quarta-feira, 26 de agosto de 2015

CARTA A UMA EX-ALUNA



Oi guria.

Te vi ontem, numa foto.

Estavas participando da marcha de protesto contra a Dilma.

Não entendi o cartaz que carregavas.

Dizia que querias de volta a Ditadura?

Lembro bem que estavas presente nas aulas que falei desse período da nossa história.

Tão rebelde me perguntou como o povo aceitava calado tanta repressão e violência. Lembra?

Também manifestau incompreensão com os artífices do golpe, seus apoiadores.

Que ironia, guria, tu até riu quando falamos da “Marcha com Deus pela Família e Liberdade” e agora te vejo tão ativa num movimento com as mesmas matizes conservadoras.

Tinha muitas perguntas pra te fazer, mas, como sei que médicos são muito ativos trabalhando em várias clínicas, achei melhor não ser extenso.

Então te pergunto apenas, onde foram parar teus ideais de liberdade?

Foram transplantados em alguma aula de anatomia?

Um dia tu me disse que quando fosse médica iria sempre estar ao lado de teu povo mais carente, mas agora renega o “Mais Médicos”. Em que semestre desnudasse os teus sonhos para vestir o corporativismo?

Sabe, professor é um ser estranho. Ele vive achando que foi, de alguma forma, capaz de fazer melhor os seus alunos.

Teimamos em acreditar que o mundo se transforma a partir da educação pois a educação obrigatoriamente leva ao desejo de igualdade e de fraternidade e justiça.

Por isso, minha querida aluna, teu cartaz doeu em mim como se fosse uma sirene irritante despertando do sono de forma brusca.

Será que não usei as palavras certas? Os exemplos mostrados em imagem nos slides de mulheres torturadas foram poucos?

Aquelas fotos de ossadas encontradas em vala clandestina no cemitério de Perus... tu chorou, recordo bem.

Qual a parte de crimes contra os direitos humanos tu não entendeu?

Por que não fizesse perguntas para tirar as dúvidas?

Bem, vou ficando por aqui.

Professor tu sabe, assim como médico trabalha o tempo todo em vários lugares, embora a remuneração não tenha nada de parecido.

Ah... sobre aquela moça desaparecida que te falei, bem, acho que não mais te interessa, mas... ela não voltou ainda pra casa e nem jamais voltará embora sua mãe ainda a espera todos os dias.

Muito bonito teu cartaz. Colorido e com aquelas letras bem feitas que sempre elogiei.

Tomara que um dia eu não as veja num cartaz que pede notícias de alguém amado desaparecido.

Na verdade, a história não se repete, nós é que repetimos erros.

Tchau. Que teus caminhos sejam coerentes com tuas ações e palavras e que ele siga realmente o que vai em teu coração.

Te cuida,



Prof. Péricles





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