quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O PESCOÇO DO BRASIL


por: Saul Leblon

Negros desarmados mortos por policiais brancos compõem um postal da identidade norte-americana. São standarts, como as freeways, a CIA, a Coca-cola de uma sociedade plasmada pelo capitalismo mais exitoso do planeta. Nela, o condutor de um carro velho recebe, por definição, o carimbo de ‘looser’ (perdedor). Pela mesma razão que um negro pobre é suspeito e passível de ação policial, até prova em contrário.

O negro Eric Garner, vendedor ambulante em Nova Iorque, asmático, 43 anos, não teve tempo, nem ar, na semana passada, para provar quem era. Garner avisou ao policial que comprimia seu pescoço com uma chave de braço, que não estava conseguindo respirar. Fez isso 11 vezes. Até morrer.

Negros formam 13% da população norte-americana; representam mais de 40% da massa carcerária; algo como um milhão em um total de 2,5 milhões.

Prisões em massa e mortes, nada disso é novidade para eles nos EUA. A novidade diante da rotina são os protestos que ela vem provocando exatamente quando a recuperação econômica faz de 2014 ‘o melhor ano em termos de criação de empregos desde 1999’, garante o Wall Sreet Journal, desta 2ª feira.
Por que raios, então, Garner vendia cigarros ilegalmente nas ruas, como suspeitou a batida policial que o levou à morte?

Seis anos após o colapso de 2008, a lucratividade dos bancos norte-americanos registra recordes sobre recordes, trimestre após o outro. Em contrapartida, a subutilização da força de trabalho –indicador que soma emprego parcial e desistência de buscar vaga, como deve ter sido o caso de Garner - atinge assustadores 13%.

Na maior economia capitalista da terra, metade das vagas criadas no pós-crise é de tempo parcial, com salários depreciados.

O fato de os EUA terem um salário mínimo congelado há 15 anos, diz muito sobre a natureza dessa chave de pescoço econômica, que joga milhões de Garners para o submundo dos loosers.

O conjunto sugere que a presidenta Dilma terá que analisar detidamente cada medida de aperto fiscal que lhe for apresentada pela nova equipe econômica.

Os sinais de alarme desta 2ª feira justificam a prontidão.

As exportações chinesas cresceram a metade do esperado em novembro (4,7% contra 8%); o PIB do Japão caiu mais que previsto no 2º trimestre e a possante máquina germânica rasteja tendo registrado uma expansão de apenas 0,2% em outubro. Tudo isso explica que o barril de petróleo custe hoje 40% menos e que as cotações das commodities agrícolas exportadas pelo Brasil valham, em média, 13% abaixo do patamar de 2013.

A sabedoria dos especialistas é insuficiente para conduzir um país a salvo por esse desfiladeiro emparedado entre a queda das cotações das commodities, de um lado, e a sinalização de alta dos juros, do outro.

O cerco conservador agora reflete o faro da matilha para um novo ciclo de vulnerabilidade da presa.

O caminho das pedras terá que ser modulado e ordenado pela mobilização e o engajamento dos principais interessados na preservação do rumo mais equitativo seguido até aqui: os sindicatos, os movimentos sociais e os partidos do campo progressista.

O Brasil tem forças sociais estruturadas.

Suas centrais sindicais que, finalmente, se reuniram com a Presidenta Dilma, nesta 2ª feira, preservam certa capilaridade.

Nos últimos doze anos, o país foi dotado de sólidas políticas sociais, ademais de estruturas de Estado para ampliá-las.

O conjunto permite à Presidenta Dilma negociar rumos e metas do desenvolvimento com a sociedade, preservando-se o mercado de massa, mesmo em um intermezzo de reacomodação fiscal.

Há um requisito, porém: o timming das iniciativas de governo – de qualquer governo – faz enorme diferença.

Uma crise tem um tempo certo para ser derrotada, ou derrotará o governo, a produção, o emprego e os atores que vacilarem diante dela.

Nisso, sobretudo nisso, Franklin Roosevelt revelou-se o estadista cuja habilidade ainda tem lições a oferecer aos seus contemporâneos.

Em apenas uma semana após a sua posse, em 1933, ele tomou algumas decisões que não exorcizaram todos os demônios, mas foram afrontá-los em seu próprio campo.

Os tempos são outros; as agendas precisam ser renovadas, mas nada justifica ofuscar o componente de coragem do passado para dissimular a tibieza no presente.

A calibragem fina entre a barbárie e a emancipação de uma sociedade não está prevista nos manuais de economia.

Se não dilatar o espaço da política na condução da economia no seu segundo mandato, a presidenta Dilma corre o risco de acordar um dia com uma chave de braço atada ao pescoço do país.

E perder o que já tem.

Sem obter o que a ortodoxia lhe promete entregar.

Texto original: CARTA MAIOR

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