domingo, 23 de junho de 2013

CURA GAY E OUTROS ABSURDOS


Por Manuela D’ Ávila

Muitos acreditavam que a escolha do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias era um fato politico isolado e ruim o bastante. Ledo engano. Essa eleição impulsionou, em certo sentido, a organização e o encorajamento dos setores fundamentalistas da bancada evangélica na Câmara dos Deputados. Como resultado mais direto disso, uma pauta legislativa que ameaça direitos humanos e traz retrocessos começa a avançar nas comissões da Casa.

A chamada “Cura Gay” (PDC 234/11) e o Estatuto do Nascituro (PL478/2007) são dois desses projetos de lei em tramitação. O primeiro trata homossexuais como doentes, ignorando as resoluções da Organização Mundial de Saúde (OMS), as normas do Conselho Nacional de Psicologia e até mesmo o bom senso. Por acaso, como bem lembra o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), alguém já chegou ao trabalho com um atestado médico para não trabalhar por estar “um pouco gay?” Obviamente, não, pois ser homossexual não se trata de doença e sim de orientação sexual. Como tal, não necessita de remédio, mas de respeito.

O segundo projeto, o Estatuto do Nascituro, aprovado recentemente na Comissão de Finanças da Câmara, afronta direitos das mulheres e o desenvolvimento científico no Brasil. Em síntese, a nova legislação prevê a proteção integral de embriões por meio da lei civil e penal do país. Para tanto, ignora o sofrimento das vítimas de estupro, proíbe exames modernos para identificação de doenças no pré-natal, coloca na ilegalidade métodos de reprodução assistida, como o congelamento de embriões, e o trabalho científico com os mesmos.

No artigo 4º, por exemplo, está escrito: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta prioridade, a expectativa do direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência”. Mas quem garantirá o direito das vítimas de estupro à saúde, ao respeito e à vida, por exemplo? Num único dia, pelo menos 35 histórias de crimes sexuais contra mulheres se repetem no Brasil. São 13 mil casos em 2011. São mulheres violentadas de todas as formas (Mapa da Violência 2012 – Homicídios de Mulheres no Brasil). Entre 2005 e 2010, registros de estupro aumentaram 168% (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Para os defensores de Direitos Humanos, quando ocorre violência sexual, o principal é priorizar a saúde da mulher em todas as dimensões: física, psicológica e emocional. Se o estatuto for aprovado, óvulos fecundados terão mais direitos do que mulheres vítimas de estupro, que serão obrigadas a continuar a gestação. A proposta criminaliza a interrupção da gravidez e cria a chamada “bolsa-estupro”, estimulando financeiramente mulheres que mantiverem a gestação. Já é comum ver a criminalização da conduta da vítima que muitas vezes não denuncia a agressão por medo e vergonha, e acabará ainda mais estigmatizada.

O projeto é tão maquiavélico que a mulher que tiver a gravidez interrompida acidentalmente será alvo de uma investigação policial. No texto, há previsão de pena de detenção de um a três anos para quem “causar culposamente a morte de nascituro”, ou seja, ao cair de uma escada, por exemplo, e sofrer interrupção da gestação, essa mulher será investigada.

Para quem acredita que o desenvolvimento científico é aliado na busca de saúde e na garantia de vida, o estatuto revela todo obscurantismo dos setores fundamentalistas. Pelos artigos 1, 2 e 25 do projeto original, ficam proibidas explicitamente técnicas de reprodução assistida que auxiliam milhares de casais a gerarem novas vidas. Veda também pesquisas com embriões. No artigo 25, consta a previsão de detenção para quem “congelar, manipular ou utilizar nascituro como material de experimentação”. E vai além, no artigo 11 (parágrafo 2º), ao proibir exames no pré-natal, que ajudam na identificação de doenças genéticas, como a biópsia de vilo corial.

Diante do avanço de ideias tão retrógadas no Legislativo, defensores de Direitos Humanos e da Ciência devem reforçar a luta para que o Brasil aprofunde ainda mais a garantia de igualdade, firmando-se como símbolo de respeito à diversidade, desenvolvimento humano e inovação.

Manuela D’ Ávila, líder do PCdoB na Câmara dos Deputados

3 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Bastante polêmico o texto da Deputada Manoela... Na verdade, atualmente, há muitos absurdos de todos os lados. Os evangélicos irão se apoiar na fé bíblica e na concepção de que Deus dá a vida e somente Ele poderá tirá-la; de que a família é constituída conforme a criação de Deus: um homem, uma mulher e seus filhos. Os homossexuais os chamarão de homofóbicos por isso -lembrando que homofobia está relacionada à agressão à homossexual, o que, para isso, já existe lei - e os evangélicos chamarão os gays de heterofóbicos por atacarem seu ponto de vista, os conceituando de "fundamentalistas". Se observarmos de ambos os lados há projetos de lei sendo veiculados. Ambos argumentando uma afronta à cidadania, à liberdade de expressão no Estado democrático de direito. Não nos esqueçamos da PL 122 a qual considera crime qualquer pensamento ou posicionamento contra ou em desacordo com a prática da homossexualidade. Ora, isso também é um ABSURDO!!!! Fora a questão de envolver religião na relação homossexual, obrigando sacerdotes católicos ou evangélicos a casarem casais homossexuais sob pena de reclusão caso se neguem a realizar a cerimônia. Isso também não é um ABSURDO? Quer dizer, uma coisa é o casal homossexual realizar seu casamento no cartório - dentro dos trâmites jurídicos - outra, é envolver religião - mal sabem eles que se for aprovada essa PL 122 um rebuliço geral vai tomar conta do Brasil, uma vez que haverá muitos pastores e padres presos. O principal argumento dos evangélicos é o desacordo com a prática - que não é bem visto e entendido pelos GLSs. Lembremos que é um ponto de vista que também deve ser respeitado, pois também é diverso, democrático e lícito... Os Gays devem ser respeitados pela sua escolha ou orientação sexual - só não podem querer impedir as pessoas de se posicionar em desacordo e tornar crime isso!!! Todo homossexual é um ser humano digno de respeito e condenamos toda agressão a homossexual. Porém, o relativismo acerbado não pode ser distorcido a ponto de, através "diversidade", manipular o imaginário coletivo da sociedade brasileira que, convenhamos, é conservadora,a ponto de enfiar a "guela abaixo" como COMUM o que, na verdade, ainda é muito impactante, minoritário e confuso aos olhos naturais... Por isso, homossexualidade e convicção de fé cristã é debate ferrenho e complexo. Profº Vagner Rodrigues