entrou numa angustiosa hipocondria. Todos se sentiam um pouco doentes e, toda a nação, ao final do dia, queria saber notícias vindas de Boletins Médicos chatos e lacônicos.

No domingo, 21 de abril de 1985, logo após o final do Fantástico da Rede Globo, entrava no ar a cara bolachuda já conhecida de Antonio Brito, porta-voz oficial da presidência, para anunciar nos microfones, a morte de Tancredo Neves, com diagnóstico de diverticulite.

Depois de 20 anos. Depois de uma incrível campanha frustrada. Depois de tantas esperanças de redemocratização, morria aquele que representava a esperança derradeira do retorno a normalidade. Sobrava, para exercer o mandato, José Sarney, extremamente identificado com o coronelismo e com a própria ditadura.

Então, diga-me, parece ou não parece que anjos bêbados, estarrados em alguma nuvem secreta, fizeram a brincadeira do final surpresa que ninguém, nem mesmo eles, esperavam?

Prof. Péricles

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