sábado, 21 de novembro de 2015

A SOLIDÃO DOS REJEITADOS



Nasci numa noite fria, sem lua.

Feio e repulsivo.

Minha própria mãe, Dríope, me abandonou ao ver meu rosto.

Meu pai, Hermes, foi zombado de tal forma pela minha aparência que me proibiu de chama-lo de pai por toda a eternidade.

Na terra dos deuses belos e conquistadores, nasci com pés de bode, chifres e uma barba espessa e áspera.

Desde criança convivi com as galhofas e zombarias. Com o olhar divertido dos fanfarrões reconhecidamente belos.

Só me restava a solidão.

Passei a viver nos campos e nas matas.

Conversava com o sussurrar dos ventos nas folhas mortas, e agradecia a neblina alta que escondia meu rosto dos desavisados.

Minha dor sempre foi imensa e ela contagiou todo o meu reino, dos pastos aos picos mais altos, das matas verdejantes até a restingas e dunas.

 Passei a ser temido por todos os viajantes que tinham que atravessar as florestas à noite, pois na solidão da travessia, quando só ouviam as batidas do próprio coração era comum serem contaminados por minha melancolia e por um medo inexplicável de estar sozinho.

As ninfas zombavam de mim sem a menor piedade.

Por isso, jurei nunca me apaixonar.

Mas fui traído pelo desejo duas vezes.

Na primeira vez me apaixonei por Syrinx que como eu, amava a solidão apesar de bela e encantadora.

Mas, ela preferiu a solidão eterna dos caniços a se entregar a uma entidade bizarra como eu.

Na segunda vez foi pela ninfa Pítis, que era tão bondosa e tinha o coração tão doce que conseguiu ver em mim mais do que a forma deprimente.

Mas Pítis era amada por Bóreas, o maligno vento do Norte que, num acesso de ciúmes soprou com tamanha impetuosidade que jogou minha amada ninfa num precipício sem fim.

Pítis foi transformada por Zeus numa árvore consagrada a mim (Pitis, pinheiro em grego).

Cada vez mais sofrido e isolado fiz uma flauta com sete tubos.

Meu irmão Cupido à abençoou e me disse que seus sons mágicos deixariam enfeitiçadas as mais belas, apaixonadas pela doce música de minha flauta.

Cupido me disse que o coração da mulher, quando enfeitiçado pela paixão, pode achar a beleza na alma de um homem e no seu talento, mesmo que dele nem mesmo o próprio homem suspeite.

Assim passei a jogar no ar os sons de minha dor misturados com a harmonia das saudades de Pítias.

As ninfas dançavam ao meu redor e me seguiam.

Mas, o amor enfeitiçado não é amor verdadeiro e mantive minha jura de nunca mais amar ninguém.

Quem eu sou?

Eu sou Pã, a divindade protetora dos rebanhos. Deus dos bosques e dos pastos. Protetor dos pastores.

Mas também sou o deus dos rejeitados, o senhor da solidão e mestre do amor perdido.

Quando se sentir só, apure seus ouvidos nas janelas de seu quarto.

Se tiver o coração enfeitiçado ouviras minha música no gemido enlouquecido do vento, que como eu, nunca será de ninguém.



Prof. Péricles



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