terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

ASSIM NASCEU A IGREJA



O homem sentado no meio da sala vazia estava muito preocupado. E sobravam razões para sua carranca.

O Homem era o Imperador Constantino, um político latino de visão larga e que percebia que o grande, o extraordinário Império agonizava.

Além de ter que enfrentar Licínio, outro candidato ao trono, Constantino se amargurava pela constante desvalorização da moeda, pelo desemprego urbano causado pelo excesso de escravos nas cidades e da baixa produtividade agrícola pela falta desses mesmos escravos no campo e ainda, pelas dificuldades naturais de administrar um Império de dimensões continentais cuja população não parava de crescer.

Constantino foi dormir naquela noite com a amarga sensação de fim de festa.

Durante a noite o imperador teve sonhos agitados e confusos, e ao despertar, um plano começava a tomar força em sua mente.

Usando a própria esposa como ouvinte-teste ele argumentou: “Nesse momento de crise intestina o que eu mais preciso para derrotar Licinio e para normalizar a vida do Império? Apoios. Mais que isso, dinheiro. Existe algum grupo hoje, em todo império que possa apoiar mais e contribuir mais? Existe claro que existe. Os cristãos”.

Fausta, a esposa, ansiosa para parecer mais inteligente que ex, Minervina, ousa levantar a mão (com a qual segurava a tiara) e contrapor: “mas o cristianismo não é proibido no Império? Não é por causa disso que eles se escondem nas catacumbas?”

“Eureka (como havia dito Arquimedes), isso mesmo!” Brada Constantino I, “devemos deixar de fazer de conta que não percebemos o crescimento do cristianismo, e os trazermos para a luz da legalidade (e da taxação)”.

“Mas você já ouviu falar no mestre deles?”, disse o secretário Calixtos entrando no salão, “É um homem que não concorda que Cezar seja também um deus. Nega a existência de nossos deuses e diz haver apenas um deus. Além do mais, fala em perdoar os inimigos e nosso império é um império guerreiro... E o pior de tudo, prega que todos são iguais, servos, nobres e imperador. Poderemos aceitar essas coisas?”

Constantino se ergueu e disse: “depende, meu caro Calixtos, se for ou não vantajoso. Iremos nos unir aos cristãos. Mas alteraremos o cristianismo. Faremos uma aliança com sua alta liderança (clero) e estabelecer que Cristo é esse, e quais os fundamentos do Cristianismo que nos interesse, claro”.

Em 313 Constantino assinou o Edito de Milão. O documento final afirmava que o Império Romano seria neutro em relação ao credo religioso acabando oficialmente com toda e qualquer perseguição ao cristianismo. As propriedades que haviam sido confiscadas, anteriormente, foram devolvidas aos cristãos.

Doze anos depois, em 325, após muitas negociações, Constantino e os líderes da Igreja (já chamados de Papas desde o século II) reúnem-se na cidade de Nicéia (atualmente área da Turquia) para estabelecer o Cristianismo que o Estado e a nobreza poderiam suportar.

É em Nicéia que se define a questão cristológica, isso é, quem deveria ser Jesus e quais dos seus ensinamentos deveriam ser ressaltados. Foi então que a figura de Jesus se afastou do homem comum e revolucionário, morto sob tortura, para se tornar o próprio Deus, fundindo Pai e Filho num só. É construído um credo (conjunto de pontos a serem aceitos), fixada a data da Páscoa, necessariamente uma Páscoa separada da Páscoa dos judeus, apagado o conceito de reencarnação e ocorre a promulgação da lei canônica que estabelece o jogo hierárquico e legal do clero (os degraus até chegar a Papa).

O plano de Constantino funcionou e ele pode morrer imperador de um Império inteiro e compacto.

Finalmente, em 27 de fevereiro de 380, foi decretado o Édito de Tessalônica, pequena cidade da Grécia (Província Romana) pelo imperador Teodósio, seguidor da política de Constantino. A religião Católica tornava-se a religião oficial e exclusiva do estado, sendo abolidas todas as praticas politeístas dentro do Império Romano e fechados todos os templos pagãos.

E foi assim que uma pequena religião do oriente se tornou a maior religião do ocidente. E atravessaria o tempo moldando destinos

Dessa forma surgiu uma igreja fortemente centralizada e hierarquizada. Estruturada umbilicalmente com o poder político e com as classes dominantes. Uma Igreja afastada dos excluídos e próxima do poder.

Foi dessa maneira que a forma se tornou mais importante que o conteúdo, a interpretação exclusividade do clero e o pobre perdeu Jesus para ganhar seu Papa.

O final dessa história? Bem, ela ainda não terminou.

Ela continua hoje com a renúncia anunciada de Bento XVI.

Num mundo em tremendas transformações que apresentam questões cruciais como homofobia e cidadania, células tronco e avanços da genética, a Igreja irá definir seus caminhos.

Ou elege o terceiro Papa ultra-conservador seguido e escolhe o caminho reacionário continuando a fingir não existir casos de pedofilia e nem escândalos financeiros, ou cingi um Papa da ala mais progressista que signifique discutir velhos dogmas e tabus e optar por mudanças corajosas.

O caminho escolhido poderá levar, ou não, ao maior racha que a Igreja já conheceu em tempos modernos ou o reencontro da Igreja com seu povo.


Prof. Péricles

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