sábado, 26 de setembro de 2015

TE ENXERGA

As melhores ideias foram utilizadas para as piores aberrações.

Algumas sofreram metamorfose tão grande que se inverteram, se não no conteúdo, em sua forma.

O Cristianismo, por exemplo.

A ideia original, o ponto de partida da doutrina cristã é a solidariedade e a igualdade.

Talvez nenhuma outra doutrina tenha destacado tanto a prática da tolerância

A cena descrita nos evangelhos em que Jesus confrontado pela observância da lei que determinava apedrejar as prostitutas, apresenta uma das mais belas respostas que se tem notícia na história humana.

O atire a primeira pedra aquele que não pecou é a expressão máxima do “questione a ti mesmo, assuma teus próprios erros” ou, simplesmente, como se diz no Rio Grande “te enxerga”.

No entanto, posterior a seu nascimento, o cristianismo se tornou propriedade do estado e de um clero profissional que se formou em torno de sua popularidade.

A Igreja deformou de tal maneira a ideia inicial do cristianismo que, na Idade Média justificava a intolerância com a invenção do pecado, financiou campanhas de terror baseada na tortura e na fogueira. O clero profissional criou um exército para impor a sua visão das coisas e as Cruzadas promoveram massacres terríveis, piores até do que o ocidente costuma acusar os muçulmanos.

Nada poderia ser mais intolerante e por isso, menos cristão.

Com certeza, se pudesse, Jesus diria para os cruzados e papas se enxergarem antes de agredir, não com pedras, mas com o aço das espadas.

O capitalismo também.

Nasceu de um sonho diante do desespero.

Homens sem esperança diante das obrigações feudais que lhes tornavam a vida impossível encontraram no comércio à longa distância a centelha de luz para iluminar suas trevas feudais e no lucro honesto uma nova forma de viver e buscar ser feliz.

Lendo obras como “A Riqueza das Nações” de Adam Smith, o papa do liberalismo, percebe-se claramente a preocupação com o humano. A vontade de que o novo sistema trouxesse vida melhor para todos, donos dos meios de produção e meros trabalhadores, até porque os fundadores do capitalismo eram isso mesmo, trabalhadores.

Entretanto, a ideia original do capitalismo foi distorcida por visões encasteladas no egoísmo mais cruel, cuja preocupação sempre foi a concentração da riqueza, tornando o rico cada vez mais rico e o pobre que se lixe.

O maior holocausto da terra que foi o massacre dos povos ameríndios em nome do lucro do estado e das classes mercantis europeias, além da escravidão, foram justificadas (até pela Igreja) como um mal necessário diante da imposição do civilizado (e capitalista) sobre o selvagem e inútil (entrave ao capital).
Igual o cristianismo, tornou-se algo distante e distorcido do próprio início.

O socialismo também.

Desde os utópicos a ideia era a construção de uma sociedade mais justa.

Marx e Engels lapidaram com talento científico o sistema que nascia do mais humano e cristão dos desejos: a igualdade.

Ao despojar os seres da propriedade privada, os fundadores do socialismo jamais pensaram em punir os ricos, mas, de superar a pobreza.

Da mesma forma, ao conceituar a religião como o ópio do povo, eles, como cientistas, referiam-se à religião oficial e dogmática, instrumento utilizado para a exploração e não a qualquer conceito teológico.

Aliás, de várias maneiras percebesse ser o socialismo muito mais próximo das ideias do cristianismo do que mesmo, o Capitalismo, na medida em que prega o total despojamento de qualquer instrumento que permita a exploração do homem pelo homem.

Mas, premido por suas limitações históricas o socialismo, se apresentou alguns êxitos, também deu origem aos mais bizarros ditadores e a ditaduras cruéis que, assim como massificou a propriedade massificou também as criaturas e a liberdade.

Tanto o cristianismo como o capitalismo e o socialismo, eram belos em essência e foram indevidamente reescritos por quem os utilizou a seu proveito.

Assim também ocorre com os movimentos que, de forma justa e democrática expressam oposição e contrariedade ao governo do PT, mas que se tornaram instrumentos utilizados por defensores de ditaduras, homofóbicos e religiosos radicais.

Intolerantes que cultivam o ódio como prática, sem nenhum pudor.

Por isso, é bom manter-se atento à bandeira que se empunha e a máscaras que se prende ao rosto.

É bom ter certeza que expressam e defendem realmente o que pensamos e sentimos ou se o melhor ao convite para ingressar na turba não seria o gaudério e sincero "te enxerga".




Prof. Péricles





Um comentário:

Unknown disse...

Péricles,
não conhecia teu Blog.
Parabéns, artigos interessantes com assuntos dos mais variados.
Boa Professor.