domingo, 25 de maio de 2014

SAÚDE, BRASIL - PARTE 2



Após a segunda Guerra Mundial o mundo do capital ficou preocupado com a melhoria de vida dos povos sob regime comunista e desenvolveram melhorias sociais com o objetivo de contrapor os avanços sociais “do inimigo”. Assim, ocorreu o que chamamos de “o estado de bem estar”.

Entre outras coisas, isso implicou na troca do seguro social pela seguridade social, que deixava de ter um caráter de individualidade para beneficiar um coletivo de pessoas, além de maiores investimentos com assistência médica. Essa mudança, claro, deveria ser patrocinada pelos respectivos governos.

No Brasil, em 1960 é proposta a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), que propunha a unificação de todos os IAPs e estendia assistência médica a toda à população trabalhadora, mas isso não obteve grande aceitação, pois os IAPs mais fortes e que já tinham hospitais próprios, por exemplo, o IAPTEC, se sentiam prejudicados.

Cresce no Brasil os serviços médicos contratados por empresas insatisfeitas com o atendimento prestado pelos IAPs (ou não prestados). Além disso, a saúde é pensada unicamente em termos de assistência hospitalar, esquecendo-se da prevenção e da atenção primária. Crescem os convênios privados.

Entre as famosas Reformas de Base, propostas pelo presidente João Goulart defendia-se uma reforma sanitária consistente e inovadora, mas Jango e suas reformas foi violentamente derrubado do poder pelo golpe militar de 1964 que daria início a Ditadura Militar brasileira (1964-1985).

Durante os governos militares, cristalizaram-se relações autoritárias, mercantilizadas e tecnocratas na área da saúde. Foi o período áureo do complexo médico-hospitalar com lucros exorbitantes a partir de um sistema que pagava bem por procedimentos desordenados, que não resolviam os problemas de saúde das pessoas, mas enriqueceram interesses de multinacionais.

Foi também o período de criação da imagem de um médico que, consciente ou inconscientemente, reproduzia a imagem do ditador que tudo sabia, tudo podia e que não precisava dividir qualquer conhecimento.

Em 1966, ainda no governo do General Castelo Branco, todos os IAPs foram fundidos dando origem a um gigante, o INPS (Instituto Nacional da Previdência Social). Enquanto se alegava estar dando fim ao populismo getulista dos Institutos comandados pelos sindicatos, manteve-se o assistencialismo pois tudo vinha do governo “preocupado com a saúde e a previdência do cidadão”.

Enquanto se pagava caro pela saúde a laboratórios, fornecedores de equipamentos e hospitais que vendiam atendimento, novas epidemias vieram demonstrar a precariedade do sistema sanitário nacional. Uma delas, a Epidemia de meningite na década de 70, tentou ser escondida, tendo a censura impedido a divulgação, fundamental para os cuidados que requeria, para não demonstrar o fracasso no coração do “milagre brasileiro”.

Os aumentos dos gastos e das fraudes forçaram a extinção do INPS em 1978 e a criação do SINPAS (Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social), cujo filho pródigo seria o INAMPS (Instituto Nacional da Assistência Médica da Previdência Social). Julgavam que, com a criação de uma autarquia menor e mais ágil, seria possível diminuir custos e combater as fraudes na área da saúde.

O INAMPS jamais foi um sistema de saúde. Na verdade, era um sistema de doença, que atuava como repositório de gente doente e que não via a pessoa na sua integralidade, mas, por suas partes necessitadas de ação médica.

Centralizada na esfera federal surda e onipotente, a política do INAMPS se processava de acordo com os ventos políticos não sendo a assistência ao cidadão a sua prioridade.

O atendimento era restrito apenas a quem tivesse “carteirinha do INAMPS” e essa carteirinha só era confeccionada mediante análise da carteira profissional devidamente assinada e contribuição sindical em dia. A margem da assistência oficial o desempregado (e esses foram tempos de índices recordes de desemprego devido à recessão econômica) ficava sujeito apenas às ações de filantropia.

Mas a grande noite da Ditadura Militar, mesmo que lentamente, chegou ao fim em 1985, e a volta para a normalidade democrática, atingiu todos os setores do país com a elaboração de uma nova Constituição.

Como toda Constituição promulgada “democraticamente”, nossa atual se deu a partir de trabalhos e debates amplos realizados em Assembléia Nacional Constituinte. A luta por um sistema de saúde novo se transferiu para esse fórum.

Em 1986, na cidade de Brasília, realizou-se a 8ª Conferência Nacional da Saúde, culminância de outras conferências municipais e estaduais. Essa Conferência contou com a participação de trabalhadores, políticos de vários matizes, usuários e prestadores de serviços de saúde. Nessa Conferência nasceu a proposta da criação de um sistema de saúde único, descentralizado, democrático, participativo e de atendimento a todos os brasileiros.

Tal proposta foi levada para a Constituinte. Seus defensores tiveram que enfrentar outras vertentes, cujas propostas mais significativas eram, de um lado, manter o sistema existente, porém com reformas e melhorias para evitar fraudes e gastos exagerados e de outro, a proposta de adoção de um sistema parecido com o modelo norte-americano do seguro-saúde.

Depois de ampla discussão que contou com a participação de inúmeros grupos de interesses, concretizou-se a idéia da saúde no Brasil com uma visão totalmente nova.

O SUS (Sistema Único de Saúde) tem sua certidão de nascimento no Artigo 196 da Constituição Federal que dispõem “A Saúde é direito de todos e dever do estado”. Frase simples, mas preciosa, que em si mesma abarca mais de 100 anos de lutas, desde os tempos em que doente era confundido com bandido e atenção sanitária vista caso de polícia, contando com pé na porta do barraco e vacinação obrigatória.

Os princípios do SUS são hoje, inspiração para a maior parte dos povos do planeta pois defende a Universalidade do atendimento (para todos), a equidade (igualdade na assistência, sem privilégios), Integralidade (considera o todo, a inserção da saúde ou falta dela em contexto amplo de existência), a hierarquização (atenção à saúde conforme quadro específico de gravidade, sem massificação), a descentralização (trazendo o gerenciamento para perto do cidadão) e a participação social.

Países como a África do Sul e o próprio Estados Unidos (pelo menos o Partido Democrata), entre muitos outros, consideram o SUS o melhor modelo de saúde pública do mundo e ambicionam criação similar.

Num país de 190 milhões de pessoas que vivem em fronteiras imensas de mais de 8 milhões de quilômetros quadrados, sua implantação, execução e controle é um enorme desafio, que, só terá sucesso com a participação popular cúmplice e totalmente interessada em que o sistema dê certo.

Os desafios são imensos.

Grupos que com o modelo antigo lucravam de forma exacerbada ainda estão atuantes em busca de um retorno ao passado.

O desconhecimento da própria população brasileira do que seja o SUS potencializam os problemas existentes e criam outros imaginários.

Ao pensar saúde lembrando INAMPS as pessoas não se desfazem do passado, identificam qualidade a partir de critérios ultrapassados desconhecendo novos conceitos como prevenção e insistem com a idéia paternalista de um estado que deve fazer tudo, prover tudo, enquanto vê a si mesmo apenas como objeto da atenção e não como veículo de ação.

Para isso a mídia, dirigida por pessoas que definitivamente não precisam dos serviços do SUS, mas que, ao contrário, identificam no fracasso da saúde pública, o fracasso de um governo a que fazem oposição, contribui com a exposição apenas do que está errado, difícil ou incompleto, não divulgando os acertos e os avanços.

Coisas de uma sociedade ainda convalescendo da grave doença do autoritarismo que por 20 anos relegou o cidadão a um papel de mero espectador da sua própria vida.

O SUS não é de um governo, de uma mente, de um pensador. O SUS é o ápice de uma longa estrada, doloroso e difícil caminho, mas alimentado por sonhos e utopias de uma sociedade igualitária.

Saúde, Brasil.

Prof. Péricles

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