domingo, 30 de junho de 2013

O PREÇO DO IR E VIR



Os movimentos de protesto nas ruas brasileiras se iniciaram com reivindicações relacionadas ao preço do transporte urbano, nas grandes capitais. Não é de hoje que o preço da locomoção dos brasileiros cria dor de cabeça aos governantes.

A primeira revolta reivindicatória relacionada ao transporte público que se conhece, ocorreu no período imperial, mais exatamente entre 1879 e 1880, no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. O protesto foi contra a cobrança de vinte réis, ou seja, um vintém, nas passagens dos bondes. Bom lembrar que esses bondes eram de tração animal, no caso, puxado por burros. Uma galera de mais ou menos 8 mil pessoas, aos gritos de “fora o vintém” agrediram os pobres condutores e, o cúmulo da violência, chegaram a matar alguns burros. No fim, o governo mudou o Ministro e desistiu da cobrança. Houve certa de 10 mortos durante os protestos.

Já a cidade de Salvado, na Bahia, experimentou uma paralisação forçada de 10 dias devido a um movimento de protesto contra o aumento das tarifas em transportes coletivos. Foi em 2003 sob a liderança da UNE (União Nacional dos Estudantes). Não houve acordo e as tarifas permaneceram reajustadas, mas foi grande o susto da população da cidade.

Na cidade de Florianópolis, capital de Santa Catarina, ocorreu a “Revolta da Catraca” nos anos de 2004 e 2005. O movimento que era contra o aumento das tarifas do ônibus balançou a vida política do estado e traumatizou a população urbana. Até hoje o movimento é citado como um dos mais assustadores já ocorridos. O acesso à cidade foi fechado pelos participantes do movimento. Foram milhares de participantes, mas quem acabou pagando o pato foi o estudante Marcelo Pomar, militante do MPL – Movimento Passe Livre, que foi preso e ainda hoje responde a processo no Tribunal de Justiça.

A atual mobilização, chamada por alguns de “A Revolta dos Vinte Centavos”, iniciou por São Paulo quando do aumento da passagem de ônibus em R$ 0,20. O maior destaque no início do movimento, e, talvez, o maior erro das autoridades, foi a repressão extremamente violenta por parte da polícia. O movimento se alastrou por outras cidades brasileiras, iniciando por Porto Alegre e Florianópolis e em pouco tem tornou-se nacional. Como sabemos, as inúmeras ramificações a partir do foco do reajuste das passagens de cara e forma a um movimento muito maior que questiona muito além do seu ponto de início, passando pela revolta contra a corrupção e outros pontos.

Ao contrário do que "estrelinhas intelectuais” da grande mídia comentaram com desprezo, o fulcro principal não são meros R$ 0,20. Não se trata de um movimento de miseráveis tentando matar burros. Pelo contrário, é um movimento, em essência, pela dignidade e pelo direito de manifestação, um direito inalienável da cidadania num estado que se pretende democrático.

O direito de ir e vir, tem preço e geralmente, além do ir e vir se restringir ao deslocamento de casa para o trabalho, esse preço é alto e desconsiderado.

Até onde vamos, ainda não sabemos, mas uma coisa deve ter ficado muito clara para os nossos dirigentes: não menosprezar jamais o peso do transporte no bolso do trabalhador. O elefante por causa de um mísero grão de amendoim pode descobrir que é o mais forte do circo.

Prof. Péricles

sexta-feira, 28 de junho de 2013

MIDIA QUER COMANDAR O ESPETÁCULO


Por Laurindo Lalo Leal Filho



À internet coube o papel de convocar, à TV de conduzir.

Ao perceber que o movimento não tinha direção e poderia assumir bandeiras progressistas, as emissoras de TV, com a Globo à frente, passaram a conduzi-lo.

Nos primeiros dias, para as TVs, eram vândalos que estavam nas ruas e precisavam ser reprimidos. Reproduziam em linguagem popular o que pediam os editoriais da mídia impressa.

Não esperavam, no entanto, que o movimento ganhasse as proporções que ganhou. Longos anos de neoliberalismo exaltando o consumo e o individualismo tiraram de algumas gerações o prazer de fazer política voltada para a solidariedade e a transformação social.

Os partidos que poderiam ser eficientes canais de participação passaram a se preocupar mais com o jogo do poder do que com debate e o esclarecimento político, tão necessário na formação dos jovens.

Tudo isso estava engasgado. O movimento do passe livre serviu de destape. Reprimido com violência como queria a mídia, ele cresceu. Milhões foram às ruas em repúdio ao vandalismo policial daquela quinta-feira (13).

As bandeiras, ao se multiplicarem, diluíram. A história registra o surgimento, nesses momentos, de líderes carismáticos ou de militares bem armados para levar as massas à trágicas aventuras. Alemanha nos anos 1930 e o Brasil em 1964 são apenas dois exemplos.

Em 2013, quem assumiu esse papel foi a TV. Percebendo a grandeza física do movimento, mudou o discurso e passou a exaltar a “beleza” das manifestações. Ofereceu para elas as suas bandeiras voltadas para assediar o poder central.

O grito genérico contra a corrupção ecoa a tentativa de golpe contra o governo Lula em 2005, ensaiado pelos mesmos agentes de hoje. Naquela época o esforço era maior. A TV tinha de convencer a massa a ir para a rua. Em 2013 ela já estava caminhando, era só entregar as bandeiras.

É o que estão fazendo com todo empenho. A exaltação ao povo que “acordou” foi só o começo. O JN, de14/06, censurou uma entrevista dada no Rio por uma integrante do Movimento do Passe Livre, Mayara Vivian.

Enquanto ela falava dos ônibus, tudo bem. Mas a parte em que ela defendia a reforma agrária, a reforma política e o fim do latifúndio no Brasil foi cortada pela censura global. Esses temas não fazem parte das bandeiras da família Marinho.

A mudança da grade de programação, com a troca da novela pelas manifestações “ao vivo”, na última quinta (20), é ainda mais emblemática. Sinalizou para o telespectador que algo de muito grave estava ocorrendo e ele deveria ficar “ligado na Globo” para “entender” a situação.

Tanto entenderam que às 20h30 centenas, se não milhares de pessoas, continuavam a sair das estações do Metrô na Avenida Paulista. Iam se juntar aos “apolíticos” que hostilizavam os militantes partidários insuflados por “pitbulls” (jovens parrudos) estrategicamente postados ao longo da avenida. Pela minha cabeça passaram imagens das brigadas nazistas vistas no cinema.

Os cartazes tinham de tudo. Alguém disse que era um “facebook” real. Cada um “postava” na cartolina a sua reivindicação. E a TV até disso se aproveitou.

Na sexta pela manhã, Ana Maria Braga ensinava como as mães deveriam orientar seus filhos na confecção desses cartazes. Como o Movimento pelo Passe Livre já disse que não iria mais convocar novas manifestações, parece que a Globo assumiu o comando. Quando será o próximo ato? Saiba na Globo.

Fustigado nas ruas e nas telas, o governo para responder, tem de se valer da mesma TV que o ataca. Julgou, como julgaram outros governos, que isso seria possível e por isso não constituiu canais alternativos de rádio e TV capazes de equilibrar a disputa informativa (a presidente Cristina Kirchner não entrou nessa).

Sem falar na regulamentação dos meios eletrônicos cujo projeto formulado ao final do governo Lula está engavetado. Se houvesse sido enviado ao Congresso e aprovado, outras vozes estariam no ar. Teríamos mais chance de evitar o golpe anunciado.



Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão”

terça-feira, 25 de junho de 2013

POR UMA NOVA CONSTITUIÇÃO


O Brasil teve, em seus 191 anos de história (período colonial, fora), sete Constituições:
A primeira em 1824 (monárquica), a segunda em 1891 (primeira república), a terceira em 1934 (da Revolução de 30), a quarta em 1937 (Estado Novo), a quinta em 1946 (redemocratização após a Era Vargas), a sexta em 1967 (da Ditadura Militar) e a sétima, a atual, de 05 de outubro de 1988.

Dessas, quatro foram promulgadas, isso é, elaboradas conforme a legislação vigente, as de 1891, 1934, 1946 e 1988; e 03 (três) outorgada, ou seja, impostas goela a baixo pelos governantes, as de 1824, 1937 e 1967.

A que mais tempo vigorou foi a monárquica de 1824 (70 anos) e a que menos tempo durou foi a de 1934 (3 anos).

A Constituição é o documento máximo de uma nação. A ordem jurídica, o embasamento de todas as funções e garantias, ou seja, a Constituição é a regra do jogo, que todos devem conhecer e entender.

A Assembléia Nacional Constituinte é o foro máximo da liberdade num estado que se propõe democrático, pois é lá que são apresentadas propostas, discutidas e elaboradas todas as Leis constitucionais que irão regulamentar a nossa vida civil.

A atual Constituição é considerada a mais democrática de todas. Surgiu após a Ditadura Militar e o desejo de retornar à democracia. Ela ampliou os direitos sociais e as atribuições do poder público e entre muitas novidades podemos destacar que instituiu eleições majoritárias em dois turnos caso nenhum candidato consiga atingir a maioria dos votos válidos; implementou o SUS, o sistema único de saúde do Brasil; criou o voto facultativo para cidadãos de 16 e 17 anos; estabeleceu a função social da propriedade privada urbana; garantiu a demarcação de terras indígenas; regulamentou o direito de aposentadoria para trabalhadores rurais sem precisarem necessariamente ter contribuído com o INSS; estabeleceu o fim da censura a emissoras de rádio e TV, filmes, peças de teatro, jornais e revistas, etc. E muitas outras.

Nossa Constituição, sonhada por gerações sufocadas pela Ditadura, já completará, portanto, 25 anos. Nesses 25 anos, foram muitos os avanços proporcionados por ela, mas, também, muitas as mudanças que ocorreram no país e no mundo. Muitas correções e avanços ainda são possíveis, sem nenhuma dúvida.

Ela, a Constituição de 1988, foi elaborada pelo Congresso Nacional que se tornou Assembléia Constituinte, tendo como grande maioria, congressistas eleitos pelo PMDB sob a mística do Plano Cruzado, num dos maiores estelionatos eleitorais de nossa história. O Plano Cruzado que congelava preços e salários e tinha enorme popularidade (vide as fiscais do Sarney), iludiu a população sendo mantido por meses, e vindo a acabar no dia seguinte às eleições.

Já durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, diante dos avanços dos progressistas, os conservadores de todos os partidos se uniram formando o chamado “centrão” que votava em bloco conseguindo impedir as propostas mais inovadoras.

Diante da atual situação de revolta nas ruas, talvez, seja uma boa idéia pensar na convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte para redigir uma nova Constituição brasileira, não apenas no que conste em reforma política, mas, completa?

O que você acha?

Prof. Péricles

domingo, 23 de junho de 2013

CURA GAY E OUTROS ABSURDOS


Por Manuela D’ Ávila

Muitos acreditavam que a escolha do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias era um fato politico isolado e ruim o bastante. Ledo engano. Essa eleição impulsionou, em certo sentido, a organização e o encorajamento dos setores fundamentalistas da bancada evangélica na Câmara dos Deputados. Como resultado mais direto disso, uma pauta legislativa que ameaça direitos humanos e traz retrocessos começa a avançar nas comissões da Casa.

A chamada “Cura Gay” (PDC 234/11) e o Estatuto do Nascituro (PL478/2007) são dois desses projetos de lei em tramitação. O primeiro trata homossexuais como doentes, ignorando as resoluções da Organização Mundial de Saúde (OMS), as normas do Conselho Nacional de Psicologia e até mesmo o bom senso. Por acaso, como bem lembra o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), alguém já chegou ao trabalho com um atestado médico para não trabalhar por estar “um pouco gay?” Obviamente, não, pois ser homossexual não se trata de doença e sim de orientação sexual. Como tal, não necessita de remédio, mas de respeito.

O segundo projeto, o Estatuto do Nascituro, aprovado recentemente na Comissão de Finanças da Câmara, afronta direitos das mulheres e o desenvolvimento científico no Brasil. Em síntese, a nova legislação prevê a proteção integral de embriões por meio da lei civil e penal do país. Para tanto, ignora o sofrimento das vítimas de estupro, proíbe exames modernos para identificação de doenças no pré-natal, coloca na ilegalidade métodos de reprodução assistida, como o congelamento de embriões, e o trabalho científico com os mesmos.

No artigo 4º, por exemplo, está escrito: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta prioridade, a expectativa do direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência”. Mas quem garantirá o direito das vítimas de estupro à saúde, ao respeito e à vida, por exemplo? Num único dia, pelo menos 35 histórias de crimes sexuais contra mulheres se repetem no Brasil. São 13 mil casos em 2011. São mulheres violentadas de todas as formas (Mapa da Violência 2012 – Homicídios de Mulheres no Brasil). Entre 2005 e 2010, registros de estupro aumentaram 168% (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Para os defensores de Direitos Humanos, quando ocorre violência sexual, o principal é priorizar a saúde da mulher em todas as dimensões: física, psicológica e emocional. Se o estatuto for aprovado, óvulos fecundados terão mais direitos do que mulheres vítimas de estupro, que serão obrigadas a continuar a gestação. A proposta criminaliza a interrupção da gravidez e cria a chamada “bolsa-estupro”, estimulando financeiramente mulheres que mantiverem a gestação. Já é comum ver a criminalização da conduta da vítima que muitas vezes não denuncia a agressão por medo e vergonha, e acabará ainda mais estigmatizada.

O projeto é tão maquiavélico que a mulher que tiver a gravidez interrompida acidentalmente será alvo de uma investigação policial. No texto, há previsão de pena de detenção de um a três anos para quem “causar culposamente a morte de nascituro”, ou seja, ao cair de uma escada, por exemplo, e sofrer interrupção da gestação, essa mulher será investigada.

Para quem acredita que o desenvolvimento científico é aliado na busca de saúde e na garantia de vida, o estatuto revela todo obscurantismo dos setores fundamentalistas. Pelos artigos 1, 2 e 25 do projeto original, ficam proibidas explicitamente técnicas de reprodução assistida que auxiliam milhares de casais a gerarem novas vidas. Veda também pesquisas com embriões. No artigo 25, consta a previsão de detenção para quem “congelar, manipular ou utilizar nascituro como material de experimentação”. E vai além, no artigo 11 (parágrafo 2º), ao proibir exames no pré-natal, que ajudam na identificação de doenças genéticas, como a biópsia de vilo corial.

Diante do avanço de ideias tão retrógadas no Legislativo, defensores de Direitos Humanos e da Ciência devem reforçar a luta para que o Brasil aprofunde ainda mais a garantia de igualdade, firmando-se como símbolo de respeito à diversidade, desenvolvimento humano e inovação.

Manuela D’ Ávila, líder do PCdoB na Câmara dos Deputados

sexta-feira, 21 de junho de 2013

NO GRITO NÃO


Em 22 de outubro de 1922, uma enorme manifestação ameaçou cobrir de sangue a Itália. Alarmado o governo italiano tudo fez para impedir a manifestação e tudo cedeu. Anos depois se verificou que na verdade, tratava-se de um blefe, pois as milhões de pessoas que tomariam Roma não passavam de alguns poucos milhares que seriam facilmente dominados, houvesse coragem para isso.

Essa manifestação se chamou Marcha sobre Roma, foi organizada pelo Partido Nacional Fascista (PNF) e idealizada por seu líder máximo, Benito Mussolini.

Este blefe funcionou e o PNS dessa maneira chegou ao poder. Mussolini foi nomeado chefe de governo pelo Rei Vítor Emanuel III e representou o fim da democracia liberal.

Milhares de pessoas foram perseguidas, mortas e extraditadas para os campos de concentração nazista, algum tempo depois. Milhares foram presas e torturadas.

Incrustados no poder Mussolini e os fascistas só seriam desbancados depois da derrota na II Guerra Mundial.

A “Marcha sobre Roma” encerra muitas lições, entre elas a de que os responsáveis pela manutenção da ordem democrática são os responsáveis pela salvaguarda da democracia. Ensina também que, devemos dimensionar um fato político por sua real representatividade e não pelos gritos dos manifestantes, ou pelas ameaças de seus vândalos, geralmente minorias.

Os movimentos de rua no Brasil devem ser vistos como expressão sem proprietários e de todas as classes sociais.

Deve ser respeitada como expressão espontânea da manifestação do povo, mas esse respeito deve ter limites e os seus limites são a defesa da mesma democracia que lhe permite a existência.

Quem blefa, em política, é quem não tem a maioria para um jogo limpo. E um blefe não pode fazer de reféns os valores constitucionais e as garantias da normalidade do estado de direito.

Em outras palavras, os movimentos de rua do Brasil não podem, de forma ingênua, serem manipulados para a ascensão de qualquer tipo de Ditadura.

Se é verdade que as marchas de rua são perfeitamente democráticas e representam o desejo de expressar contrariedade de muitos, não é menos verdade que os governos atualmente instituídos representam a vontade da maioria que os elegeu.

Considerar as manifestações mais do que são é permitir espaço ao crescimento fascista e autoritário de grupos e partidos que temem não ter apelo popular nem chances eleitorais em 2014.

O fascismo e a violência estão acostumados a entrarem pelas frestas abertas e distraídas de quem deseja a paz.

Se bober daqui a pouco surgem pesquisas sobre simpatias aos tempos da Ditadura e abaixo-assinado para "impetimar" a presidente.

Mas no grito ninguém poderá tomar o poder no Brasil, subvertê-lo ou diminuí-lo.

Muita atenção nessa hora e muito cuidado para não estar cantando versos da canção errada.

Malandro é o gato que já nasce de bigodes.

Prof. Péricles








quinta-feira, 20 de junho de 2013

REVOLTA NAS RUAS BRASILEIRAS


Os movimentos de rua dos últimos dias começaram ao que parece, de forma espontânea e contra o aumento das passagens de ônibus.

Quase de forma natural diversificaram-se para outras reinvidicações, sendo atualmente movimentos de questionamentos múltiplos e mesmo, contraditórios.

São muitas as insatisfações: preço elevado das passagens, gastos públicos com obras para a Copa do Mundo, corrupção, pouco investimentos em áreas básicas, etc.

Ao que se saiba, não há, ou ainda não apareceu de forma nítida um comando estratégico, lideranças e partidos políticos assumindo a paternidade.

Essa é a grande expectativa.

Quando se solta uma folha das alturas jamais poderemos saber onde exatamente ela cairá. Depende do vento.

Se os movimentos são espontâneos e sem raiz partidária, para onde eles tenderão, nunca esquecendo que, ano que vem é ano eleitoral.

Se unificarão num só movimento? Esse movimento será de esquerda voltado às questões sociais ou um movimento anti-Dilma e anti-PT, cristalizando-se como um movimento de oposição ao governo atual? Será canalizado pela direita agonizante do Brasil que busca desesperadamente achar uma bandeira para contrapor ao governo, aparentemente invencível em 2014?

Pode ser ainda que, continue navegando em águas turvas sem uma definição maior até esmorecer e fenecer na praia por falta de combustível político.

A legitimidade e o direito de protestar parecem, felizmente, inquestionáveis. O protesto é livre e democrático.

O maior de todos os populares, ao menos, o mais famoso, começou na França em 14 de julho de 1789 quando o povo francês saiu para as ruas, para enfrentar a guarda real.

Terminou com a deposição do Rei que além de perder o poder, perdeu também a cabeça, na guilhotina.

Lutando para se apropriar da força popular, a burguesia, dividida em Girondinos e Jacobinos provocou a morte de mais de 30 mil pessoas.

No Brasil, um dos mais conhecidos foi o povo na rua após a divulgação fraudulenta de um plano dos comunistas para tomar o poder à força, em outubro de 1937, o famoso Plano Cohen.

Getúlio Vargas, dono da idéia da fraude usou a comoção das ruas para fechar todas as vias democráticas e dar início a uma das mais terríveis ditaduras que se tem notícia, o “Estado Novo”.

Conhecidíssimas também são as “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” movimento de rua iniciado em Minas Gerais que foi um verdadeiro toque de clarim para o golpe de março de 1964, que deu início aos 20 anos de ditadura militar.

Os movimentos de rua são assim. Podem ser o oxigênio fundamental na luta pela liberdade, assim como, podem ser argumentos para o autoritarismo.

Que os ventos que empurram os atuais movimentos no Brasil sejam jovens e democráticos. Que ninguém perca a cabeça nas guilhotinas modernas e que não abram as portas para uma ditadura canalha. Tomara que a folha lançada ao vento caia no terreno fértil dos avanços sociais e não na fogueira das vaidades de lideranças oportunistas que a tudo corrompem.

Prof. Péricles

quarta-feira, 19 de junho de 2013

VOCÊ É ESQUERDA E NEM SABE


Publicado em 8 de janeiro de 2013
Por Cynara Menezes

Li no jornal sobre uma entrevista de Carlos Drummond de Andrade em que ele dizia: “a esquerda, até agora, no Brasil, tem sido a parte mais errada da opinião pública, a que mais caiu em erros”. O poeta querido afirmava abominar a direita, mas defendia a tese de que é possível “não ser partidário da esquerda e ter um pensamento conseqüente, que é o pensamento socialista, que não é propriedade da esquerda”.

Enfim: ser socialista não é propriedade da esquerda. Uau. Essa frase mexeu comigo.

O que o autor dos versos “Vai, Carlos! ser gauche na vida” quis dizer com isso? A entrevista foi dada na época da campanha das Diretas Já, em 1984. Drummond, aliás, era contra. Ele chegou a apoiar o golpe militar em 1964, depois se arrependeria ao ver que a coisa não era para o seu “paladar”. Ou seja, o poeta mineiro possuía um certo conservadorismo, mas detestava a direita, por um lado; por outro, desprezava a esquerda, mas admirava o socialismo. É possível?

Fica claro para mim que Drummond manifestava desagrado com o que a esquerda se tornara ao longo do tempo. Não se pode acusar a direita de haver queimado o filme da esquerda: a própria esquerda no poder se encarregou de fazer seu marketing negativo. Sob a égide do “socialismo”, surgiram ditaduras, se perseguiram opositores, se restringiram liberdades individuais, houve censura, tortura e corrupção. E, mais grave, não se sanaram as diferenças sociais. O poeta devia pensar: como estes “esquerdistas” se atrevem a usar o nome do socialismo em vão? Se vivesse hoje em dia, Drummond não pensaria diferente: a “esquerda” continua blasfemando contra o socialismo.

São poucos os reais esquerdistas representando o povo dentro dos partidos ditos de esquerda. Esquerdismo no sentido de ser progressista e um pouco além.

Ser de esquerda é não roubar nem deixar roubar; é ser contra a exploração do homem pelo homem e de países por outros países; é ser a favor da igualdade entre raças e gêneros; do Estado laico; é ser contra o preconceito e a intolerância; é ser a favor da natureza; de que o povo coma bem e direito; da justiça social; é ser a favor de uma nova política para drogas e aborto; da reforma agrária; da moradia, da educação e da saúde de qualidade para todos. Ser de esquerda é ser um defensor incorruptível da paz, da democracia e da liberdade. E ser de esquerda é, sim, dar menos importância ao dinheiro e mais à felicidade. (Que me perdoem os bons ricos, deles será o reino dos Céus.)

Vejo esta manifestação agora em Wall Street e sua interessante bandeira dos 99% que não têm nada contra o 1% que tem tudo, contra a ganância dos especuladores e dos bancos, as grandes corporações exploradoras e contra os corruptos. Pode ser minúsculo e ingênuo, não importa, mas é um movimento de esquerda, da verdadeira esquerda revolucionária, agora pacífica. É uma luta de Davi e Golias. Garotos com cartazes na mão contra o capitalismo, a fome, a opressão, as desigualdades, a injustiça. Não era isso que pregava o socialismo em seus utópicos primórdios? Mas tenho certeza que, se alguém chegar para muitos daqueles guris e chamá-los “esquerdistas”, eles irão torcer o nariz e fazer um muxoxo igual a Drummond.

A queda do muro de Berlim derrubou o socialismo naquele momento, mas se pelo menos suas concepções teóricas ainda são respeitadas, não se pode dizer a mesma coisa do esquerdismo. Hoje, o capitalismo também começa a ruir a olhos vistos, está fazendo água, não é “perfeito” como os neoliberais apregoavam. As guerras que os países capitalistas promovem já não são suficientes para disfarçar o fracasso do sistema em si. Por uma coincidência cósmica, de novo é The Wall Street dando o pontapé de partida
Claro que a derrubada do muro foi televisionada 24 horas por dia enquanto a ocupação de Wall Street é ignorada pela mídia. Mas quem é que esperava moleza?
Esta grande crise econômica que se avizinha deveria ser uma hora e tanto para repensar o “ser de esquerda”, no mundo e no Brasil. Se estiverem interessados, os que se dizem de esquerda, os que se sentem de esquerda e os que amam a esquerda podiam aproveitar a oportunidade para rever bandeiras, ideais, discursos, projetos e sobretudo rever a prática do que é a “esquerda”.

Em vez de continuar a macular a expressão, torná-la digna de se associar ao termo “socialismo”. Vinte anos após o fim da União Soviética, a palavra “esquerda” segue em baixa no mundo. Entre os direitistas, tanto faz que pensem assim, mas o mais triste é que ela está em baixa mesmo entre os que são de esquerda e nem sabem disso.

Como os poetas.



sábado, 15 de junho de 2013

O SEGREDO DA VIDA



A vida deve ser vivida, de verdade. Não devemos fingir que vivemos.

É importante deixar nossas marcas na estrada empoeiradas da existência.

Não precisamos ser grandes conquistadores, reis, generais, políticos ou santos.

Não é necessário construir pirâmides, nem catedrais.

Talvez baste construir uma história, a sua história, por mais simples que seja.

Diante do cosmos, nossa existência não é nada, mas para nossos filhos somos o Gênesis.

Podemos ser figurantes ou protagonistas, na verdade, a escolha é toda nossa.

Podemos deixar saudades ou lembrança alguma.

Podemos fazer barulho, dançar e tagarelar ou vivermos no maior silêncio.

Dá tempo para fazer poesias, desenhos, ou deixar apenas folhas em branco.

Sem egoísmos. Mas uma vontade enorme de exercermos nossa humanidade, na prática do bem, na luta pela justiça, ou por engordar o cordão dos inconformados com a desigualdade. Mas também dá para sermos reacionários.

Podemos ser lápis coloridos, giz de cera, pintar e viver nas mais vibrantes cores ou sermos preto e branco eternamente.

Sem orgulho vaidoso, mas com um sincero e legítimo desejo de ser mais do que o sereno da noite que desaparece como se não tivesse existido.


(Notícia do New York Times)

Os Gerentes de uma Editora estão tentando descobrir, porque ninguém notou que um dos seus empregados estava morto, sentado à sua mesa há cinco dias. George Turklebaum, 51 anos, que trabalhava como Verificador de Texto numa firma de Nova Iorque há 30 anos, sofreu um ataque cardíaco no andar onde trabalhava (open space, sem divisórias) com outros 23 funcionários.

Ele morreu tranquilamente na segunda-feira, mas ninguém notou até ao sábado seguinte pela manhã, quando um funcionário da limpeza o questionou, porque ainda estava a trabalhar no fim de semana. O seu chefe, Elliot Wachiaski, disse: “O George era sempre o primeiro a chegar todos os dias e o último a sair no final do expediente, ninguém achou estranho que ele estivesse na mesma posição o tempo todo e não dissesse nada. Ele estava sempre envolvido no seu trabalho e fazia-o muito sozinho”.

A autópsia revelou que ele estava morto há cinco dias, depois de um ataque cardíaco.


Não podemos passar pela vida como uma mesa, inanimada e que nada tem a contribuir na vida do próximo.

Você pode escolher: apenas ocupar um lugar no espaço, ou impregnar de você todos os espaços possíveis.

Pode ver na floresta apenas madeira para a lareira, no mar apenas água salgada e nos campos apenas pasto para os animais, ou pode, se quiser, ver em tudo isso a mágica da criação e um poema de Deus.

E podemos tudo isso por que o segredo da vida não se esconde no infinito bailando entre as estrelas, mas reside em nós e em cada uma de nossas ações.

Prof. Péricles

sexta-feira, 14 de junho de 2013

GRINGOS E MACACOS


por Urariano Motta [*]


Um jovem de grande inteligência e observação, que conhece muitos países europeus, me enviou esta mensagem ontem:

Para muitos gringos, os brasileiros, os que não são europeus, não passam de macacos. Aquilo que o senhor escreveu em ‘O filho renegado de Deus’ ainda acontece na Europa. Aquilo não está só como os gringos viam um negro no Recife em 1961. Mas muita gente tenta esconder essa realidade. Ou fazer de conta que não acontece. Mas acontece, todos os dias, ainda hoje.

E de fato, amigos, leio na Folha de São Paulo nesta quinta-feira que jovens da periferia, lá na exemplar Suécia, revoltados, queimaram carros. E que esses protestos começaram depois da repressão policial ter matado um imigrante velho. Pior, a mesma polícia que matou abre investigação sobre o crime. Mas nem com tal providência evitou a revolta dos jovens. Eles acusam as forças de segurança de abuso de autoridade, de bater em idosos e crianças e de chamar os imigrantes, na maioria negros, de ‘macacos’...”.

Então ligo a mensagem recebida à notícia de hoje, e por isso navego pela internet para ver o quanto a Europa e os Estados Unidos em crise descontam nas costas dos imigrantes os problemas econômicos. O novo aqui – se novidade há – é o crescimento do ódio em velhos preconceitos contra os latinos, africanos, ou de um modo mais amplo, contra os não-europeus. Assim ocorre na Itália, onde a nova ministra da Integração, Cecile Kyenge, vem recebendo insultos por ser negra e mulher. Sites de extrema-direita a têm rotulado como “macaco congolês”.

Assim é com o jogador Mario Balotelli, o craque da seleção italiana, que tem sido vítima de humilhações nos estádios, como no San Siro, em que a torcida da casa fez barulhos e imitações de macacos para provocá-lo. No primeiro tempo, o atleta mandou a torcida adversária se calar, porém perto do fim do segundo tempo a situação ficou insustentável e o juiz teve que paralisar o jogo por alguns minutos.

Essas noticias falam que esse não foi um caso isolado. Em Portugal, a situação se repete com uma brasileira de nome Kelly dentro do BBB português. Recentemente, Macau, um dos participantes do Big Brother de Portugal, imitou um macaco enquanto Kelly tomava banho. Já na Espanha, depois de fazer uma falta no atacante Cristiano Ronaldo, na derrota do Barcelona para o Real Madrid, por 2 a 1, o lateral-direito Daniel Alves teve que ouvir insultos no Santiago Bernabéu, de acordo com a imprensa espanhola. O brasileiro, já nos últimos minutos do jogo, escutou sons de imitações de macacos vindos das arquibancadas do estádio.

Esse tem sido um comportamento repetido, da Inglaterra à França, mais a Grécia e onde a crise econômica desponta. O insulto e o desprezo por humanos diferentes não é novo. A novidade é que os macacos antigos agora vão além dos negros, atingem os muçulmanos, imigrantes pobres, pessoas de pele clara, e tudo que for estranho.

Enquanto escrevo, recebo a informação de que os estrangeiros não gostam de ser tratados por “gringos” no Brasil. É natural e justo que não se sintam bem. Mas em um contexto de incompreensões e discórdia, creio que o leitor entenderá o título da coluna.

O trecho do romance “O filho renegado de Deus” a que o jovem se referiu é este:

- Eu serei o seu guia e intérprete no Recife, excelência.

Então uma jovem ao lado de Ted Kennedy, com jeito de fina, educada, parecendo uma condessa, então essa senhora vai falar para Edward, em gíria do Sul dos Estados Unidos:

- Quem vai nos servir é este macaco?!

Sim, então nessa frase o negro Filadelfo sentirá, com tamanha raiva, mágoa que o deixará ferido, então o negrinho vai sentir que serão crescidas dentro de si florestas de macacos, um povo de grandes símios, um mato, uma cerrada população de árvores onde pulam chimpanzés como ele, como sua mãe, como sua avó escrava, um povo de caricatura a pular entre árvores, onde se confundem os colonizadores filhos de colonizadores, netos de colonizadores, todos de capacete e rifle em safáris.

É natural que não diga nem ao padrinho Manoel de Carvalho, pois o espírito acima de tudo não o perdoaria, e Filadelfo não podia contar que apenas respondeu, quando deveria cuspir, escarrar no imaculado e gentil braço da suave dama, mas apenas disse:

- Senhora, eu não sou macaco.

- Oh, não, o senhor entendeu mal, ela não disse isso – meio a contragosto contemporizou o nobre representante dos Estados Unidos. Ao que ele, o macaco que falava, apenas disse:

- Senhora, eu falo inglês fluente e entendo bem as suas gírias.

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Urariano Motta [*] é escritor e jornalista. Autor de Soledad no Recife(Boitempo, 2009) e Os corações futuristas (Recife, Bagaço, 1997).

domingo, 9 de junho de 2013

TEMPO BOM EM HIROSHIMA




O tempo está nublado. Tudo em volta parece escuro. Nuvens pesadas balançam no ar, carrancudas e mal humoradas.

A gente, aqui embaixo, esfrega os braços e reclama. Maldito frio em pleno fim de semana. Como que para combinar com o tempo ficamos carrancudos e azedos.

E o pior de tudo, sentir que a chuva inevitável deixará tudo pior.

Mas, buscando ajuda na história se vê que nem sempre as coisas são como parecem. O que agora parece tristonho e agourento pode, ser na verdade a melhor moldura para um belo quadro sendo que o contrário pode ser real, ou seja, um belo dia de sol e calor pode ser o princípio de um dia terrível e trágico.

Mire-se no exemplo de Hiroshima.

Nos últimos meses da Segunda guerra mundial, a derrota das potências do eixo (Itália, Alemanha e Japão) eram favas contadas. Em 30 de abril Hitler se suicida. Em 2 de maio as tropas soviéticas tomam Berlim, e logo em seguida a Alemanha se rende incondicionalmente.

Faltava o Japão e sua ancestral teimosia, mas sozinho os nipônicos estavam condenados. Mais cedo ou mais tarde sua derrota seria sacramentada.

Em algum momento os norte-americanos resolveram que seria importante aproveitar o momento para mandar deixar um recado ameaçador à URSS. Agora aliados, em breve, naturais inimigos, raciocinou Tio Sam, já que suas diferenças, mais do que políticas eram ideologias. Então, foi decidido assustar os soviéticos com uma ameaça real, a bomba atômica.

Seria importante para os Estado Unidos, deixar claro a Stalin que já dominavam a tecnologia bélica nuclear e para isso, o Japão seria muito útil.

Era necessário bombardear o Japão e mostrar ao mundo, e aos soviéticos, todo seu poder destrutivo.

O presidente Trumam autoriza a missão, deixando ao alto comando militar a escolha do alvo.

Quatro cidades japonesas eram “candidatas” ao holocausto: Kyoto, Hiroshima, Yokohama e Kokura.

Todas eram cidades não-militarizadas. Julgavam em Washington que matando apenas civis ficaria claro ao governo japonês que não haveria limites até sua rendição.

Mas, das quatro, não conseguiam os chefões decidir pelo alvo final.

Na véspera da carnificina, no dia 5 de agosto, o alto comando decidiu que a cidade atacada seria aquela que apresentasse o melhor tempo, o dia mais claro e sem nuvens.

No discurso previamente escrito para que Trumam anunciasse o primeiro ataque nuclear a alvos humanos, a cidade atingida não era citada e em seu lugar havia uma lacuna que deveria ser preenchida na hora do discurso.

No dia 6 de agosto de 1945 o dia amanheceu chuvoso em Kokura e nublado com nuvens em Kyoto e Yokohama. Em Hiroshima, porém, o tempo estava lindo, sem nuvens, com um céu límpido de um azul cheio de vida, povoado de pássaros.

Às 8 horas da manhã nessa cidade de 175 mil habitantes, a 7ª maior cidade japonesa, muitos devem ter saído para o trabalho radiantes pelo belo dia. Com certeza, crianças rumando ao colégio brincavam com a espontaneidade que trás o bom tempo
.
Muitos devem ter ouvido o barulho do avião e visto a sua forma chegando ao centro da cidade.

Às 8 horas e 8 minutos a primeira bomba atômica detonada em área habitada, apelidada pelos algozes de “Litlle Boy” destruía completamente Hiroshima matando cerca de 150 mil pessoas, de todas as idades.

O crime de Hiroshima? Seu céu azul e sem nuvens.

Recordando essa grande tragédia humana, talvez fosse interessante alterar nossos conceitos de bom tempo e considerar que, quando as coisas não parecerem boas e a cara feia do tempo incentivar o mau humor, melhor seria agradecer pela chuva que a terra alimenta e que, nem tudo que parece bom seja realmente bom, como naquele dia de céu azul, em Hiroshima.

Prof. Péricles

quinta-feira, 6 de junho de 2013

QUEM É DE DIREITA E DE ESQUERDA HOJE?



Por Frei Betto


Quem é direita e esquerda hoje no Brasil? Eis um dilema shakespeariano. A direita, representada pelo DEM, se acerca do PMDB e, na palavra do senador Agripino Maia, propõe “oposição branda” ao governo Dilma Rousseff, que se considera de esquerda.

O PPS do deputado Roberto Freire, versão ao avesso do Partido Comunista, apoia as forças mais retrógradas da República.

O PDS de Kassab e o PMDB de Sarney ficam em cima do muro, atentos para o lado em que sopram os ventos do poder.

Como considerar de esquerda quem elege Renan Calheiros presidente do Senado, e Henrique Alves, da Câmara dos Deputados. Você, qualifica como de esquerda quem se apoia em Paulo Maluf, Fernando Collor de Melo e Sarney?

Desde muito jovem aprendi que a esquerda se rege por princípios e, a direita, por interesses. E hoje, quem coloca os princípios acima dos interesses? Como você, que é de esquerda, se sente quando se depara com comunistas apoiando o texto do Código Florestal que tanto agrada a senadora Kátia Abreu?

A esquerda entrou em crise desde que Kruschov, líder supremo da União Soviética, denunciou os crimes de Stalin, em 1956. Naquela noite de fevereiro, vários dirigentes comunistas, profundamente decepcionados, puseram fim à própria vida.

Depois que Gorbachev entregou o socialismo na bandeja à Casa Branca, e a China adotou o capitalismo de Estado, a confusão só piorou.

Muitos ex-esquerdistas proclamam que superaram o maniqueísmo esquerda x direita, inadequado a esse mundo globalizado. Mera retórica para justificar o aburguesamentos de quem, em nome da esquerda, alcançou um estilo de vida à imagem e semelhança dos poderosos da direita: muita mordomia e horror, como confessou o general Figueiredo, ao “cheiro de povo” (exceto na hora de angariar votos).

Ser de esquerda, hoje, é defender os direitos dos mais pobres, condenar a prevalência do capital sobre os direitos humanos, advogar uma sociedade onde haja, estruturalmente, partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano.

O fato de alguém se dizer marxista não faz dele uma pessoa de esquerda, assim como o fato de ter fé e frequentar a igreja não faz de nenhum fiel um discípulo de Jesus. A teoria se conhece pela práxis, diz o marxismo. A árvore, pelos frutos, diz o Evangelho.

Se a prática é o critério da verdade, é muito fácil não confundir um militante de esquerda com um oportunista demagogo: basta conferir como se dá a relação dele com os movimentos populares, o apoio ao MST, a solidariedade à Revolução Cubana e à Revolução Bolivariana, a defesa de bandeiras progressistas, como a preservação ambiental, a união civil de homossexuais, o combate ao sionismo e a toda forma de discriminação.

Quem é de esquerda não vende a alma ao mercado.



Frei Betto, autor do texto, é escritor, autor do romance histórico “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros.

sábado, 1 de junho de 2013

MEDUSA



Em janeiro de 2011 diversos casos de abuso sexual em mulheres, na Universidade de Toronto, no Canadá, deixaram a cidade universitária em pânico.

Irritado por não obter qualquer indício que levasse aos responsáveis, o policial Michael Sanguinetti fez uma observação que, as mulheres deveriam evitar vestirem-se como vadias (sluts, no inglês) para não serem vítimas dos ataques".

Isso provocou a indignação das mulheres que, criaram a primeira “Marcha das Vadias” em 03 de abril de 2011, naquela cidade, e que depois adquiriu ares de movimento mundial contra a crença de que, são as mulheres, pelas roupas de “vadias” que usam as verdadeiras culpadas dos estupros que sofrem.

Essa visão deturpada sobre mulheres culpadas pelos estupros que sofrem é bem antiga e talvez represente o medo do homem diante de sua própria fraqueza, ou o seu medo de impotência diante de uma mulher que mexe com ele e suas paixões descontroladas.

Os gregos, muitos séculos atrás observaram esse comportamento e o associaram a tragédia. A desgraça da beleza diante da covardia, da inveja e da força do destino.

Vejamos, por exemplo, o mito da Medusa:

Eram três irmãs, Euríale, Esteno e Medusa, filhas de Fórcis e Ceto, criaturas mitológicas marinhas.

Eram mulheres extraordinariamente belas, estonteantemente lindas. Capazes de provocar paixões até nos deuses.

Isso, como era comum, irritava as deusas.

A versão mais comum (existem várias) do mito da medusa, diz que ela escolheu ser sacerdotisa da deusa Atena e, dessa forma, fez voto de castidade eterno. Nem por isso a beleza da medusa diminuiu. Um dos deuses, em especial, era fascinado por ela, Poseidon, o deus dos oceanos e... comprometido com Atena. Cego de paixão o garanhão dos sete mares não resistiu e tomado de desejo a estuprou Medusa no próprio templo de Atena.

A fúria da deusa foi imensa. Contra Poseidon, certo? Não, contra Medusa. Pois, foi ela que provocou o estupro sendo tão linda e dessa forma agrediu Atena duas vezes: ao transar no próprio templo sagrado e ao enlouquecer de desejo o noivinho celestial.

A vingança da deusa, como costumavam ser a vingança das deusas, foi extremamente cruel.

Primeiro roubou a beleza e a juventude de sua ex-sacerdotisa. A Medusa não só deixou de ser bela como se tornou um ser repulsivo. Pele ressecada, olhos esbugalhados, rosto murcho e seco como os campos nas estiagens. Transformou seus belos dentes em presas de javalis, e fez com que seus pés e mãos macias se tornassem em bronze frio e sinistro.

Depois seus cabelos lisos, loiros e macios se transformaram em cobras vivas e venenosas.

Finalmente, Medusa foi isolada numa terra distante, completamente afastada de qualquer ser vivo, pois todo aquele que olhasse em seus olhos tinha morte instantânea, pois virava pedra. Além de privada da beleza, a Medusa tornava-se o ser mais solitário e maldito de toda a Hélade.

Atena ainda amaldiçoou as demais irmãs, e as três a partir de então passaram a ser chamadas de górgonas.

A Medusa aparece em inúmeros contos mitológicos da Grécia antiga, até ser morta pelo herói Perseu, que utilizou o reflexo inofensivo em seu escudo para poder matar Medusa e dar fim ao mito e ao seu sofrimento.

Há relatos de que todos na Grécia antiga, contavam seus contos e morriam de medo de encontrar a medusa em suas caminhadas. Era o bicho papão das crianças dos séculos VIII a IV a.C.

Um dos mais fascinantes contos mitológicos, a história de Medusa nos fala sobre a beleza como origem de tragédias, inveja sem questionamentos quando vinda dos poderosos, deuses machistas e violadores, pesadelos, solidão, e, para a fúria das meninas canadenses, de “vadias” que provocam a agressão. Extraordinariamente atual como costumam ser os mitos desse povo único.

Numa inversão perversa, Medusa de vítima torna-se criminosa, sendo que, na verdade, seu único crime era ser mulher.

A “Marcha das Vadias” poderia ser a “Marcha da Medusa”. A Marcha de toda as mulheres pois todas são lindas e se você discorda é porque está olhando errado. Que as lágrimas e a coragem de todas as vadias, filhas de Medusa, sirvam para amolecer a pedra da qual corações empedernidos, como esse do policial Michael Sanguinetti é feito, matéria-prima de todos os preconceitos.

Prof. Péricles