terça-feira, 18 de setembro de 2012

ORAÇÃO PELOS LANCEIROS NEGROS



Cauê era um negro forte, robusto, afeito aos trabalhos mais duros da fazenda.

Desde que se conhecia por gente sonhava com a liberdade. Não lembrava de uma só noite que não tivesse sonhado ser um homem livre.

Foi com o coração pulando mais do que cavalo bravio que Cauê ouviu de seu patrão, a proposta para a luta. Segundo o caudilho, seu “proprietário”, estava engajado na luta dos sulistas contra o império e se vencedor, a república seria proclamada e a escravidão abolida. Queria lutar pela causa?

Cauê nem mesmo ouviu o fim da frase e já erguera a mão com toda altivez.

Nenhuma outra coisa o faria mais feliz do que a oportunidade de lutar sem amarras.

Tinha medo de morrer? Não. Tinha era medo de ser escravo pelo resto da vida.

Aceitava o desafio? Sem dúvida, agora mesmo.

Assim como Cauê, centenas de outros escravos, fortes e destemidos pegaram em armas para lutar na Revolução Farroupilha.

Exímio cavaleiro, Cauê lutou nos bravos “lanceiros negros” contingente cavalariano formado pelo Coronel Joaquim Pedro e comandado pelo Major Joaquim Teixeira Nunes e por Antonio de Sousa Neto.

Organizados em 8 companhias de 51 homens cada, totalizando 426 lanceiros, lutaram com a força do desespero pela sua vida e pela vida de seus irmãos.
Destaram-se de tal maneira em combate que, um dia, o revolucionário Giuseppe Garibaldi escreveria que nunca encontrou, em suas lutas intermináveis, homens tão valorosos e destemidos e que, com certeza, com uma tropa daquelas teria vencido todas as suas lutas em solo italiano.

A luta farroupilha foi dura e entusiasmada nos primeiros 5 anos, desgastante nos outros 3, enquanto seus dois últimos anos foram de negociações secretas entre os dois lados, farroupilhas e federais. Como terminar o conflito de forma digna e sem seqüelas, visto que, o Imperador precisaria desses militares para breve, para enfrentar as questões do Prata que levariam o Brasil a mais devastadora das guerras sul-americanas, a Guerra do Paraguai?

O maior entrave era, justamente, o que fazer com os negros a quem fora prometida a liberdade? Enquanto os gaúchos não aceitavam o simples retorno à condição de escravidão, os federais não podiam admitir uma abolição em separada do restante do país.

A solução parece ter sido favorecida na localidade de Porongos, hoje parte do município de Pinheiro Machado, em 14 de novembro de 1844. Naquela noite o General David Canabarro anuncia que por força de negociações correntes e para ganhar tempo com montarias mais leves, todos os lanceiros negros deveriam entregar suas armas ao comandante, devendo recebê-las de volta ao raiar do dia. Pela madrugada forças imperiais atacaram o acampamento e os lanceiros, desarmados, foram mortos em mais de uma centena.

Foi uma traição?

A solução final se daria com o acordo selado entre Canabarro e Caxias determinando que os lanceiros negros fossem retirados do Rio Grande, sendo incorporados ao exército imperial do Rio de Janeiro, mas não fugindo da condição de escravos.
Quanto aos demais escravos o retorno à rotina da escravidão.

Cauê foi um dos últimos a fechar os olhos para sempre, em Porongos.

Antes, porém, compreendeu como a traição pode ser pintada com as cores do heroísmo e como a história pode ser mentirosa.

No aniversário da Revolução Farroupilha não custa nada aos que cultivam essa data, um olhar para o céu e um pedido silencioso de desculpas a Cauê e às centenas de negros que lutaram pela República Rio-Grandense.

Nos campos do céu, os lanceiros negros ainda galopam rebeldes e libertos.
Um oração? Sim, pode ser proferia na imensidão das serras e dos planaltos e coxilhas do Rio Grande em nome de seus verdadeiros heróis e de todos aqueles que amam a liberdade.

Prof. Péricles

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