quarta-feira, 10 de julho de 2013

O CAPITAL NÃO TEM PÁTRIA


Em 1578, o rei português D. Sebastião, seguindo fanáticos instintos religiosos, atacou os infiéis muçulmanos no norte da África. A empreitada era muito além das possibilidades das forças lusitanas e, numa só batalha, a batalha de Alcacer-Quibir, os portugueses perderam a guerra e seu rei, morto em combate.

Muito jovem, D.Sebastião não tinha herdeiros diretos e foi substituído no trono por um tio-avô, D. Henrique, que já velhinho, morreu dois anos depois, em 1580, também sem deixar herdeiros.

Dessa forma, a orgulhosa nação portuguesa, estado nacional precoce cujas origens se encontravam no século XII, quando quase toda a Europa ainda engatinhava sob a forma de feudos, tinha agora um trono vazio.

O temor se consolidou na figura do imponente rei espanhol Filipe II. Primo de Sebastião exigiu o reconhecimento do direito de assentar sua nobre bunda no trono de Lisboa.

Portugal e Espanha são os dois países da Península Ibéria. Um faz fronteira ao outro. Desafiavam-se mutuamente a mais de três séculos, especialmente na corrida marítima que havia se tornado as grandes navegações e apenas um tratado, o Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494 havia impedido uma guerra entre ambos. Sendo a Espanha bem maior, e sendo o rei de ambos um espanhol, a tendência era de que Portugal, simplesmente fosse “engolido” pela odiada inimiga, desaparecendo como nação.

Houve choro e ranger de dentes entre o povo português. Apreensão e angústia. As igrejas lotaram de pessoas simples, do povo, rezando para que Deus não permitisse tal destino.

Felipe II, entretanto, era um homem muito prático. Não pediu permissão à galera miúda que rezava nas Igrejas. Não abriu qualquer diálogo com os camponeses ou trabalhadores menores e patriotas de Portugal. Não. Ele bateu na porta de quem realmente manda num Estado, a classe dominante lusitana. No caso, a nascente burguesia comercial e financeira do país.

A estes Felipe II foi direto e objetivo: se concordassem com suas pretensões à sua ascensão ao Trono, receberiam dele, El-Rei, o “derecho de assiento” que na prática e em resumo era abrir a exploração do ouro que a Espanha estava explorando na América. Tal exploração poderia ser muito lucrativa, e até então, os portugueses só podiam observar, com inveja, as investidas espanholas.

E assim, não adiantaram as lágrimas dos pequenos, nem as preces e promessas aos santos, pois Filipe II mesmo com o lema “Um Rei, Duas Coroas” na prática unificou toda a Península Ibérica e engoliu Portugal.

Nem toda a força do patriotismo seria maior que o entreguismo dos endinheirados, porque, na verdade só pobre é patriota. Só os pobres cultivam os valores de amor a terra, aos seus símbolos e a essa coisa abstrata que é a nacionalidade.

Quais são as origens sociais dos soldados, dos guerreiros que morrem em todas as batalhas de todas as guerras? Não, não são os filhos da riqueza, muito menos os expoentes do poder. Que o diga George Bush que não foi à Guerra do Vietnã porque “papai” senador não deixou.

O sangue que penetra na terra dos campos de batalha é sangue de pobre, dos pequenos, dos comuns.

Durante 60 anos Portugal foi governado por reis espanhóis (três Felipes). Por 60 anos Portugal foi riscado do mapa. A maior parte da geração que chorou a coroação de Felipe II não viu raiar a restauração portuguesa em 1640.

Talvez, exemplos históricos assim nos expliquem por que, enquanto nos sentíamos feridos em nosso patriotismo por privatizações feitas na calada da noite, que dilapidavam o patrimônio público brasileiro, muitos comemoravam brindando em taças de cristais.

Importa além de tudo estar atento de que, esses mesmos que comemoravam fortunas vendendo pedaços do Brasil são capazes de qualquer sacrifício para retornar ao poder, até mesmo cultivando o ódio, o caos e a desagregação, se o lucro, do pré-sal, por exemplo, valer a pena.

Conceitos como patriotismo, amor à pátria, unidade nacional, soberania, tudo isso serve para contextualizar uma situação de ilusória igualdade, mas, estão abaixo, bem abaixo na hierarquia que leva ao lucro.

Isso porque, em verdade, o capital não tem pátria, o capital tem mercado.


Prof. Péricles

Um comentário:

inapiario disse...

Muito bem fundamentada, didática, muito bom de ler. À proposito me faz lembrar 'OS DONOS DO PODER', Péricles, se apoderando do tesouro da liga de Delos pra embelezar Atenas, em detrimento das outras Polis da Liga. A democrática Atenas. A Rússia socialista, o povo era poder, hoje os milionários russos compram os times de futebol da Inglaterra, ou seja o ser humano é um predador: si queres conhecer o vilão dá-lhe o bastão.