terça-feira, 18 de outubro de 2016

FAZ DE CONTA QUE ESTÁ TUDO BEM


Provavelmente uma das características mais brasileiras do jeito de viver e de fazer política seja o “faz de conta que está tudo bem para não ficar pior”.

Essa ideia de que, para evitar barraco e maior confusão o melhor mesmo é “deixar assim”.

Com o tempo o “deixa assim” e o “faz de conta” acabam criando uma espécie de realidade paralela que longe de ajudar, prejudica o país e as pessoas na escolha de seus caminhos.

Foi o que aconteceu com o Atentado da Rua Toneleros, supostamente contra à vida do jornalista e político Carlos Lacerda que resultou na morte de um militar amigo que estava com ele ao chegar em casa na Rua Toneleros.

Os militares e os udenistas usaram o “atentado” para destituir Getúlio (que se suicidou antes) mesmo com o caso apresentando várias incongruências, como, o calibre da bala que atingiu Lacerda ser diferente do calibre do revólver do atirador.

Para não ficar pior “faz de conta” que está tudo bem e segue o baile, que, como vimos, acabaria em tragédia pessoal de Vargas e para o país.

A mesma coisa ocorreu no fim da Ditadura Militar.

A Ditadura foi responsável pela prisão e tortura de muitos brasileiros. Muitas morreram no cárcere sob a custódia do Estado, outros desapareceram para sempre.

Ao final do período tenebroso o normal é que se fizesse justiça aos perseguidos. Não uma infrutífera perseguição aos perseguidores, mas uma necessária ação para promover a verdade dos fatos e condenações aos culpados vivos e mortos.

No mínimo um profundo olhar no espelho e um mea culpa.

Mas, no Brasil do “faz de conta” mais uma vez a opção foi passar uma borracha sobre os fatos alegando conceitos vagos como “revanchismos” ou “caça às bruxas” ou o detestável “quem morreu, morreu”.

Rever a história é a forma correta de cicatrizar as feridas abertas, aliviar as dores de quem teve entes queridos varridos pela violência do regime e estabelecer uma relação sincera com seu passado.

A Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei 2528/2011 em 16 de maio de 2012 teve apenas dois anos de prazo para seus trabalhos e não pôde sugerir nenhum tipo de punição aos culpados em seu relatório final de dezembro de 2014.

Nenhum torturador foi punido. Nenhum ditador foi mencionado. Tudo terminou como se nada tivesse acontecido, a não ser para os lares que ainda choram a ausência de seus desaparecidos, pois nesses lares a ditadura ainda não terminou graças a insuficiência de objetivos e ações da tal Comissão.

Mas o governo achou melhor assim. Os militares acharam melhor assim. E ficou por assim mesmo.

São coisas como essas que permitem aos fascistas brasileiros acreditar que podem fazer o que quiserem pois jamais serão cobrados pelo que fazem.

A mesma impunidade que encoraja bandidos comuns, encoraja os bandidos políticos.

Tivessem os golpistas de ontem sido chamados por seus verdadeiros nomes talvez os golpistas de hoje pensassem melhor antes de derrubar uma presidente eleita por mais de 54 milhões de votos.

Mussolini foi fuzilado e seu corpo exposto pendurado de cabeça para baixo em praça pública.

Não precisaríamos disso. Preservando a civilidade e dando aos agressores as oportunidades de defesa que os mortos e desaparecidos não tiveram, bastaria a força da Lei.

Agora resta a comprovação de que, por trás do mesquinho golpe de agora, estão velhos vícios brasileiros, como esse, de fazer de conta que tudo está bem e deixa assim que é melhor.



Prof. Péricles





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