quinta-feira, 9 de março de 2017

O HOMEM ESCOLHEU O PESADÊLO


Por Maria Lúcia Dahl



Estive pensando muito na minha geração, da qual fui fã e tiete. Admirei e defendi ardorosamente toda a sua virada de mesa dentro de um contexto geral: político, social, sexual, bissexual, feminista, libertário e até na revolução da moda, das saias, dos cabelos, reflexo imediato do pensamento revolucionário.

Mas agora, depois de essa mesma geração estar no poder comecei a repensar nossas atitudes.

Para mim, 68 não tinha erro, embora fosse uma geração experimental e nem toda experiência seja fadada ao sucesso, mesmo que eu continue achando muito melhor tentar do que ficar parado, até prova em contrário.

Quando o pai da minha filha, líder estudantil e exilado político, discursava na Cinelândia, ao lado de Vladimir Palmeira, dizendo: “ Nós vamos tomar o poder”, eu me preocupava, porque os achava jovens demais, sem experiência nem prática, apenas terminando a faculdade.

Então, trinta anos depois, quando finalmente tomamos o poder, pensei: “ agora tudo vai dar certo. Está todo mundo mais velho, mais sábio, mais experiente e amadurecido em suas ideias. O que eu não podia imaginar era que, pelo menos a maioria não pensava mais daquele jeito.

Como posso admitir que alguém vá preso e torturado por um ideal se realmente não acredita nele acima de tudo?

Ninguém é crucificado pra ficar rico, privando o povo de escolas, hospitais, aposentadoria, dignidade. Isso pra mim não bate. Ou se está de um lado ou de outro.

Será que, diferentemente do que eu achava, se tivessem tomado o poder quando jovens, teria sido diferente? Que só jovem tem ideologia? Que com a idade troca-se a ideologia pelo poder? Que a força da grana, como diz Caetano, ergue e destrói coisas belas?

Que éramos apenas sonhadores, como dizia Bertolucci? Libertários na ficção, na imaginação e que a teoria, na prática era outra?

Por um momento fiquei confusa, até constatar que continuo acreditando nos mesmos valores: democráticos, políticos, sociais, bissexuais, feministas, libertários. Continuo acreditando em “liberdade sem medo”, que era o lema de Summerhill, o que havia de mais amoroso e avançado em matéria de educação, continuo acreditando no amor e na paz como condições definitivas para o progresso, continuo apoiando a verdade contra os fingimentos da década de 50, cheios de garçonnières, esconderijos, traições, mentiras.

Mas infelizmente, não acredito mais no ser humano. Não era o pensamento nem o ideal da minha geração que estavam errados, ambos estavam certíssimos, e não tenho dúvidas de que pertencia a uma juventude que queria mudar o mundo de verdade.

Não acho que tenhamos sido apenas sonhadores. Nossa teoria estava certa e o sonho só acabou, como disse Lênin e depois Lennon, porque o homem continua bárbaro e não evolui um segundo da Idade da Pedra, até agora, em matéria de consciência. Prefere a guerra, o desamor e o sofrimento em nome do dinheiro e do conforto.

Mas que conforto, se o feitiço virou contra o feiticeiro?

Quem espalha miséria, sofrimento, escravidão, receberá tudo isso de volta. É a lei do retorno, da consciência, dos atos. Para que vivêssemos em paz, bastaria amar o próximo como a nós mesmos. Por isso acho que não foi Summerhill que errou em dar liberdade sem medo às crianças não é a opção sexual que nos faz melhores ou piores, mas o fingimento, a mentira.

Tudo o que não for verdadeiro sairá do fundo do poço, felizmente sobrando a esperança, como na caixa de Pandora. Basta saber o que fazer com ela.

Porque não foi o sonho que acabou, mas o homem que escolheu o pesadelo.



Maria Lúcia Dahl , atriz, escritora e roteirista.

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