quinta-feira, 8 de outubro de 2015

AS AMORAS SÃO VERMELHAS


Era uma vez um jovem chamado Píramo. Era o mais garboso, o mais belo e agradável jovem de toda a Babilônia.

Píramo amava loucamente a jovem Tisbe, a mais bela virgem (sim, já houve), a mais encantadora, a mais simpática, enfim, a mais tudo.

Eram vizinhos, separados apenas por uma parede comum a casa de ambos e cresceram fazendo juras de amor, beijando e se enroscando na mesma parede, cada um do seu lado.

Por motivos desconhecidos, os pais de Píramo e de Tisbe não gostavam dessa relação endoidecida e proibiram o namoro entre os pombinhos.

Oh crueldade! Queriam muito ser um do outro, casar, ter filhos e uma casinha de cerquinha branca, mas a intransigência dos velhos era total.

Mas nada pode segurar o amor, muito menos uma paredezinha de nada.

Havia, sim havia uma pequena fenda na maldita parede, quase imperceptível e conhecida apenas pelos dois, e por aquela estreita fenda seus hálitos se cruzavam e suas juras de amor tornavam-se incandescentes e cada vez mais rebeldes.

Todas as noites despediam-se beijando a parede e agradecendo a pequena e única fenda pela qual por instantes se sentiam mais próximos.

Até que um dia os hormônios em ebulição assumiram o comando.

Combinaram fugir.

 Naquela noite, protegidos pelas sombras da falta de lua, se encontrariam num point da gurizada apaixonada chamado “o Túmulo do Nilo”.

A ideia era enlaçarem-se apaixonados e felizes, próximos a uma fonte e sob uma grande árvore, uma amoreira cheia de frutos maduros e brancos como a neve (sim, naquela época as amoras eram brancas).

Então, sem parede para atrapalhar, iriam se amar loucamente e depois partir em busca de outros ares já que os dali ficariam pesados com a fúria de seus pais.

Aquele dia pareceu interminável para os jovens apaixonados, mas, finalmente caiu a noite e a hora chegou.

Tisbe, mais apressadinha, chegou primeiro ao lugar combinado, cheia de medo e de desejos.

Sozinha na mais completa escuridão, ela ficou encolhida, à espera do amado.

De repente, porém, com a visão já acostumada ao escuro, percebeu o vulto de um animal selvagem que se aproximava com o andar típico dos predadores noturnos. Era uma leoa e já que tinha acabado de matar uma presa, chegava com as mandíbulas ensanguentadas.

Tisbe percebeu que, de barriga cheia, a fera não iria se esforçar para alcança-la e correu em busca de um abrigo na floresta ali próxima. Ao correr, desajeitada diante do perigo, deixou cair a capa que lhe protegia os ombros.

A enorme predadora deixou Tisbe se ir e após alguns minutos de descanso retornou para as profundezas das matas virgens de onde viera. Antes, porém, atraída pelo movimento da capa empurrada pelo vento, abocanhou-a e a fez em pedaços.

Minutos depois, nosso herói Píramo chegava para o encontro marcado e a cena que encontrou foi a seguinte: a capa que bem sabia ser de sua amada, toda rasgada e cheia de sangue (o bicho estava com a mandíbula ensanguentada, lembra?) e por toda volta as pegadas inconfundíveis de uma leoa.

O que foi que ele pensou?

Como fui estúpido. Demorei demais comendo a sobremesa que minha mãe fez e permiti que ela ficasse aqui sozinha. Céus, enquanto eu devorava o pudim a leoa devorava minha amada. Como fui marcar um encontro num lugar tão perigoso? A culpa é minha, sou um retardado, um imbecil, eu a matei.

Desesperado, abraçado aos trapos da capa de Tisbe, foi para debaixo da amoreira, e, entre soluços, zaz, enfiou sua espada no coração.

O sangue explodiu em borbotões atingindo as amoras que se tingiram de vermelho-escuro.

Mais tarde, apesar de apavorada com a leoa, mas, querendo muito encontrar seu amado, Tisbe retornou ao “Túmulo do Nilo”.

E encontrou o pobre rapaz agonizante. 

Desesperada abraçou o corpo moribundo de Píramo que ao sentir seu calor abriu os olhos pela última vez (deve ter pensado “sou uma besta mesmo” que é que fui fazer) para em seguida morrer.

Enlouquecida de dor, Tisbe pegou a espada encharcada com o sangue de Píramo e, também zaz, a cravou no coração, morrendo instantaneamente.

Arrependidos os pais babacas incineraram os corpos de seus filhos e guardaram a cinza de ambos numa mesma urna para dizer que nem a morte iria os separar.

Até os deuses, normalmente insensíveis, se tocaram com o drama dos jovens e desde então os frutos das amoreiras são vermelhos para lembrar esse louco e infeliz amor.

Esta história era contada, mais ou menos assim, por Ovidio, poeta latino do século I.

Prof. Péricles


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