quarta-feira, 25 de maio de 2016

AS INSTITUIÇÕES ESTÃO FUNCIONANDO

Por MARCELO ZERO

Após o golpe, tudo volta ao normal. Tudo volta ao que manda a tradição. As instituições funcionam.

O poder voltou para seus detentores tradicionais: homens brancos, ricos e conservadores. Homens de religiosidade rígida e moral flexível. Homens de contas suíças e política hondurenha, como manda a tradição. As mulheres voltam ao lar e os negros à senzala, como impõe a tradição.

Para conciliar a nação e unir o país, iniciou-se à caça às bruxas contra petistas, progressistas, “bolivarianos”, defensores dos direitos humanos, gays, “abortistas”, “artistas vagabundos” e toda essa fauna que nunca deveria ter chegado perto do poder. Estão fora, como sempre foi na nossa normalidade democrática. Talvez sejam presos, talvez torturados, como reza nossa mais bela tradição.

Na Esplanada, os ministros, na falta de ideias e propostas, dedicam-se a “rever tudo o que foi feito”. Não fazem; reveem o que foi feito. Editam e reeditam a mesma medida provisória várias vezes. Fazem e desfazem ao mesmo tempo, num confuso ioiô cultural. Desfazem até o que eles mesmos fizeram. Esse governo não governa. Esse governo desgoverna. Como era a tradição. Como era normal.

Fazer, mesmo, só o déficit monumental. Deram a si mesmos um enorme cheque em branco para evitar as acusações que eles mesmos utilizaram. À população darão os tradicionais e sombrios pacotes de maldades. Tudo como esperado.

No Senado, prepara-se o rito sumário do julgamento de cartas marcadas iniciado por Eduardo Cunha por vingança política. Segue-se escrupulosamente o rito, faz-se a inescrupulosa condenação sem crime. Sem mérito, mas com muitas formalidades e salamaleques. Como manda a tradição.

Na Câmara, o chefão acusado por um cruel, malvado e anônimotrust suíço continua a mandar no país, mediante seus subordinados no Planalto. Tudo certo.

A mídia plutocrática, antes o maior partido de oposição, volta a ser um diligente partido da situação, defendendo os verdadeiros donos do poder. Como determinam a tradição e a normalidade.

Após cumprir o cívico papel de criminalizar o PT, as gavetas das instituições de controle voltarão a se encher com processos incômodos. Como era a tradição.

As ruas voltam a ficar vazias e as bandeiras do Brasil regressam aos baús cínicos da indignação seletiva. Como sempre foi. As panelas tornam a silenciar em homenagem à normalidade restaurada.

O Itamaraty, que fez silêncio obsequioso ante o atentado à democracia, agora dirige decibéis grosseiros contra potências imperialistas como Nicarágua e El Salvador, que ameaçam a soberania e a imagem do golpe. Volta-se a falar grosso com a perigosa Bolívia. Promete-se, no entanto, mansidão de trato com países pacíficos e modestos, como os EUA. Volta-se ao normal.

Os pobres, que haviam entrado de modo solerte no Orçamento, preparam-se para dele sair. A pinguela para o passado prepara os cortes no Bolsa Família, no Minha Casa Minha Vida, na saúde pública, no Prouni, no Fies, no Pronatec, nos institutos federais, nas universidades. Afinal, a constituição cidadã e os pobres não cabem no Orçamento. Nele cabem apenas rentistas e ricos. Como reza a nossa gloriosa tradição de exclusão.

Os médicos estrangeiros sairão do país, os negros e pobres sairão das universidades, as crianças do Bolsa Família sairão das escolas. Os sem casa voltarão às ruas, as crianças retornarão aos sinais, pobres e negros voltarão às favelas e às filas do desemprego. Gays e transexuais voltarão á marginalidade. Mulheres regressarão ao seu lugar. Trabalhadores deixarão a proteção legal da CLT e voltarão à precariedade e ao subemprego. Quem foi à classe média retornará à pobreza.

Toda essa “herança maldita” de igualdade será revista, seguindo nossos sólidos cânones históricos, que sempre privilegiaram os privilegiados. Como deve ser.

Os aeroportos serão, de novo, apenas dos abastados e o poder será somente de quem pode. Tudo voltará ao normal. Reza a tradição que o Brasil é para poucos.

Quem entrou na Casa Grande, voltará à Senzala. Como sempre foi, como deve ser.

Não se preocupem. No Brasil, as instituições estão funcionando.



MARCELO ZERO é Sociólogo, especialista em relações internacionais e assessor da Liderança do PT no Senado








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