domingo, 8 de dezembro de 2013

O APARTHEID



Quando foram expulsos do Brasil em 1654, os holandeses invadiram algumas Ilhas das Antilhas. Antes, porém, de trazer os colonizadores para cá, exterminaram toda a população nativa da região num holocausto muito típico dos impérios coloniais. No século XVIII a expansão do Império Neerlandês atingiu o sul da África com a fundação de colônias no Transwal. Pouco mais tarde forças britânicas também ocupam parte da região, de olho nas jazidas de ouro e diamantes recém descobertas na região.

No final do século XIX duas violentas guerras, as “Guerras dos Boers ou dos Bôeres” entre holandeses e ingleses definiram a soberania dos britânicos sobre a região, embora os holandeses mantivessem autonomia em alguns pontos.

Foram os Bôeres que criaram um regime que afastava legalmente brancos de negros.

Em 1909 Londres criou o “Ato da África do Sul” que deu origem ao país, fundado em 31 de maio de 1910 e suprimiu definitivamente o poder dos holandeses (bôeres) na região.

Em 1931 a África do Sul se tornou independente do Reino Unido e, em 1948 ocorreram as primeiras eleições livres e que decidiram as estruturas do novo país. Essas eleições foram vencidas, através dos mais violentos casuísmos pelo Partido Nacional da África do Sul, organização política racista que reivindicava o direito dos brancos de manterem sua dominação elitista, baseada nas suas origens européias e superioridade racial.

Foi assim que, a partir de 1948 a Constituição da África do Sul instituiu um sistema asqueroso de segregação racial, política e civil no país. Este regime perdurou de 1948 até 1993, quando depois de anos de sangue, o isolamento da África do Sul e um severo boicote internacional sobre as relações econômicas do país, somado a luta interna liderada pelo Congresso Nacional Africano de Nelson Mandela, as primeiras eleições multirraciais decretaram a vitória do primeiro presidente negro do país.

A legislação do Apartheid dividia a população em negros, brancos, de cor e indianos (o despertar de Gandhi para a revolta contra a desigualdade se deu num acontecimento do qual foi vítima em viagem de trabalho à África do Sul).

Foram decretadas áreas residenciais restritas a brancos e negros (guetos) que implicaram inclusive em remoções forçadas de grande parte de sua população. As áreas restritas a brancos e negros passaram a ser identificadas com cartazes de alerta e os serviços públicos de saúde e educação se diversificaram, cabendo a população negra serviços muito inferiores aos prestados aos brancos.

Os negros só podiam circular de posse de uma caderneta de identificação obrigatória e sua presença em áreas exclusivas de brancos era punida com prisão.

Importante lembrar que o regime não se instalou por inteiro em 1948, mas foi se estruturando com o tempo. Assim:

- em 1949 é proibido o casamento entre brancos e negros e tornado nulo seus efeitos em caso de desobediência e presos os infratores;
- em 1950 fica obrigatório o registro da cor nas certidões de nascimento de qualquer sul-africano (branco, negro, indiano, de cor);
-- em 1951 fica proibida a circulação de negros em determinadas áreas das cidades (hipódromo, parques, área residencial de brancos, etc.) e são criados os bantustões (guetos) só para negros. Na verdade, com os bantustões, os negros perdiam a cidadania do próprio país;
- em 1952 é proibido o uso, para negros, de determinadas instalações públicas (bebedouros, banheiros, etc.);
- em 1953 são criados sistemas diferenciados de educação para as crianças brancas e as crianças dos bantustões.

A luta contra o apartheid foi sangrenta.

Cientes da enorme diferença numérica e apoiado pelos EUA e aliados, o regime do apartheid sempre foi avesso às negociações. Sobraram conflitos e massacres.

Houve um tempo em que a África do Sul entrou num ciclo vicioso macabro: havia manifestações de rua dos negros que eram violentamente reprimidas pela polícia (extremamente bem equipada, inclusive com carros totalmente blindados do tipo “caveirão”). Militantes negros morriam. Nos funerais novas manifestações, novos conflitos e mais mortos. Nos funerais...

Restou o caminho da luta armada onde se destacaram pessoas como Steve Bantu Biko, líder estudantil que criou em 1968 a Organização dos Estudantes Sul-Africanos. Depois de muitas lutas Biko foi preso em 6 de setembro de 1977 e morto acorretado às grades de uma janela da penitenciária, com traumatismo craniano após um dia inteiro sob as mais terríveis torturas.

O próprio Mandela iniciou sua carreira ativista criando a “Umkhonto We Sizwe” (Lança de Uma Nação), sendo seu primeiro comandante em chefe.

O fim do Apartheid ocorreu, porém, por uma soma de fatores internos e externos.

Além da resistência negra dentro do país, externamente a África do Sul foi ficando cada vez mais isolada graças às pressões dos povos do ocidente sobre seus governantes a não mais apoiarem um regime assassino (a mídia brasileira oficial, que hoje decanta Mandela, não apoiava as manifestações populares e rotulava Mandela de terrorista). Além disso, para manter sua hegemonia, o governo branco de Peter Botha envolveu-se nas guerras pós-independência de Moçambique, e principalmente, Angola. Tropas aliadas de Cuba desembarcaram na África em apoio ao governo de esquerda da UNITA e derrotaram fragorosamente os sul-africanos, enfraquecendo seu governo.

Minado por dentro, derrotado e isolado por fora, o novo governante, Frederik De Klerk, foi obrigado a negociar e a enfrentar a força insuperável de Mandela.

Eleito presidente, Mandela governou de 1994 a 1998. Promoveu a união e a pacificação. O “banho de sangue” da revanche, não aconteceu.

A morte de Nelson Mandela, líder maior da luta pela igualdade racial, encerra, assim um capítulo de dor, sangue, lutas e vitórias desse povo.

Se a despedida era inevitável, pelo menos, ao contrário de Biko e de outros mártires, Mandela pode fechar os olhos vendo seu povo finalmente unido e seu país reconstruído.

Prof. Péricles

Um comentário:

Anônimo disse...

Lendo seus 3 textos/homenagem ao Nelson Mandela sinto orgulho de tê-lo como professor!
Abço.
Marcos.