quinta-feira, 2 de abril de 2015

TEOLOGIA E FILOSOFIA ESPÍRITA DA HISTÓRIA


Por Eugenio Lara

Na Idade Média, a filosofia era escrava da Teologia. Esse quadro mudou somente com o advento da modernidade e o progresso da ciência. Pensadores como Espinosa, Hegel e Nietzsche se debruçaram sobre o tema sem que houvesse estreita ligação de seus estudos com a religião, a Teologia. Eles eram filósofos e humanistas, não eram teólogos.

Pode-se sustentar também que o Espiritismo é uma Teodiceia, por ser deísta sem negar a existência do Mal, cujo surgimento se dá quando ocorre a derrogação das leis naturais no campo da moralidade. A personificação do Mal, na figura de um deus maligno, do demônio, Satanás, eterno opositor de Deus, não é aceito pela Doutrina Espírita. O Mal não vem de Deus, mas do exercício do livre-arbítrio. Amiúde, o que consideramos um mal, mostra-se como um bem, em longo prazo. Para o Espiritismo, em determinadas situações, e para nossa “desgraça”, o mal é um bem.

O fato de o Espiritismo possuir uma Teologia e uma Teodiceia, não significa que sua visão de mundo seja teológica, dogmática, calcada em preceitos religiosos ou em algum artigo de fé. O Cristianismo, por exemplo, nos conduz a uma Teologia enquanto que o Espiritismo, de modo diferenciado, nos leva a conceber uma Filosofia da História, melhor dizendo, a uma Filosofia Espírita da História.

Para o Cristianismo, a figura histórica de Jesus Cristo é o próprio Deus, o Verbo que se fez Carne, que se manifestou historicamente a fim de salvar o homem do pecado. O Cristianismo tem como objetivo primordial a salvação do homem. Isto é incontestável. Enquanto que o Espiritismo, em que pese a influência cristã, não é salvacionista porque sua finalidade é a evolução do homem, a evolução intelecto-moral, contínua e permanente.

No sentido estrito do termo, repetimos, o Espiritismo é sim uma modalidade de Teologia por se propor a estudar, a analisar e tentar conceituar Deus como causa primordial, enquanto Inteligência Suprema, com supostos atributos. Porém, isto não quer dizer que sua visão do processo histórico seja fundamentada em uma visão teológica. Trocando em miúdos, a concepção que o Espiritismo tem do processo histórico é teleológica, jamais teológica.

Ao descartarmos o teologismo cristão na análise dos fatos históricos, surgem outras questões. Seria essa concepção espírita da história — dedutível dos princípios nucleares do Espiritismo —, dialética? Seria ela libertária, holística, monista ou positivista? Essa dialética na análise histórica é platônica ou aristotélica, hegeliana ou marxista? É necessário avançar nessa discussão. Ficar de rabo preso com o Cristianismo pode satisfazer aos anseios religiosos de muitos confrades e se torna um prato cheio para o estudo de antropólogos e sociólogos não-espíritas.

No entanto, essa vinculação cristã funciona mais como um estorvo do que como alavanca ou um novo instrumental de análise.

Para Hegel, a história é a manifestação do Espírito Universal. Ele troca a Teologia pela metafísica. Ao invés da ação de Deus no processo histórico, o que temos é a manifestação desse Espírito Universal, como ação inteligente e determinante. Marx inverte essa equação e sustenta que o motor da história não é esse suposto Espírito hegeliano, mas a luta de classes, aplicando o método dialético de Hegel adaptado ao estudo da economia política. Se existisse um Espírito Universal, ele seria efeito e não causa.

Contudo, sem descartar os Modos de Produção, determinantes e decisivos na construção do processo social, a filosofia espírita acrescenta outro dado: a ação dos seres desencarnados através da encarnação e da medianimidade, a (re)encarnação e o processo evolutivo, no que o filósofo espírita argentino Humberto Mariotti denominou de Modos de Evolução. Daí ser risível, tanto quanto ridícula a ideia de que possa existir um Espiritismo Marxista. O mesmo se dá em relação a um suposto Espiritismo Hegeliano, mais ainda quanto à existência de um Espiritismo Teológico Cristão, deduzível do pensamento kardecista.

A grande diferença entre a Teologia Cristã e uma suposta Teologia Espírita reside no uso exclusivo da razão, da lógica e do bom senso como ferramentas de análise e reflexão. Ou seja, no Kardecismo o exercício teológico se dá no campo da cogitação filosófica, sem a presença detestável do dogmatismo religioso e sem o indesejável uso da fé como fator de apreensão da realidade. A Teologia Espírita também poderia ser considerada uma modalidade experimental do pensamento teológico, pois se fundamenta na empiria e na reflexão filosófica, sem espaço hegemônico para a revelação religiosa e a fé dogmática.


Eugenio Lara é autor dos livros em edição digital: Racismo e Espiritismo; Milenarismo e Espiritismo; Amélie Boudet, uma Mulher de Verdade - Ensaio Biográfico; Conceito Espírita de Evolução e Os Quatro Espíritos de Kardec.

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