quinta-feira, 19 de novembro de 2015

SÍRIA, A EQUAÇÃO DO INFERNO

Criança Síria se rende ao confundir uma máquina fotográfica com uma arma




País de largas planícies e de desertos, além de altas montanhas, seu relevo facilitou desde tempos remotos a fixação de várias etnias, onde se destacam os curdos, armênios e turcos.

A região era espécie de protetorado da França e se tornou independente, após o fim da segunda guerra mundial, mas precisamente em 24 de outubro de 1945.

Após a retirada das tropas francesas da região, apenas em 1946, o país passou por um período de instabilidade até que em 1963 surgiu um partido poderoso, o Partido Baath, que uniu a maioria dos sírios e deu um golpe, assumindo o poder.

A Síria é inimiga mortal de Israel que, desde 1967, ocupa militarmente, as Colinas de Golan, território sabidamente Sírio e onde os israelenses desenvolveram uma indústria moderna de aços finos, altamente lucrativa.

Ao longo dos anos afastou-se da esfera dos Estados Unidos, tradicional aliado de Israel, aproximando-se da União Soviética, mais tarde Rússia, além da China.

Hafez al-Assad governou de 1970 até 2000, e seu filho, o atual presidente, Bashar al-Assad governa desde então, ou seja, há 15 anos.

Em 18 de dezembro de 2010, na Tunísia, teve início uma série de revoltas de cunho nacionalista e popular, que se expandiria para vários países muçulmanos, denominadas de “Primavera Árabe”.

Em março de 2011, ocorreram revoltas contra Assad e contra o Partido Baath.

Para alguns essas revoltas foram consequência da onda democratizante da Primavera Árabe. Para outros ela foi criada pelos Estados Unidos e aliados dentro da Síria, interessados em derrubar Assad o mais importante aliado da Rússia na região.

Embora o governo Assad se destaque pelo autoritarismo e pela eternização no poder, também se destaca por políticas sociais que lhe davam forte apoio popular.

Talvez, por isso, os rebeldes não obtiveram todo o apoio esperado da população e, assim sendo, não conseguiram derrubar o presidente ou fazê-lo renunciar.

Apoiado por importantes setores da sociedade e também de fora do país (especialmente o Irã), o Presidente manteve o poder, mas não conseguiu aniquilar o movimento de rebeldia.

Diante disso, a Síria vive desde 2011 uma horrenda guerra civil que literalmente destrói o país e massacra seu povo.

De um lado as forças do governo oficial; de outro as forças da “Coalizão Nacional Síria” como passaram a se chamar as forças da oposição.

A “Coalizão Nacional” recebe apoio logístico dos Estados Unidos e da OTAN.

A oposição rebelde é dominada por muçulmanos sunitas enquanto as principais figuras do governo são alauitas.

Essas denominações representam diferentes alas de pensamento dentro da mesma religião (islâmica) sendo que os sunitas (seguem as sunas além do Corão) são tradicionalmente considerados menos radicais e próximos do ocidente, enquanto os alauitas são xiitas, isso é, mais ortodoxos e distantes do ocidente (isso, claro, nem sempre ocorre de forma tão simplista).

A partir de 2013 a situação caótica de um país dividido (acredita-se que o governo tenha poderes apenas sobre 60% da população e 30 a 40% do território) surge o autoproclamado “estado Islâmico”.

O EI surgiu como uma das facções da al-Qaeda de Osama Bin Laden, depois se desmembrou desse grupo. Inicialmente lutou ao lado da oposição contra Bashar al-Assad, mas, nesse ano de 2013 passa a reivindicar um território próprio cuja área é composta por territórios da Síria e uma parte do Iraque.

Em junho de 2014 o EI proclama a criação de um Califado e Abu Bakr al-Baghdadi, seu líder, o califa da região.

Califa é o chefe de estado, um governante político e religioso e Califado, uma comunidade muçulmana governada pela sharia (a Lei do Corão) que iam se formando a partir da expansão muçulmana do século VII e VIII.

O primeiro a usar o título de califa foi Abu Bakr, sogro de Maomé após sua morte em 632.

O título de Califa deixou de existir no século XX, principalmente após o fim do Império Turco Otomano em 1924.

Em outubro de 2015 a Rússia anunciou sua participação direta no conflito com ataques aéreos ao Estado Islâmico.

A presença da Rússia preocupa pelos efeitos colaterais que pode ter.

Como aliados de Assad provavelmente aproveitem a oportunidade para atacar também os grupos rebeldes (aliados dos EUA lembra?) e um enfrentamento entre as duas superpotências não seria bom para ninguém.

A Rússia, inclusive, acusa as forças da coalizão EUA-Europa de estarem fazendo “corpo-mole”, não atacando adequadamente o EI, preferindo atacar as tropas leais ao presidente.

Existem ainda fortes indícios que o califado receba do próprio EUA aparato militar para manter os combates.

Os ataques do EI em Paris, são significativos. Eles demonstram que o grupo está sentindo a pressão militar russa já tendo, segundo algumas fontes, perdido cerca de 20% do território que já dominou.

O ataque fora da Síria é politicamente arriscado e militarmente suicida e o EI sabe disso.

Ao optar assim mesmo pela ação, parece ter concluído não haver possibilidade de sustentar a guerra por muito tempo e prepara-se para agir como a Al-Quaeda, ou seja, com ações do tipo guerrilha e fora do Oriente Médio.

Hoje a Síria é expressão do horror.

Com o governo atuante apenas em 40% do território a manutenção dos serviços públicos estrangulou. O respeito aos direitos mínimos da população não são assegurados por nenhuma das forças em conflito.

Abastecimentio de água e provisões, energia elétrica, transporte, etc deixaram de existir enquanto serviços básicos e a população, abandonada à própria sorte sofre com o desabastecimento e os combates que não respeitam nenhum limite geográfico.

Não há mais escolas para as crianças, nem trabalho para os jovens, pois toda a estrutura do país entrou em colapso.

Mais de 2,5 milhões de sírios fugiram para países vizinhos, especialmente Jordânia e Líbano, além de tentarem a fuga desesperada para a Europa (a foto do corpo do menino Aylan, recentemente, chocou o mundo).

Cerca de 500 mil cristãos movem-se com extremo cuidado em uma fuga cautelosa e solitária, pois foram jurados de morte pelo exército do Califa.

Em terra o território convulsionado está repartido entre vários atores: o governo que mantém a fidelidade do exército nacional, armado com equipamentos russos e chineses domina de 30 a 40% do território, especialmente o leste, incluindo a capital Damasco.

Grupos armados da Coalizão Nacional (treinados e equipados pelos Estados Unidos); Forças militares e paramilitares do Estado islâmico e seu califado ao centro e norte.

Grupos armados curdos que habitam o norte da Síria e combatem o EI tendo significativas vitórias; comandos especiais do Irã, também ao norte.

Comandos da Al-Quaeda que dominam a região sudoeste, tropas turcas estacionadas a oeste, na fronteira e determiandas a impedir qualquer aproximação de seu território e tropas israelenses, ao sul, ocupam Golan e impedem qualquer aproximação temendo um envolvimento que poderia ser catastrófico aos seus interesses.

No ar aviões de guerra dos Estados Unidos, França, Inglaterra e Rússia, além de misseis de médio alcance, e conforme recentes informações, misseis de cruzeiro disparados de navios franceses estacionados no Golfo Pérsico.

Por tudo isso, poucas coisas parecem claras na Síria além de que, é muito fácil morrer, enquanto muitas indagações assombram o mundo.

Pilhas de crianças mortas, adultos inválidos, mulheres estupradas e escravizadas compõem seu novo cenário.

Talvez a maior dúvida seja, afinal, como civis ainda sobrevivam no meio do caos e, na equação do inferno, quem é mocinho e quem é bandido nas terras de Alá?



Prof. Péricles


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