quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O MINUANO SUSSURRA SEU NOME

Local da Morte de Sepé Tiarajú

Em 1750 com a assinatura do tratado de Madri, a região denominada de “Sete Povos das Missões” (noroeste do atual estado do Rio Grande do Sul) passou a fazer parte das terras portuguesas no continente.

Imediatamente, por iniciativa do Marques do Pombal, os Jesuítas de língua espanhola que, vindos da região do Paraguai em 1680, haviam fincados raízes por aqui, construindo às sete missões (São Borja, São Miguel, Santo Ângelo, São João, São Lourenço, São Nicolau e São Luis) foram expulsos para o outro lado do Rio Uruguai.

O fato foi recebido com inevitável resignação pelos padres mas com extrema pavor por seus aliados, os índios Guaranis.

Para os guaranis havia apenas dois tipos de brancos, os Jesuítas que lhes protegiam em troca de sua submissão religiosa e os bandeirantes que os atacavam com armas de fogo e, sempre que possível, os escravizavam, levando para terras distantes.

Para eles, a saída dos Jesuítas significava abandono e escravidão.

Em fevereiro de 1753 uma comissão de demarcadores ao chegar em São Miguel foi impedida pelos índios de seguirem adiante no trabalho de demarcar oficialmente o novo território.

Segundo os relatos, eles eram liderados por um jovem índio chamado Sepé Tiaraju.

Um ano depois, soldados portugueses estacionados no forte de Rio Pardo (atual cidade de Rio Pardo) convidaram, gentilmente, um grupo de guaranis a entrar no forte e ao penetrarem na guarnição foram imediatamente presos.

O oficial em comando acusou o grupo de ter roubado cavalos durante a noite. O líder do grupo de guaranis, Sepé Tiaraju disse saber onde estavam e prometeu ir busca-los. Mesmo escoltado por doze portugueses conseguiu fugir sem deixar rastro, muito menos, os cavalos.

Fatos como esses somado a insistência dos Guaranis de não abandonar a região enfureceram o governo português.

Era inadmissível aceitar a liderança de um selvagem que ousara dizer “Essa terra tem dono” numa afronta intolerável aos novos “senhores” do Continente de Rio Grande.

As “Guerras Guaraníticas” iriam se desenrolar entre os anos de 1754 a 1756.

A primeira expedição, foi organizada em parceria por forças portuguesas e espanholas e chegaram ao Continente no início do mês de setembro de 1754, mas, devido as péssimas condições climáticas de frio e chuvas intensas, tiveram que recuar.

Novas tropas portuguesas vindas do Rio de Janeiro unem-se a tropas espanholas vindas de Buenos Aires e Montevideo no início de 1756.

Algumas escaramuças menores, vencidas pelos índios fariam crescer a lenda do guerreiro invencível.

O desenrolar dos fatos acabaria levando a uma batalha que ambos os lados perceberam ser decisiva, a Batalha de Caiboaté, localidade próxima do atual município de São Gabriel.

Antes, porém, um grupo especial comandado por oficial português, e composto de renegados e desertores, que faziam guerra por dinheiro, recebeu a missão de matar Tiarajú. Não se conhece muitos detalhes, mas, conseguiram atraí-lo para uma emboscada.

O heroico índio foi morto em 7 de fevereiro de 1756, atingido por arma de fogo.

Três dias depois, a 10 de fevereiro, os índios foram forçados a enfrentar as tropas luso-espanholas em Caiboaté.

A morte de seu líder e maior estrategista seria fatal para os nativos.

O chefe dos Guaranis colocou suas forças postadas na forma de uma meia lua, o que enfraqueceu os flancos e fez com que seus homens fossem presas fáceis para o ataque de artilharia (armada até de canhões), além da cavalaria pelos lados.

A batalha de Caiboaté foi tão desigual que durou apenas uma hora e quinze minutos e o sangue indígena derramado foi tanto que formou uma grande pasta de lodo. Os sobreviventes capturados, feridos ou não, eram sumariamente executados.

O exército espanhol perdeu três homens e teve dez feridos. O português, um morto e 30 feridos. Os mortos entre os guaranis foram de 1500 a 1750 guerreiros.

Um militar português o coronel José Custódio de Sá e Faria chegou a escrever em seu diário, no dia 10 de fevereiro de 1756, que “fazia grande compaixão a multidão de mortos”.

A morte de Sepé e a chacina final representaram a derrota definitiva dos índios guaranis, os verdadeiros donos dessas terras.

Em maio de 1756, as tropas coloniais ocuparam os Sete Povos das Missões.

Em 1762 a Espanha voltou atrás e anulou o Tratado de Madri reiniciando a guerra contra os portugueses.

As Missões tornaram-se ruínas.

E Sepé tornou-se lenda e um dos mais fortes mitos na formação do povo rio-grandense.

Até hoje ainda dizem que o Minuano quando percorre as terras do Rio Grande sussurra o seu nome... Tiarajúúúúúúúúúúúúúúúúúú.


Prof. Péricles




segunda-feira, 26 de outubro de 2015

SABIÁS CANTAM, TUCANOS PIAM



Por Moisés Mendes


Panfílio sempre canta antes dos outros sabiás da Aberta dos Morros. No ano passado, começou a cantar no final de agosto. Panfílio é o sabiá guaxo que seu Mércio trata com minhoca servida no bico.


Panfílio vem dando sinais de que está perto de cantar: desaparece por uns dias para remarcar territórios e conferir as sabiás da redondeza.

Na semana passada, Panfílio quase se engasgou com um susto do seu Mércio. Seu Mércio escutava no rádio a entrevista de um ministro do Tribunal de Contas da União. Augusto Nardes dizia que o governo Dilma deu pedaladas como nunca antes. Sempre pedalaram, mas não pedalavam tanto.

Seu Mércio deu um tapa na testa, tastaviou no banco de cortiça e quase pisou no Panfílio.

Imagine, pensou seu Mércio, medir o tamanho das pedaladas e decidir se é pedalada para um pito, para ficar quieto (como sempre ficaram), ou se é para cassar mandato.

Seu Mércio é guarda de rua na zona sul da Capital. Já viu assombração ao meio-dia e já montou mula com cabeça de macaco. Mas nunca na vida ouviu tanta entrevista de um ministro do TCU. Pelo menos aprendeu o que é pedalada, o truque dos governos para manipular contabilidades e maquiar despesas. Dizem que é delito grave, mas só agora.

A oposição torce pela reprovação das contas de Dilma pelo TCU para chegar ao impeachment. Se falhar, sobra a chance de reprovação das contas da campanha de Dilma no Tribunal Superior Eleitoral. Se também não der certo, teria a ilegalidade da dieta de Dilma, importada da Argentina e não regulamentada no Brasil.

Seu Mércio ouve a Rádio Gaúcha da manhã à noite. Do muito que já ouviu, concluiu o seguinte: Aécio quer porque quer ser presidente agora. Mas tem que ser agora. O PSDB perdeu oito eleições, não pode esperar até 2018 e correr o risco de perder mais duas em turno e returno.

Aécio perdeu a eleição para presidente até em Minas, a terra dele, onde não elegeu nem o governador. Por isso quer uma eleição só para ele.

Seu Mércio reflete e põe a minhoca no bico de Panfílio. O sabiá engole a minhoca com os olhinhos fechados. Seu Mércio garante que já viu o sabiá se lamber de faceiro. Ele sabe que Panfílio vai cantar logo. Mas seu Mércio não acredita que Aécio tenha gogó para cantorias antes do tempo.

Até porque tucano pia muito, mas, que se saiba, cantar mesmo, não canta.



Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre/RS




sábado, 24 de outubro de 2015

BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO



Por Tarcísio Lage


Escândalo aqui, escândalo ali, tribunal com juiz acusado de corrupção julgando contas do governo, impeachment já, impeachment é golpe e toma lá um festival de pragas e discussões com xingatórios que assola a internet e até imprensa bem instalada, sem falar dos bancos com seus lucros abundantes e com regateios para conceder um mínimo aumento dos salários de seus empregados.


Mas não é nada disso que me arrepia o cabelo, que aliás, nem os tenho. No entanto, o que me arrepiou mesmo, por dentro e por fora, cabelo onde os tenho e a pele toda da cabeça aos pés, foi a pesquisa da Data Folha do dia 28 de setembro com a pergunta simples e rasteira:


“Você concorda que bandido bom é bandido morto?”


Com o estômago já revirado, li o resultado: empate. Ou, por outra, metade dos mais de 1.300 entrevistados em 84 cidades acima de 100 mil habitantes respondeu sim: bandido bom é bandido morto.


Não se especificou bem o que se entende por bandido. Mas creio que a referência é aos assaltantes saídos das favelas e das comunidades pobres da sociedade e não aos ladrões de colarinho branco trabalhando em escritórios de luxo ou dependências governamentais e vivendo em apartamentos de luxo e palacetes no Leblon, Ipanema, Lago Sul de Brasília, Jardim Paulista e outras pragas paulistanas onde a arte do bom viver é o orgulho máximo da burguesia bem nutrida.


Mas, vá lá, mesmo se a resposta de OK à proposta “bandido bom é bandido morto” coloca todos no mesmo saco – como se a bandidagem fosse como o saco do PMDB onde cabe tudo – eu ainda digo que é algo para vomitar. Ou pior. Para temer. Temer muito.


Quer dizer, então, que metade da população do Brasil, considerando-se eficiente o método de pesquisa da Data-Folha, é a favor de ir matando os bandidos, instalando esquadrões da morte em cada esquina ou armando a população para que se faça um OK Curral a cada instante na Avenida Paulista, na orla do Rio de Janeiro e mais invasões de favelas e comunidades pobres como se já não houvesse o bastante!


No chamado mundo ocidental, o Brasil é um dos poucos países onde ainda existe Polícia Militar, resquício da ditadura.


E tomem nota: só este ano em São Paulo foram mortas pela polícia militar 571 pessoas entre suspeitos de crime e gente inocente por estar no lugar errado e na hora errada.


Mande bala, na lógica de uma polícia já considerada uma das mais violentas do mundo e onde um punhado de bandidos mortos vale por um ou dois inocentes abatidos por engano. Efeitos colaterais, como dizia Rumsfeld quando invadia com Bush e Cheney o Iraque em ruínas.


No entanto, não há guerra no Brasil e as causas da violência urbana têm profundas raízes sociais.


A principal delas é péssima distribuição da renda que faz do país um dos mais injustos do mundo, ainda que a situação tenha melhorado um pouquinho nos últimos anos. E, no entanto, é por causa dessa política de melhor distribuição da renda que a classe media e a direta gritam pelo impeachment ou pela quebra da institucionalidade.


Mas não vamos desviar o assunto. A segunda causa da violência no Brasil é o tráfico de drogas. Isso poderia ser facilmente resolvido liberando-se o comércio de algumas delas com já vem ocorrendo em vários países.


Vale repetir que até a ONU chegou à conclusão da inutilidade da guerra contra as drogas. Há, inclusive, um relatório de 2011 assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a respeito.


No entanto, dois setores são radicalmente contra a liberalização: os traficantes e a polícia, para que continuem com o jogo de gato e rato, numa teia de corrupção e violência.


Enfim, o tráfico é um vasto assunto certamente para um outro artigo. O que nos interessa aqui é ressaltar como ele contribui para o aumento da violência.


Veja, por exemplo, o caso do México, onde os assassinatos na guerrinha suja entre a Polícia, a DEA dos EUA e os carteis são com resquícios de maldade.


Para finalizar. Sugiro que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que encomendou a pesquisa da Data-Folha, peça uma outra para ver quem concorda com essa afirmação: um bandido bom é um bandido recuperado.


O resultado pode decepcionar dado ao avanço ideológico da direita no Brasil.



Tarcísio Lage, jornalista, escritor, começou na Última Hora de Belo Horizonte no início dos anos 60.As Tranças do Poder é seu último livro.




quinta-feira, 22 de outubro de 2015

MONTANHAS AZUIS

Às vezes, dá uma vontade danada de sair em silêncio, escapar do burburinho pelo buraco da fechadura das portas mal-humoradas. Você já percebeu como as portas são mal humoradas? Ao menos as fechadas.

E quando as horas do relógio ditam as fases de nossa rotina... nossa que vontade deixar de existir mesmo existindo!

Será que ao fechar os olhos com as pálpebras bem apertadas a gente fica invisível?

Quando criança funcionava. Pena que a idade adulta nos tire os superpoderes e a gente perceba que jamais se está invisível de si mesmo. Que porcaria!

Triste como a descoberta de que as montanhas azuis não são azuis, mas parecem assim pela distância misturadas com o horizonte.

Por que os rios não secam se dia e noite suas águas vão embora, e se perdem no mar, sendo que a água é recurso não renovável?

E as utopias são renováveis?

A reciclagem das fantasias que um dia fizeram que coubesse todas em nossos sonhos desde dragões até princesas, bruxas e fadas, espadachins e heróis que voam e uma infinidade de criaturas que dormiam, todas, embaixo do travesseiro.

Pra onde vai toda a rebeldia dos dias jovens capaz de destruir exércitos quando os dias jovens dão lugar aos dias velhos?

Como é chato o mundo das coisas sérias.

Horários pra tudo. Dias organizados que não variam e a segunda que sempre vem depois do domingo e o sábado que vem antes dos dois. Ou seria depois?

E essas semanas que se repetem em meses pré-definidos desde o dia do salário, até o próximo salário.

Deveríamos contar o tempo por número de salário e não por anos vividos, e o legal é que muitos, como os milhares de mendigos, ficariam eternamente jovens.

O ano das pessoas sérias é muito chato.

Sempre com 12 meses, feriados marcados, início e fim comemorado sem motivo, sendo que o ano não passa de uma volta que a Terra dá sobre o sol sempre do mesmo jeito, sem nenhuma reboladinha, na mesma velocidade e constância.

Não que eu seja fofoqueiro, mas é o que acontece com a lua que desde 1969, volúvel, deixou de ser dos poetas para ser dos cientistas que a viram nua, tão de perto, mas tão de perto que, pasmem... concluíram que não havia vida nenhuma por lá.

Quanta incapacidade criativa! A culpa não é da lua, é dos cientistas!

Para quem curte a história da vida, do país e das pessoas que habitam esse país, dói profundamente ver gente defendendo a ditadura ou chamando golpe de estado de intervenção.

É por demais chocante entender que as pessoas que se acham sérias considerem justas as diferenças que excluem e só consigam se sentir mais belos se existir feiura e por isso cultivem a feiura fanaticamente. Que necessitem que existam pobres mais pobres para acreditarem que foram competentes e previdentes.

Dilacerante é que existam argumentos endeusando criaturas da pré-história da memória nacional como deputado que se orgulha pelas torturas e defenda pena de morte ou pastores que enriquecem com a manipulação da fé e da ignorância entre os que os procuram.

Se é verdade que o conhecimento liberta, talvez também o seja que o conhecimento machuca, não o conhecimento da vida e da história, mas o conhecimento sobre as pessoas e de suas mediocridades.

Eu já decidi.

Vou continuar acreditando em justiça e igualdade, mas não aqui, com essas almas sombrias e sem cores.

Não. Com esses rançosos de egoísmo eu não brinco mais.

Vou procurar a minha turma.

Mesmo que muito longe, onde as nuvens se escondem atrás das montanhas azuis.



Prof. Péricles


terça-feira, 20 de outubro de 2015

O CIRCO DA PILANTRAGEM

Pilantragem e Civismo
Por Laerte Braga    

 
Kalanag foi um mágico que se apresentou no Brasil lá pelos idos de 1960. 

Como, ninguém nunca soube, mas descia do palco até a platéia com uma jarra d’água e mandava o espectador escolher a bebida preferida. Vinho, uísque, cerveja, da tal jarra saia tudo. Se levarmos em conta que os mágicos àquela época dispunham de poucos recursos tecnológicos, aquele negócio de jogos de luzes, máquinas que engolem pessoas, esses aparatos todos dos mágicos de hoje, Kalanag era de fato um prodígio.

Circos ainda ocupam um espaço importante tanto na lembrança dos que assistiram aos velhos grandes circos do passado, como os que hoje têm o privilégio de observar uma arte – falo de tudo o que o circo traz -. Aquela armação de lona sobrevive em muitas cidades do interior do País. Hoje, uma nova roupagem recheada de salamaleques dos tempos atuais, levou o circo para dentro dos ginásios, das grandes áreas de espetáculos e numa certa forma preservou e preserva as características do espetáculo circense.

Águas dançantes apareceram no Rio de Janeiro no final da década de 50 e o show aconteceu no Maracanãzinho como ponto culminante de um dos grandes circos norte-americanos em seguida a trapezistas, palhaços, mágicos, equilibristas, toda a troupe.

Foi uma semana antes da célebre luta entre Archie Moore e o brasileiro Luisão, mas essa é outra história.
 
A descaracterização da palavra circo, transformada, entre outros sinônimos, em local de pilantragem, de maracutaia aconteceu por conta de se emprestar à pilantragem e às maracutaias o epíteto de um grande circo, com mágicas com dinheiro público, trapaças nos negócios de governo, grandes palhaçadas de políticos, toda essa sorte de ilusionismo do chamado mundo real.

O circo de Brasília, por exemplo, não tem nada a ver com o Circo de Moscou. E nem com as lonas remendadas que povoam as cidades do interior brasileiro.  Ali, nessas cidades, crianças e adultos ainda são capazes de gargalhadas quando o palhaço tropeça e daquelas interjeições de espanto quando o mágico faz sumir um carro em pleno palco substituindo-o ou por um elenco de mulheres, ou por pássaros coloridos que saem voando dentro dos limites da lona.

O circo de Brasília tem a batuta de três dos mais espertos “mágicos” da política brasileira.

O presidente do Senado, José Sarney. O presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer e o presidente do Supremo Tribunal Federal – atual STF – o “ministro Gilmar Mendes.

Sarney, proprietário dos estados/fazenda Maranhão e Amapá seja talvez o mais completo exemplo de Zelig da história da política brasileira. Em 1º de abril de 1964, governador do Maranhão, soltou um manifesto na parte da manhã apoiando o governo constitucional de João Goulart e outro à tarde, aderindo ao golpe militar. Virou capacho de confiança dos governos da ditadura. Acabou presidente da República no episódio da construção da candidatura Tancredo Neves e da morte do mineiro, eleito presidente em 1984.

Michel Temer saiu da casca de jurista e constitucionalista para virar político, deputado em vários mandatos e uma interpretação para cada caso, não importa que seja diversa da anterior, desde que os interesses dos que representa sejam mantidos.

É ponta de lança de FHC e José Serra no PMDB. O maior partido do País, curiosamente sem cara, sem rosto, um amontoado de queromeu, onde ainda pontificam figuras sérias do porte de Roberto Requião governador do Paraná.

O terceiro nessa trindade de pilantras é Gilmar Mendes, presidente do STF. Corrupto de carteirinha, tucano de coração, corpo e alma, ocupa a presidência do que deveria ser a corte suprema do País para transformá-la em instrumento de garantia de todo esse mundo podre e irreal que acaba sendo o real.

E William Bonner, síntese do pilantra na comunicação, está lá para assustar todos os “homer simpson” na hora do Jornal Nacional. O maior produto vendido pelos donos do Brasil aos incautos que ainda acham que esses circos são reais. Não têm a ver com Arrelia ou Pimentinha, palhaços de muito caráter e seriedade.

O circo da pilantragem é no duro mesmo um circo de tragédias e essas tragédias se abatem sobre o povo brasileiro que segundo o imortal João Ubaldo Ribeiro ainda é o culpado de tudo.

A corrupção é só uma conseqüência do modelo político e econômico. Esse é o fato gerador. Esses são os donos do circo.




Laerte Braga é jornalista em Juiz de Fora/MG

domingo, 18 de outubro de 2015

A MAIOR DOR DE ALEKSANDRA

A saudade por si só dói como vento gelado.

As vezes o vento pode ser tão frio que mata em pouco tempo. Em outras a agonia se faz de forma lenta, matando por desgaste e não por congelamento.

Já a decepção tem se processa rápida e não mata, mas prepara o caminho para o firmamento.

Me pergunto, como suportar a saudade misturada com outros sentimentos, como, por exemplo, a mágoa da ingratidão?

Ou ainda, qual seria o terreno mais inóspito, a crueza do Ártico ou a crueza do coração?


Lembro de Aleksandra Sokolovskaia.

Alexandra era uma linda ucraniana, como só as ucranianas costumam ser.

Ficava ainda mais bela ao viver como só os jovens conseguem o idealismo latente na construção de um mundo mais justo e fraterno.

Apesar de todos os perigos participou desde muito cedo dos movimentos clandestinos nos terríveis tempos de agonia e êxtase do czarismo.

Com apenas 18 anos participou da criação de um sindicato no sul da Rússia o que lhe valeria um mandato de prisão.

Conheceu, na clandestinidade, um dos mitos da revolução russa, Leon Trotsky, apaixonaram-se e com ele se casou em 1899, com 27 anos.

Tiveram duas filhas, Nina e Zinaida.

Em 1901 os dois foram presos e deportados para a Sibéria, um lugar tão gelado e de tão difícil sobrevivência que precisava de poucos guardas para ser mantida, já que fugir de lá, era quase impossível.

Só que os revolucionários deram um jeito para providenciar uma fuga. Mas, havia um problema, seria possível libertar apenas um dos prisioneiros.

Ela não permitiu discussão. Embora seu coração de mulher não quisesse a distância, o coração da revolucionária dizia que Trotsky era muito mais importante livre, para o projeto revolucionário, do que ela, e por isso ele deveria fugir, enquanto ela ficaria na prisão gelada e mortal da Sibéria, sobrevivendo enquanto fosse possível.

E assim foi feito, sendo Trotsky resgatado para um lugar a salvo na Europa.

Só que chegando a Paris, em 1903, Trotsky se apaixonou por outra mulher, Natália Sedova, declarou finda sua união com Sokolovskaia e casa-se com a outra.

É daí que vem a indagação.

O que será que mais doeu na bela Aleksandra: o vento gelado que corta a carne com um uivo selvagem nos ouvidos ou a traição do homem amado que para ser liberto precisou que ela mesma continuasse no inferno?

Sabe-se pouco sobre ela.

Não morreu na Sibéria e retornou, anos mais tarde para Moscou.

Não pode viver com as filhas que foram criadas pela mãe de Trotsky e nunca mais se casou.

Continuou suas atividades políticas mas caiu em desgraça na sangrenta ditadura Stalinista, assim como uma geração inteira de revolucionários que o ditador julgava mais brilhante do que ele mesmo.

Foi presa, e novamente deportada para a Sibéria, onde foi vista com vida pela última vez no campo de trabalhos forçados de Kolyma, em 1938.

Tinha então 66 anos.

Com essa idade e submetida as péssimas condições da prisão deve ter morrido em silêncio, de forma quase imperceptível em alguma noite de nevasca maior.

Mesmo assim, cabe a dúvida: qual teria sido a maior dor de Aleksandra Sokolovskaia?

A fria morte provocada pela hipotermia ou a morte por traição do amor de toda sua vida?




Leon Trotsky


Prof. Péricles
















sábado, 17 de outubro de 2015

COMO DILMA PERDEU A VITÓRIA

Por Mário Magalhães

Aniversaria, por esses dias, a vitória da campanha reeleitoral de Dilma Rousseff.

Em outubro do ano passado, a candidata venceu o primeiro e o segundo turnos. No começo daquele mês, alcançou 42% dos votos. No fim, 52%, triunfo com 54.501.118 sufrágios.

Talvez o porvir esclareça em que momento algum bichinho, o antípoda da mosca azul, soprou-lhe que havia sido sobrepujada por Aécio Neves. A presidente deu-lhe ouvidos, a julgar por seus passos no Planalto.
A reforma ministerial em curso consagra uma política contraditória com a pregação de palanque.
O governo contrário à agenda chancelada pela maioria dos eleitores é uma evidência tal que, quando Fernando Henrique Cardoso afirma que a presidente enredou-se em “um pacto com o demônio”, poucos correligionários de Dilma rejeitam o diagnóstico.
O que fazem as vozes intelectualmente honestas é recordar que o ex-presidente se pronuncia na condição de mestre Renan Calheiros foi seu ministro da Justiça.
Há um sem-número de erros de tática política e inépcia de gestão no atual governo.
O engano mais relevante, porém, é a estratégia de impor ao país uma administração ofensiva à decisão da maioria um ano atrás.
Ao romper consigo mesma (ou com o que dizia), a presidente, em vez de frear, estimula segmentos que historicamente não reconhecem a soberania do voto popular. Como já dito no blog, ela age como o time que se retranca, chama o adversário para cima e padece com o sufoco.
Como também observado aqui, este ensaio de suicídio político resulta no abandono da presidente pelo colchão social que a respaldava.
De cada dez brasileiros, apenas um considera ótimo ou bom o governo Dilma. Ela dilapidou boa parte do seu enorme patrimônio eleitoral.
A síntese do arrocho que sacrifica os mais pobres é a presença, no comando do Ministério da Fazenda, de um eleitor de Aécio Neves.
Militantes que se dedicaram a renovar o mandato de Dilma, e nela acreditaram, protestarão sábado também “contra a política de ajuste fiscal”. Os bancos, na contramão, estabelecem recordes de lucros.
Sem sua antiga base social disposta a defender a política que pune os já punidos pela desigualdade obscena, a presidente rendeu-se ao toma-lá-dá-cá do Congresso.
Isto é, aceitou o terreno onde grassa a chantagem, incluindo a modalidade golpista do impeachment (não há prova de crime contra a presidente), e a ela se rende. O trunfo de Dilma contra as chantagens são _seriam_ os seus quase 55 milhões de eleitores.
Mas como convocá-los a pressionar as instituições que decidem, e nas quais muitos congressistas chantageiam a governante constitucional, se em 2015 Dilma castiga seus apoiadores de 2014 com a fatura mais amarga da conta da crise?
Expulsar da Saúde um sanitarista digno e entregar o Ministério à gula do PMDB equivale a autorizar a queda de qualidade do sistema público de saúde. É a rede que atende aos brasileiros mais necessitados.
Com o ensino público sofrendo com o arrocho impiedoso, Dilma retira do Ministério da Educação um educador de méritos reconhecidos para acomodar um amigo saído de outra pasta. Quem vem pagando pelo arrocho? Os filhos daqueles que precisam de livros infantis nas escolas públicas, que não têm como comprar nas livrarias _o governo cancelou ou adiou a aquisição de livros para as bibliotecas escolares.
Hoje faz nove meses que Dilma foi (re)empossada. Ela faz o que dizia que não faria. Governa contra os interesses de quem a escolheu. Castiga seus eleitores e prestigia a política neoliberal patrocinada pelo adversário derrotado. Comporta-se como se a derrotada tivesse sido ela.
Nas internas, a presidente costuma lamentar a correlação de forças no Congresso. Será que ela não sabe que, em muitos momentos da história, a pressão popular logrou dos conservadores concessões que eles não aceitariam sem o povo nas ruas?
Mas quantos eleitores de Dilma estão dispostos a desfraldar bandeiras em nome do arrocho que ela aplica?
Mais do que a cabeça da presidente, muitos figurões querem o fim das políticas que permitiram a dezenas de milhões de brasileiros deixarem a miséria absoluta. Tem gente que não aceita, eis o Brasil, nem empregada doméstica com carteira de trabalho.
Num vexame apoteótico, o PMDB famélico toma o governo.
A vida dos brasileiros mais humildes, comprovam até as estatísticas oficiais, vai piorando.
Não foi para isso que a presidente foi eleita.
Quem foi o bichinho que disse a Dilma Rousseff que ela perdeu a eleição? (Publicada originalmente no blog do autor)

Mário Magalhãesnasceu no Rio em 1964. Formou-se em jornalismo na UFRJ. Trabalhou nos jornais “Folha de S. Paulo”, “O Estado de S. Paulo”, “O Globo” e “Tribuna da Imprensa”. É autor da biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”.


quarta-feira, 14 de outubro de 2015

PICASSOS E GUERNICAS


(releitura de “Pintores da Noite” de dezembro/2011 cujo link apresentou problemas e teve que ser deletado)


Ela olhou pra mim como quem está prestes a fazer uma grande revelação: “sabe, eu nunca te contei, mas, detesto cachorros”.

Comecei a rir baixinho do seu jeito cerimonial. Mas o riso foi crescendo e ela, escorando a testa no meu ombro foi me acompanhando, e quando vimos as gargalhadas já eram cúmplices e incontidas.

Ergui os olhos para as estrelas e perguntei pra uma delas: mas do que mesmo estou rindo?

Do fato de estar pendurados no alto de um poste numa dessas madrugadas de Porto Alegre?

Seria da escada velha que rangia e que ainda por cima se mantinha mal equilibrada, inclinada entre o muro da calçada e o poste por dentro do terreno?

Talvez fosse dos dois cachorros furiosos que babavam de ódio por não poder nos alcançar e que ansiavam para que aquela escada velha se partisse.

Seria só do jeito de madame daquela guria com cola nos ombros e tinta na testa me sussurrando ter medo de cachorros?

Até hoje não sei, mas, eram tantas coisas que não sabíamos naqueles dias furiosos.

Tantas coisas que precisavam de respostas e tantas respostas que procuravam perguntas, que não valiam à pena perder muito tempo.

Só sei que nossas gargalhadas calaram os cachorros como se nem eles entendessem, afinal, qual era a graça de situação tão grotesca.

Quando paramos de sacolejar de tanto rir, a escada diminuiu seu rangido, e o silêncio nos lembrou a necessidade de continuar a gloriosa tarefa de prender no poste, com arames pouco resistentes, mais uma placa com nossas mensagens.

Mensagem? Não era só isso. Havia em cada placa um sentimento de resistência e onipotência, acalentado por tantos sonhos velhos e antigos sonhados por tanta gente!

Descemos altivos diante da indignação dos cachorros e recolhemos o material restante, pois era preciso ter pressa, pois outros postes nos esperavam, outros cachorros talvez, e com certeza, o sol, não demorava.

A polícia odeia a hora entre o fim da madrugada e o início da manhã. É quando encerram suas rondas.

Os cachorros odeiam escadas e ela odiava cachorros.

E eu achava graça. Uma graça que carecia de argumentos, mas que transbordava de dor e de energia.

Que nos importam os vadios da madrugada que vagueiam embriagados? Ou os loucos das calçadas como o Imperador, um velho amigo de insânia, morador das calçadas da Av. Independência.

Não eram com certeza mais embriagados ou mais loucos dos que carregam escadas e sonhos.

Lá, em cima do poste, vendo a cidade “do alto” a gente desafiava a repressão, os medos, os ventos do inverno, os cachorros e o destino.

Cá embaixo o bom senso nos desafiava a pensar mais um pouco e a tomar um café amargo diante da friagem insensível.

Às vezes, virávamos artistas e pintávamos muros.

Muros estreitos e largos. Inteiros e lascados. Muros simpáticos e taciturnos. De casas, de cemitérios, de colégios. Muros de ruela e de avenidas.

Tinta vermelha de cheiro forte, artesanal, feita por nós mesmos, em balde que abraçávamos para que não derramasse enquanto a velha kombi sacudia sobre as ruas de uma Porto Alegre adormecida.

Pintávamos palavras de ordem. Pintávamos declarações de guerra e de amor.

Cada um de nós era um Picasso pintando Guernica.

Mas, ao contrário de Picasso, não podíamos assinar nossas obras.

Mas no outro dia.. ah no outro dia ninguém podia impedir nosso orgulho de ver expostas nos muro da cidade em cores fortes com a tinta que ainda nos fedia, o nosso trabalho noturno.

“Depressa”, dizia em silêncio ao mundo, “leiam antes que apaguem”.

Talvez seja assim mesmo. Quando nos tiram os livros inventamos arte.

Quando nos tiram as montanhas, escalamos escadas que rangem.

Quando nos tiram oportunidades descobrimos talentos, e somos Picassos que pintam Guernicas com tinta barata em muros estreitos.

Quando nos tiram a graça rimos de nós, rimos a sós, e rimos das dores.

É quando pintamos nossa história, com tintas próprias para a alma e não para os muros carrancudos.

Pinturas que jamais se apagam da memória.


Prof. Péricles

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

SEM DISCURSO E SEM CANTO



Certas coisas não avisam quando terminam. Simplesmente acabam e pronto.

A Gripe espanhola, por exemplo.

Depois de matar milhões de pessoas no mundo inteiro num tempo absurdamente curto, em 1918, simplesmente acabou em algum momento de 1919 sem deixar aviso.

Durante meses o mundo espreitou assustado, quando surgiria uma nova vítima, mas, simplesmente, acabou.

De certa forma, o feudalismo também.

As mudanças foram ocorrendo em série, as relações servis se alterando, o capitalismo se assentando aqui, acolá, e quando se viu, já não existia feudalismo.

Até hoje historiadores divergem sobre uma data específica sobre seu fim.

Outra coisa que acabou sem pompa e circunstância foi o governo Dilma Rousseff.

Não seu período de governo que ainda durará três anos, mas, sua originalidade e diferenciação.

Depois de um primeiro governo de resultados positivos em várias áreas e de carregar trôpega as bandeiras sociais do governo anterior, de Lula, o governo Dilma acabou sem nenhum aviso ou manchete no Jornal Nacional.

E isso depois de uma extraordinária vitória eleitoral, contra todas as forças conservadoras e a mídia, por um punhado de milhões de votos, Dilma venceu.

Sim, Dilma venceu embora a maioria tenha esquecido desse detalhe.

Mas Dilma e a esquerda brasileira não soube vencer.

Apequenou-se com a vitória.

Pressionado pelos perdedores que, ao contrário, se agigantaram com a derrota, o governo Dilma fez como o time pequeno que após fazer um gol se retranca e apenas se defende dos ataques do time que está perdendo, fazendo sua torcida sofrer a cada escanteio do adversário.

Ou como o lutador que, mesmo melhor tecnicamente, prefere se encostar nas cordas e suportar os golpes do outro esperando a vitória por pontos quando poderia ser por  knockout.

Numa situação parecida, embora mais grave pois acossado ainda por militares golpistas, João Goulart foi pra cima e proferiu o histórico discurso da Central do Brasil, em 13 de março de 1964. Com essa ação corajosa, Jango deixou claro que preferia ser deposto a fazer de conta que governava e que não aceitava chantagens. Os golpistas que mostrassem a cara.

Caiu, visto que sob a força das armas, mas não mentiu pra ninguém.

O governo Dilma terminou quando aceitou a chantagem da direita.

Terminou quando temeu perder o “apoio” dos aliados de sustentação e permitiu que esse medo fosse maior que a coragem de lutar.

Acabou quando promoveu uma reforma ministerial que agride aliados históricos e sinceros, substituindo ministros comprometidos com a luta ideológica por seres sinistros, que não serão seus ministros, mas, inimigos na trincheira.

No pôquer da política, aceitou um remendo de blefe e depôs suas cartas que eram, infinitamente melhores.

Faltou ao governo Dilma, ao governo do PT, o discurso da Central do Brasil.

Ou o canto do cisne que barulhento despede-se da vida num último ato de coragem.

O fim do governo Dilma, do governo do PT, será sem discurso e sem canto, muito menos ainda, coragem.

Infelizmente certas coisas são assim.

Não avisam quando terminam. Simplesmente acabam e pronto.




Prof. Péricles

sábado, 10 de outubro de 2015

TERRAS INDÍGENAS, UM GRANDE NEGÓCIO



Por Maria Fernanda Arruda 
Gerações aprenderam na escola que o Brasil foi descoberto em 1500, onde Pedro Alvares Cabral encontraria os índios, logo ofertando a eles uma primeira missa. Hoje, postas de lado as versões inventadas pela História Oficial, as crianças são informadas sobre a invasão ocorrida naquele ano, quando os portugueses navegantes se encontraram com os povos habitantes e senhores daquelas terras.
Estimativas, por razões evidentes, e mais que vagas: seriam entre 6,8 milhões e 1 milhão. Como informa o IBGE, hoje são 900 mil, uma população que tem crescido a partir de 1980, compreendendo 300 etnias e aproximadamente 274 línguas.
Na escola, as crianças aprendem o que não quis e não quer saber o homem branco, dono e proprietário de todas as terras e matas. Para os jesuítas, aqueles reais senhores dessas terras foram tratados como almas a serem conquistadas para a Igreja, Anchieta e Nóbrega, que se fizeram santos heróis europeus em terras da América. Mas os jesuítas foram expulsos do Brasil em 1759. O que fazer com os silvícolas?

Participação na história dos homens brancos? Poucas e discutíveis. Na guerra da Independência da Bahia, os índios, então chamados “caboclos”, foram vestidos como heróis e são celebrados a cada 2 de Julho. Além disso, o movimento indianista vivido pelas letras brasileiras: as Americanas, de Gonçalves Dias; O Guarani, Iracema, Ubirajara, de Jose Alencar; A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães.
A Lei de Terras, de 1850, inaugura a agressão ilimitada às terras das aldeias indígenas.
Dai a pergunta de resposta pronta: onde estão os índios? A província do Ceará foi a primeira a negar a existência deles em suas terras; em 1853 é o Sergipe que define sua inexistência. Adornado em sua túnica produzida com penas de papagaios, o pequeno Imperador de longas barbas tranquiliza-se: não há mais índios no Brasil.
O massacre promovido desde os primeiros tempos com os bandeirantes, que os “caras-pálidas” transformaram em estátuas de heróis, foi a regra implementada sem descanso a partir de 1850, procedendo-se a uma expropriação total.
Eventuais embargos legais, passaram a ser levantados com a emancipação dos índios que passavam a ser entendidos como “aculturados”. Ou ainda, muitas aldeias de Goiás, Ceará, Sergipe, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo passavam a ser declaradas extintas, sob alegação de que abrigavam populações mestiças.
O que são então os povos indígenas no Brasil do século XXI?

No Sul restam 75 mil, no Rio Grande do Sul representando 0,4% da população, 8,9% em Santa Catarina, 0,33% no Paraná.

Em fins do século XIX, quatro indígenas foram levados do Rio Grande do Sul para serem exibidos em circos europeus.

Em São Paulo, são 44,8 mil, representando 0,11% da população. Os kaingangs que habitavam todo o vale do rio Peixe, foram chamados de coroados pelos antropólogos.

Esta tribo enfrentou e resistiu a colonização branca. Já os Cayúas que habitavam o vale do rio Paranapanema, à sua direita, tinham terras de campos agricultáveis, os primeiros a desaparecer.

Por último, os Xavantes, considerados sociáveis, ocupavam toda bacia inferior do Rio Pardo (Mato Grosso) atravessando o rio Paraná (São Paulo) indo se estabelecer nos campos de Jaquaretê e Laranja Doce. Estes oferecendo grande resistência.

Quase sempre foram sangrentos os contatos entre índios e pioneiros. Os verdadeiros habitantes da terra lutaram muito, mas, foram dizimados pelos colonizadores.

O empenho de um militar, Cândido Rondon, de formação positivista, foi decisivo na criação de um primeiro órgão de proteção aos índios, o SPI – Serviço de Proteção ao Índio, que não impediu a transferência de terras para colonização, defendendo o respeito e o trato amigável com os indígenas, o que não foi mais do que uma exceção, com gente como os Irmãos Villas Boas e o médico sanitarista Noel Nutels.
Sob a égide de um governo tíbio, o Congresso Nacional pretende assumir a tarefa de demarcação das terras indígenas, o que em termos práticos significa entrega-las aos ruralistas comandados pela ministra Katia Abreu.
Nos últimos meses, a ação de pistoleiros vai se multiplicando, animada pela fraqueza de um Ministério de Justiça omisso. Os abusos vão tomando todas as formas possíveis.
Recentemente, a Agência Nacional de Petróleo lança pré-edital de licitação para exploração de petróleo em sete blocos próximos de 15 terras indígenas, sem qualquer consulta prévia à FUNAI.
Avá Uerá Arandú é um dos líderes do povo Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul. Doutorando em Antropologia no Museu Nacional da UFRJ, ele tem a voz que fica muito acima dos grunhidos dos matadores, que não são gente simples e nem mesmo jagunços. São pessoas ricas, recrutadas pelas organizações ruralistas e por políticos.
É o índio antropólogo que nos diz o que é obrigação nossa saber: “Há fontes consistentes e diversos documentos oficiais que comprovam essa história recente de compra e venda das terras indígenas, envolvendo no comércio dessas terras somente para a elite, a classe rica, políticos poderoso e os agentes dos governos.
Os povos indígenas foram expulsos e dispersados. O Estado-Nação brasileiro doou e vendeu as terras indígenas: isso é uma imensa dívida histórica no Mato Grosso do Sul”.
A política de genocídio do índio, praticada pelos bandidos brancos, é uma tradição profundamente arraigada entre nós.
Os ruralistas brancos têm poder de dinheiro e político. Comandam a Polícia e a Justiça. Agora, são donos do Ministério da Agricultura e estão próximos de conseguir a “solução final”.

Maria Fernanda Arruda é escritora e colunista do Correio do Brasil.
  


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

AS AMORAS SÃO VERMELHAS


Era uma vez um jovem chamado Píramo. Era o mais garboso, o mais belo e agradável jovem de toda a Babilônia.

Píramo amava loucamente a jovem Tisbe, a mais bela virgem (sim, já houve), a mais encantadora, a mais simpática, enfim, a mais tudo.

Eram vizinhos, separados apenas por uma parede comum a casa de ambos e cresceram fazendo juras de amor, beijando e se enroscando na mesma parede, cada um do seu lado.

Por motivos desconhecidos, os pais de Píramo e de Tisbe não gostavam dessa relação endoidecida e proibiram o namoro entre os pombinhos.

Oh crueldade! Queriam muito ser um do outro, casar, ter filhos e uma casinha de cerquinha branca, mas a intransigência dos velhos era total.

Mas nada pode segurar o amor, muito menos uma paredezinha de nada.

Havia, sim havia uma pequena fenda na maldita parede, quase imperceptível e conhecida apenas pelos dois, e por aquela estreita fenda seus hálitos se cruzavam e suas juras de amor tornavam-se incandescentes e cada vez mais rebeldes.

Todas as noites despediam-se beijando a parede e agradecendo a pequena e única fenda pela qual por instantes se sentiam mais próximos.

Até que um dia os hormônios em ebulição assumiram o comando.

Combinaram fugir.

 Naquela noite, protegidos pelas sombras da falta de lua, se encontrariam num point da gurizada apaixonada chamado “o Túmulo do Nilo”.

A ideia era enlaçarem-se apaixonados e felizes, próximos a uma fonte e sob uma grande árvore, uma amoreira cheia de frutos maduros e brancos como a neve (sim, naquela época as amoras eram brancas).

Então, sem parede para atrapalhar, iriam se amar loucamente e depois partir em busca de outros ares já que os dali ficariam pesados com a fúria de seus pais.

Aquele dia pareceu interminável para os jovens apaixonados, mas, finalmente caiu a noite e a hora chegou.

Tisbe, mais apressadinha, chegou primeiro ao lugar combinado, cheia de medo e de desejos.

Sozinha na mais completa escuridão, ela ficou encolhida, à espera do amado.

De repente, porém, com a visão já acostumada ao escuro, percebeu o vulto de um animal selvagem que se aproximava com o andar típico dos predadores noturnos. Era uma leoa e já que tinha acabado de matar uma presa, chegava com as mandíbulas ensanguentadas.

Tisbe percebeu que, de barriga cheia, a fera não iria se esforçar para alcança-la e correu em busca de um abrigo na floresta ali próxima. Ao correr, desajeitada diante do perigo, deixou cair a capa que lhe protegia os ombros.

A enorme predadora deixou Tisbe se ir e após alguns minutos de descanso retornou para as profundezas das matas virgens de onde viera. Antes, porém, atraída pelo movimento da capa empurrada pelo vento, abocanhou-a e a fez em pedaços.

Minutos depois, nosso herói Píramo chegava para o encontro marcado e a cena que encontrou foi a seguinte: a capa que bem sabia ser de sua amada, toda rasgada e cheia de sangue (o bicho estava com a mandíbula ensanguentada, lembra?) e por toda volta as pegadas inconfundíveis de uma leoa.

O que foi que ele pensou?

Como fui estúpido. Demorei demais comendo a sobremesa que minha mãe fez e permiti que ela ficasse aqui sozinha. Céus, enquanto eu devorava o pudim a leoa devorava minha amada. Como fui marcar um encontro num lugar tão perigoso? A culpa é minha, sou um retardado, um imbecil, eu a matei.

Desesperado, abraçado aos trapos da capa de Tisbe, foi para debaixo da amoreira, e, entre soluços, zaz, enfiou sua espada no coração.

O sangue explodiu em borbotões atingindo as amoras que se tingiram de vermelho-escuro.

Mais tarde, apesar de apavorada com a leoa, mas, querendo muito encontrar seu amado, Tisbe retornou ao “Túmulo do Nilo”.

E encontrou o pobre rapaz agonizante. 

Desesperada abraçou o corpo moribundo de Píramo que ao sentir seu calor abriu os olhos pela última vez (deve ter pensado “sou uma besta mesmo” que é que fui fazer) para em seguida morrer.

Enlouquecida de dor, Tisbe pegou a espada encharcada com o sangue de Píramo e, também zaz, a cravou no coração, morrendo instantaneamente.

Arrependidos os pais babacas incineraram os corpos de seus filhos e guardaram a cinza de ambos numa mesma urna para dizer que nem a morte iria os separar.

Até os deuses, normalmente insensíveis, se tocaram com o drama dos jovens e desde então os frutos das amoreiras são vermelhos para lembrar esse louco e infeliz amor.

Esta história era contada, mais ou menos assim, por Ovidio, poeta latino do século I.

Prof. Péricles