terça-feira, 15 de abril de 2014

O VENENO DA INVEJA


Ser pobre no período colonial, e posteriormente, na Monarquia brasileira, não era tão terrível assim, já que havia os escravos. Sim, mesquinhamente pensavam, somos pobres mais não somos escravos. Esses desgraçados sim é que vivem uma vida insuportável. Talvez isso explique porque o Brasil foi o último país a acabar com a escravidão, já que, o apoio à causa abolicionista era muito pequeno, quase nenhum, restringindo-se na maioria das vezes, aos intelectuais e abastados.

A inveja no Brasil não é por alguém que tenha mais, e sim por alguém que possa vir a ter mais do que ele mesmo tem.

É uma inveja, uma mesquinharia antropológica, que atualmente se vê, sem embustes, na parcela mais conservadora de nossa sociedade que lamenta que pobre já possa ter plano privado de saúde, escolher o melhor emprego, e, oh céus, ter carro e andar de avião.

Sobre isso o grande Ovídio, da sábia Grécia, nos deixou um relato primoroso. A história de Aglaura.

Dizia Ovídio que, certa vez o mensageiro dos deuses, Hermes, voava sobre Atenas quando viu três beldades desfilando graciosamente sobre as ruas da cidade. Eram as três filhas do rei Cécrops – Aglaura, Pandrosa e Herse.

As três eram lindas, mas Herse... Herse era simplesmente demais. A mais bela das três, com um rosto de anjo e um corpo de ninfa. A beleza magnífica de suas duas irmãs eram obscurecidas pela beleza de Herse.

A paixão foi fulminante, como costumava ser com os deuses e Hermes esqueceu de sua missão, coisa que jamais lhe acontecia, descendo até a Terra com aquela cara de bobalhão que nós homens mortais ou imortais ficamos nessas horas.

Ao se aproximar da casa, Aglaura foi a única que o percebeu e veio até a porta recebê-lo.

Hermes foi gentil pois esperava estar falando com a futura cunhada, e contou pra ela da intensidade da paixão e divina excitação que o atingira ao ver sua irmã Herse.

Aglaura se mortificou de raiva, disse que talvez em outra ocasião, se rolasse algum suborno, mas que agora não e que ele tinha mais é que ir embora.

Hermes era um Deus brando, nada irado como alguns de seus irmãos e por isso, foi embora, desapontado e se sentindo infeliz.

Sua tristeza foi percebida pela deusa Atena que procurou saber dele o que estava acontecendo e ele relatou os fatos, da paixão, da grosseria de Aglaura e de seu desapontamento.

Atena ficou fula da vida, até porque já não ia mesmo com a cara de Aglaura e resolveu agir, com aquela delicadeza das deusas gregas. Chamou a Inveja e mandou visitar a desafeta e caprichar no serviço.

A Inveja foi ao Palácio quando Aglaura dormia e soprou o seu hálito peçonhento em suas narinas, espalhando seu veneno pelo sangue, pelos ossos, pela alma da coitada.
Para maltratar um pouco mais, insuflou na mente de Aglaura as imagens, detalhadas de uma união feliz entre Herse e o deus. Beijos, sexo, sorriso, filhos, quadro a quadro na memória da mortal.

Desde o despertar daquela noite, Aglaura nunca mais teve sossego. Via a irmã e a imaginava voando nos braços de Hermes, ganhando presentes dos outros deuses, que seriam seus cunhados, sendo linda eternamente, sendo feliz e feliz e feliz...

Ela não sentia qualquer atração por Hermes, até não simpatizava com a cara dele, mas a felicidade de Herse que ele poderia proporcionar... ah, isso doía até em suas entranhas.

No dia que Hermes se encheu de coragem e voltou ao Palácio, Aglaura estava tão desesperada que simplesmente se deitou diante da porta para impedir sua passagem. O deus tentou afastá-la, com palavras doces, mas ela declarou que iria ficar ali para sempre; Hermes, impaciente (até ele podia perder a paciência) respondeu que concordava - e tocou-a com seu bastão mágico. Imediatamente, Aglaura percebeu que estava perdendo os movimentos. Um frio mortal foi tomando todo o seu corpo; ela sentiu o peito virar pedra, e suas feições também se enrijeceram e ela ficou ali, como uma estátua inútil, que nem ao menos era de pedra branca, mas de uma pedra escurecida pela chama negra da inveja.

A classe média brasileira, nesses tempos de ódio mal dissimulada à Bolsa Família, e aos programas sociais do governo que ao começar combatendo a fome acabou por tirar milhões da linha da miséria, não se felicita pela alegria de seus irmãos brasileiros, e nega-se a participa do que seria uma festa de inclusão. Temem a perda de uma camada "inferior" que lhe tire o equilíbrio.

As mentes reacionárias preferem se deitar diante da marcha dos acontecimentos, criando obstáculos, sem perceber que, como Aglaura, podem se tornar pedra, como pedra ameaça ficar seu coração

Prof. Péricles

Um comentário:

Cassia disse...

Entrei para procurar conteudo do GHC e acabei lendo este texto. Adorei retrata exatamente nosso pais. Abrç