terça-feira, 8 de setembro de 2015

ROUPINHA DE PASSEIO



Você recebe um convite de aniversário de criança, comparece ao aniversário de criança, parece aniversário de criança, mas só encontra adultos tomando cerveja e discutindo futebol.

Convoca-se reunião de condomínio, você leva sua listinha de problemas do prédio, mas chega lá e só ouve discussões de ódios pessoais e fofocas entre vizinhos.

Tem coisas que parecem, mas não são.

Como aquele mico que te mata de vergonha em que bateu no ombro do velho amigo acompanhado de “aí bixona” e ao se virar... não era o seu amigo, e sim um estranho.

A gente fica sem jeito, não é mesmo?

São coisas que estão além das aparências, mas confundem e provocam constrangimentos.

Como aquela velha foto que em contraste à sua pose de galã hollywoodiano aparece ao fundo um tiozinho brincando com a dentadura.

Ou aquela do menino na praia da Turquia, Aylan Kurdy.

A foto de uma criança numa posição em que crianças costumam dormir depois de exaustas. Roupa nova e bonitinha, daquelas que se vestem nossos filhos quando saímos de casa pra ir na casa da tia.

Você sorri ligeiramente achando que o danadinho deve ter aprontado todas e dormido na beira da praia, mas... ao ler a notícia percebe o engodo.

E seu coração vai ficando apertado a cada novo parágrafo.

Aylan não está dormindo depois de mil peraltices.

Aylan está morto. Afogado. E seu corpo sem vida está sendo recolhido por um oficial da Guarda Costeira.

Então, te passa pela cabeça qual teria sido seu último pensamento...

Crianças de três anos não tem últimos pensamentos pois todos eles são primeiros numa vida que apenas inicia.

Teria tido tempo de sentir medo? Chamar pelo pai?

Então, percebe-se que nem tudo que parece é, e que as imagens, definitivamente enganam.

Doeria menos se usasse turbante e não uma roupinha de passeio?

Não. Não é uma criança síria que está morta, exposta na foto.

É a própria humanidade.

A minha e a sua humanidade. A humanidade de nossos sonhos e mesmo de nossas conquistas.

A humanidade morre um pouco nas praias turcas e gregas, nas favelas cariocas e paulistas, nos asfaltos das grandes cidades cobertas pelo silêncio cúmplice das janelas envidraçadas de todo mundo ou nas matas brasileiras onde crianças Kaioás são queimadas vivas por madeireiros.

A humanidade morre vítima de nossa incompetência de criar um mundo mais justo e fraterno.

Mata-se crianças nas discussões vazias eivadas de preconceitos que insistem em não serem enterrados e até mesmo com o ódio que se espalha pelas comunidades virtuais.

E no silêncio pesado da leitura, sob o impacto da imagem dolorosa, restam as lágrimas, grossas e esguias, que nos lembram que o luto é nosso também.



Prof. Péricles



Um comentário:

Anônimo disse...

Muito triste.