sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

ANÁLISE 2013:O XEQUE-MATE DO ANO


O fato marcante na política externa em 2013, pelas suas potencialidades de definição dos tempos futuros foi a surpreendente reversão de expectativas na Síria, ameaçada de ataque pelos Estados Unidos e OTAN, dados como certos e inevitáveis por comentaristas de política externa de nossa mídia.

A Síria acabou não apenas não sendo atacada, como saí fortalecida dos acontecimentos.

Antes, alguns fatos devem ser relembrados:

- o Oriente Médio é a região de maior produção de petróleo no mundo. Acreditam os especialistas que ainda exista petróleo para até o final desse século e, embora muito se tenha investido em fontes alternativas, o petróleo continua e continuará sendo a matriz preferida de produção;

- até por isso, a região tem sido área de intensas disputas políticas e militares onde os Estados Unidos possuem três históricos aliados: Israel, Arábia Saudita e o Kwait. Também tem peso e importância auxiliar o apoio do Iraque, da Turquia e do Egito.

- Rússia e China, potências militares e políticas, possuem penetração menos alicerçada, porém constante, com o apoio do Irã e, e muito especialmente, da Síria.

- os ataques de 11 de setembro de 2001 desencadearam uma reação militarista e beligerante dos Estados Unidos na região. Foram acionadas ações de monta, com ataques pontuais e que, em seu somatório, deveria levar ao controle político e estratégico total do Oriente Médio, como podemos ver:


1. Em 07 de outubro de 2001, os Estados Unidos bombardeiam e invadem o Afeganistão, derrubando os Talibãs, uma quadrilha de sanguinários, do poder. Os talibãs eram aliados, mas não eram completamente confiáveis aos ianques e a desculpa oficial é a procura por Osama Bin Laden. Mas o Afeganistão torna-se um atoleiro em que todos os dias morrem soldados americanos atacados por fantasmas, tornando impossível a retirada do país.

2. Em 20 de março de 2003 os Estados Unidos invadem o Iraque derrubando seu histórico aliado Saddam Husseim (que havia se tornado inimigo ao invadir o intocável Kwait em 1990). Este posto já era seu e a queda de Saddam, além de não acrescentar nada abre uma luta interna que pode levar a maioria xiita que era contida por Saddam, ao poder. Foi, na verdade, um gol contra de George Bush.

3. Em 11 de fevereiro de 2011, nas águas de uma tsuname chamada de Primavera Árabe, os Estados Unidos não conseguem evitar a queda de seu aliado Hosni Mubarak, eterno presidente do Egito. Mas, em 22 de agosto do mesmo ano, usando velhos acordos militares com os aliados ocidentais, conseguem derrubar o antigo inimigo Muamar Kadafi, da Líbia. Embora Kadafi esteja velho e seja um cão (como foi apelidado no passado) que não morde mais, os EUA aproveitam para colocar no poder, aliados que lhe serão úteis numa cartada mais decisiva, a Síria.

Assim chegamos ao ponto. A questão da Síria e as novidades nesse jogo de xadrez.

Embora o governo de Bashar AL-Assad não seja nenhum primor de democracia, possui apoio da maioria da população e representa na região os interesses contrários à Israel e aos Estados Unidos. Assad tem mantido a Síria em paz, num exercício incrível de tolerância, as vezes concedendo aos extremistas islâmicos determinadas demandas, outras aos cristãos, mantendo o controle sobre os xiitas e sunitas, abrigando milhares de refugiados palestinos e impedindo atrocidades.

Os rebeldes ao seu governo foram evidentemente armados e financiados pelo ocidente. O plano parecia óbvio: apoiando os rebeldes e derrubando Assad, mais ou menos como foi com Kadaffi na Líbia, a porta para o ataque final ao Irã (hoje a maior preocupação militar do ocidente) estaria aberta. Juntando-se o apoio territorial da Turquia seria fácil demais. Derrotando o Irã e impondo um governo aliado no lugar dos Aiatolás, o cerco estaria fechado. Game-over. Não haveria mais contestação ao império dos Estados Unidos.

Justamente nesse ponto, quando tudo marchava nesse sentido, Obama já tinha amordaçado o congresso e a opinião pública já estava bem abastecida de fatos que levavam a crer que a Síria é uma potência em armas químicas que matava sua própria gente, e Assad um novo Hitler, surge uma pedra no meio do caminho, chamada Vladimir Puttin.

O mandatário soviético, primeiro, ordenou que navios de guerra e porta-aviões estacionassem na região em evidente recado à Obama. Em seguida, apresentou uma proposta a Bashar AL-Assad (e ao mundo) que desconsertou os americanos. Sob vigilância de especialistas da ONU, o governo Puttin, diretamente, se responsabilizaria pelo desarmamentos sírio de qualquer armamento químico. A Síria aceitou, e o cachimbo de Obama caiu.

O governo americano que não convencera plenamente a opinião pública e nem mesmo os próprios militares da necessidade de um ataque, ficaram, literalmente, sem ação. Não havia como impor uma guerra nessas condições e foram obrigados a recuar.

As conseqüências prometem ser tanto surpreendentes, como radicais.

Arábia Saudita e Kuwait, que apoiavam publicamente um ataque a Síria se desgastaram muito no mundo árabe e perderam preciosos pontos de força e credibilidade.

A Rússia volta a ter um peso respeitável nesse jogo que a China promete acompanhar o movimento.

Uma das surpresas de tudo isso é a incrível reaproximação dos Estados Unidos com o Irã, de governo novo, menos beligerante e mais negociador. Isso implicará no enfraquecimento de Israel e na necessidade desse país de buscar negociações diretas com os palestinos para recuperar espaços.

A política internacional é versátil e no Oriente Médio muda, muitas vezes, com uma velocidade alucinante. O ano de 2014 promete apresentar novidades na região mais conflagrada do globo. Talvez começamos apenas a assistir o desmonte da grande máquina de guerra que os americanos montavam e uma reviravolta no seu plano de dominar a produção de petróleo de forma quase monopolista.

Prof. Péricles

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