sábado, 13 de abril de 2013

O HOMEM QUE DISSE NÃO



A moça recosta-se na poltrona satisfeita ao final do filme.

O avô a observa e pergunta por que está tão satisfeita.

Ela responde que o filme que acabara de assistir fora ótimo, mostrara um militar norte-americano que sobrevivera ao Massacre do General Custer, e ainda salvara da morte a esposa, os filhos e algumas outras pessoas.

- Que pena que não existem heróis assim no Brasil, né vovô?

O avô deixa escapar um sorriso tímido antes de discordar.

- Ao contrário menina, nosso país tem muitos heróis maravilhosos. Você já ouviu falar no capitão Sérgio Macaco?

- Quem? Acho que nunca vovô...

- pois pode deixar que o vovô aqui vai te contar a história de um herói brasileiro... foi assim:

“Em 12 de junho de 1968, o capitão para-quedista Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, conhecido simplesmente como “Sérgio Macaco”, chegou preocupado para uma reunião no Gabinete do Ministro da Aeronáutica onde foi recebido por dois brigadeiros.

Aos 37 anos, Sérgio Macaco era integrante do Para-Sar, esquadrão de elite da aeronáutica que executava missões de resgate e salvamento. Já tinha seis mil horas de vôo e 900 saltos em missões humanitárias que o fizeram um herói entre os índios que o chamavam de Nambiguá caraíba, que quer dizer, homem branco amigo.

Por tudo que já fizera recebera quatro medalhas por bravura.

Ele jamais poderia imaginar que seu maior ato de bravura se daria naquele dia, e exatamente naquele gabinete.

- Nossa vovô, o que aconteceu? Explodiu uma bomba no Prédio?

No prédio não minha neta, mas no coração de Sérgio Macaco...

Num diálogo surreal que ele jamais esqueceria, lhe é sugerido o cumprimento de uma missão terrível: propuseram-lhe que ele acompanhado por outros para-quedistas selecionados, colocasse bombas na porta do Citibank e da embaixada americana, causando algumas mortes. Em seguida viria a grande carnificina: ele dinamitaria a Represa de Ribeirão das Lajes e, simultaneamente, explodiria o gasômetro. As cargas, de efeito retardado, seriam colocadas pelo capitão Sérgio, que depois ficaria aguardando, os acontecimentos no Campo dos Afonsos. Quando a tragédia acontecesse o Para-Sar, comandado por ele, aportaria no local da tragédia posando de bonzinho, prestando socorro a milhares de feridos e recolhendo mortos vitimados pela ação da própria aeronáutica...

Colocariam a culpa nos grupos esquerdistas que lutavam contra a ditadura. Sérgio seria tido como herói por salvar as supostas vítimas dos "comunistas" e receberia sua quinta medalha, enquanto a ditadura teria um pretexto para aumentar a repressão contra os "subversivos”.

- Não acredito vovô. Brasileiros matando brasileiros... mas isso é monstruoso.

Sim, monstruoso, mas aquele ano de 1968 era decisivo para a continuidade ou o fim da Ditadura. Lembre-se que foi em 1968 a Passeata dos Cem Mil, a Morte de Edson Luis, e em dezembro a assinatura do AI-5 e aí...

- E aí o inferno desceu sobre o Brasil.

“Exatamente. Por isso a ação radical, na cabeça monstruosa dos que defendiam a linha dura, se justificava.”

- E então, o que aconteceu?

“O Capitão poderia aceitar a missão. Se tornaria um herói nacional, ganharia a quinta medalha e seria eternamente protegido pelo regime. Poderia como tantos fizeram justificar para si mesmo que apenas cumpria ordens, tinha tudo pra se dar bem, mas... não, ele olhou altivo para seus dois superiores que já o chamaram no Gabinete do Ministro para impressioná-lo e disse essa palavrinha de apenas três letras – Não.”

- Meu Deus...

“Sua recusa impedia que a missão fosse cumprida por outro, pois os dois brigadeiros sabiam que o segredo estava quebrado. Então a vida de Sérgio Macaco virou um martírio.

Foi perseguido pela ditadura, discriminado, removido para o Recife, reformado na marra aos 37 anos, cassado pelo AI-5 e pelo Ato Complementar 19, acabou na prisão...

Em 1970, necessitando de um tratamento de coluna, aconselharam-no a não se internar em unidade militar, pois certamente seria assassinado lá dentro. Graças ao jornalista Darwin Brandão, com auxílio do médico Sérgio Carneiro, o capitão acabou sendo tratado clandestinamente no Hospital Miguel Couto.

Pra você ver seu sentido de ética, em 1979 recusou ser anistiado.
Ser anistiado porque se não fiz nada errado e impedi uma carnificina?

Sérgio Macaco morreu de câncer no estômago em 04 de fevereiro de 1994 e três dias depois foi promovido a Brigadeiro”.

A moça parece grudada na poltrona...

- Caramba, esse sim é um verdadeiro herói... E ninguém lhe dá valor, ninguém nem ao menos conhece sua história...

“Sim querida. Ele foi enterrado sem honras militares e acompanhado apenas pela família. O diretor francês Olivier Horn fez um documentário que conta sua história, intitulado “O Homem que disse Não”, mas, aqui no Brasil ele não aparece nos livros nem nas aulas de história.”

- Mas a partir de hoje vovô, ele será o meu herói. Escreverei assim na memória “Sérgio Macaco, um herói de verdade”.

Prof. Péricles

Um comentário:

Unknown disse...

Sérgio Macaco foi um gigante, um exemplo para todos nós