sábado, 29 de março de 2014

CRONOLOGIA DE UM PESADÊLO



Agosto de 1954. Depois de uma crise política fulminante, na madrugada do dia 24, o Presidente Getúlio Vargas, em pleno exercício do poder, se suicida com um tiro no coração. O tiro que matou Getúlio trouxe o povo emocionado às ruas das cidades brasileiras e matou a pretensão já bem articulada de um golpe militar. Frustrados, os golpistas tiveram que baixar as armas e voltar para os quartéis.

Março de 1964, sexta-feira 13. O presidente João Goulart avisado de articulações golpistas tenta, numa manobra desesperada, trazer o povo para as ruas com um comício emocionante e um discurso inflamado e decisivo. Jango anuncia que fará a reforma agrária, nacionalizará as refinarias estrangeiras de petróleo e tronará ainda mais difícil a remessa de lucros das multinacionais para suas sedes, fora do país. O discurso da central do Brasil, para muitos, foi um erro, pois provocou a adesão ao golpe de alguns militares indecisos, o pânico entre os norte-americanos e o ódio entre a classe média conservadora e amiga dos gringos. Outros entendem que o discurso foi um recurso político válido, mas que não deu os resultados esperados.

Março de 1964, quinta-feira 19. Numa demonstração de força virulenta contra o “presidente comunista” a “Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade” em São Paulo, reúnem 500 mil pessoas que bradam por valores conservadores e pela defesa dos interesses das elites daqui e dos poderosos de lá.

Nessa época, a CIA e outros órgãos de espionagem que trabalhavam livremente no Brasil, como se esse fosse seu quintal (e era), disfarçada em entidades fantasmas como o IPE e o IBAD, já haviam reunidos dossiês e “provas” de que o governo João Goulart marchava para o comunismo, que era como eles chamavam qualquer política que dificultasse seus interesses e seus lucros.

Governadores como Ademar de Barros, de São Paulo e Carlos Lacerda “o corvo”, da Guanabara, preparavam o palco para a o golpe militar, que deveriam ser os personagens principais do teatro armado.

Considerando que as marchas davam um recado inequívoco de apoio ao golpe, o comando militar golpista marca a data de 4 de abril para iniciar o movimento, mas o general Carlos Guedes, da Infantaria, afirma que não se faz nada direito em lua de quarto minguante, e a data é remarcada para o dia 8 de abril.

Março de 1964, madrugada do dia 31, terça-feira. Um general golpista que mais tarde se definiria como “uma vaca num salão de cristais”, Olimpio Mourão, num momento de euforia ou de depressão, não se sabe, resolve dar início ao movimento e parte com suas tropas de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro. Castello Branco, marechal respeitadíssimo entre os militares tenta, por telefone, barrar a marcha de Olimpio Mourão, mas, por telefone, é informado pelo governador e conspirador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, que agora, posto na estrada, recuar seria impossível.

Abril de 1964, quinta-feira, dia 2. Reunidos do aeroporto Salgado filho, em Porto Alegre, o ex-governador gaúcho Leonel Brizola, o presidente João Goulart e o General Ladário Lopes, discutem a situação. Enquanto Brizola demonstra uma enorme agitação, “Jango” está perfeitamente calmo. Ouvem os relatos de um golpe militar praticamente sem reação, irritam-se ao saber que o Congresso Nacional numa vil traição à democracia considera o cargo de presidente vago e da aceitação do STF da posse temporário no cargo presidencial de Ranieri Mazilli, presidente do Congresso e estão cientes do apoio ao movimento de tropas e armas dos Estados Unidos escondidos em algum lugar do litoral nordestino. Podem resistir. O general Lopes afirma que há condições de resistência dura, embora não garanta a vitória final.

Brizola e Lopes querem organizar a luta, mas João Goulart termina com a discussão ao afirmar que não irá lutar. Está cansado. Está abatido e decepcionado. Friamente informa aos dois que está indo embora no Brasil e que seu exílio será no Uruguai. Brizola percebe que sem o presidente a luta é impossível.

Abril de 1964, dia 9, quinta-feira. O golpe militar é um êxito completo. Não houve a reação esperada. É editado o AI-1 (Ato Institucional número 1) dando início às cassações de mandatos políticos. Castello Branco é empossado presidente com mandato até 24 de janeiro de 1967. Depois disso, segundo o porta-voz do novo presidente, haverá eleições livres para um novo mandatário e a “revolução” chegará ao fim, já que seu objetivo era apenas derrubar o perigoso comunista João Goulart e seu bando.

1967 chegou e não houve eleições, a ditadura continuou.

Dezembro de 1968, outra vez uma sexta-feira 13, caí a máscara. A farsa de um movimento bonzinho acabou com a edição de um dos mais macabros instrumentos já utilizados como expediente de Lei, o AI-5. Seu teor detinha tamanha repressão e violência aos direitos humanos e ao reconhecimento da cidadania que, na prática, instala o terror de estado no Brasil.

João Goulart morreu no exílio, “o corvo” Carlos Lacerda também. Ladário Lopes e mais de mil militares foram colocados na reserva, presos ou expulsos do exército. Olímpio Mourão continuou uma vaca, Carlos Guedes nunca fez nada de importante em lua de quarto minguante.

O povo brasileiro mingou, gerações inteiras foram amordaçadas e estupradas.
O Brasil passou por uma noite que duraria 20 anos e só começaria a terminar em 1985 com fim do governo do último general-presidente João Batista Figueiredo.

Nessa longa noite o Brasil conheceu a sua pior ditadura.

Mais de 50 mil presos só entre março e agosto de 1964; Aproximadamente dez mil torturados; cerca de 500 mortos por órgãos da repressão e um número incalculável de sequelas como loucura, depressão, suicídios, males físicos que perseguiram suas vítimas até a morte e, a alguns, ainda perseguem.

Março de 2014. O passado está presente em nossa história e precisamos entendê-lo melhor.

Já que não podemos mudar essa história, que não permitamos que ela se repita.

Se não podemos ressuscitar os mortos, devolver a vida e a juventude perdidas por tantos, que se respeite a sua dor.

Prof. Péricles

3 comentários:

Anônimo disse...

Vislumbrei na postagem, já um STF corrompido, podre.
Como sempre, Maravilhosa parte da história contada com simplicidade e com muita verdade! Um forte e fraterno abraço, meu querido e favorito professor de história, Péricles Rocha!
Maria Hein

Anônimo disse...

Deixando claro (ficou meio dúbio): Maravilhosa não foi a parte do golpe e das torturas, mas sim, a tua postagem Péricles!
Maria Hein

Anônimo disse...

A verdade, infelizmente.
Estou a 20 dias de partir para a primeira parte do CFS professor, por isso, enquanto posso leio bons textos por aqui, pois lá não terei o mínimo descanso.
Um grande abraço!
Leonardo Curso Vigor ESA.