quinta-feira, 15 de junho de 2017

A JUSTIÇA E SEUS PENICOS


Por Joan Edesson de Oliveira


Clodoveu Arruda foi um advogado cearense, de Sobral, Secretário do Interior e Justiça e Secretário da Fazenda no governo de Faustino de Albuquerque, cujo mandato foi de 1947 a 1951.


Homem culto, conservador, foi destacado ator na política cearense, especialmente na zona norte do estado. Deixou um vasto anedotário, especialmente na sua área de atuação, o Direito.


Uma dessas deliciosas histórias, contada pelo ex-prefeito de Sobral Veveu Arruda, seu neto e homônimo, diz respeito à contestação de uma sentença judicial, considerada injusta por Clodoveu Arruda.


Um juiz havia condenado um seu cliente e imposto a esse uma multa. Irritado com o que considerava uma injustiça, e aproveitando que o juiz não determinara que a multa fosse obrigatoriamente paga em dinheiro, orientou o cliente a que comprasse no mercado local o mesmo valor estipulado pelo juiz em penicos. Sem papas na língua, juntou à carroça carregada com a divertida carga de penicos um bilhete de desaforado bom humor, a ser entregue ao juiz: “Para uma justiça de merda, só mesmo muito penico”.


No estranho Brasil dos últimos anos, cada vez mais parecido com os lugares do realismo mágico latino-americano, é impossível não pensar naquele bilhete ao ouvir a justiça brasileira, de norte a sul do país.


Parecemos cada vez mais propensos a permitir que a judicialização da política brasileira permita que o poder seja exercido por procuradores e juízes sem voto, substituindo a vontade popular por uma muito discutível meritocracia.


Da mais ínfima comarca até o que deveria ser um Supremo Tribunal Federal são incontáveis os casos em quem poderíamos, sem chances de erro, enviar aquele bilhete e aquela carroça.


Agora mesmo é possível acompanhar pela televisão e pela internet os edificantes debates no Tribunal Superior Eleitoral, onde um juiz manda a modéstia às favas e afirma que o outro só tem oportunidade de “brilhar na tv” por sua causa, como se os juízes fossem astros da televisão.


O outro, em tom lamuriento, reclama de uma amizade de mais de vinte anos, a não merecer aquele ataque, imaginando tudo como um compadrio, um convescote de velhos amigos.


Há juízes com páginas de apoio na internet, com seguidores que passam do milhão nas redes sociais. Ministros do que deveria ser o Supremo reclamam no exterior que a legislação trabalhista brasileira é bondosa demais para os trabalhadores. Ou, do alto do seu pensamento branco e elitista, elogiam os “negros de primeira linha”, dando a entender que os há de segunda, de terceira, de quarta linha.


São tantos, mas tantos, que haverá dificuldades para se catalogar todos os absurdos proferidos no Brasil de hoje em nome da justiça.


Da primeira à última instância há juízes abertamente partidários, que combatem um lado com jurídica ferocidade, enquanto posam sorridentes com representantes do outro lado, mesmo que sejam esses acusados e réus.


Talvez os que vierem depois de nós não acreditem que uma mulher grávida foi presa e condenada por roubar ovos de páscoa e peito de frango, e que tenha recebido uma sentença muitíssimo mais dura que homens que roubaram na casa dos milhões.


Talvez não acreditem que uma mulher, ex-ministra, foi condenada a indenizar um ator pornô que confessou um estupro, apenas porque ela disse a verdade, que o ator pornô confessou um estupro ao vivo em um programa de televisão. Talvez não acreditem que quem condenou a ex-ministra foi outra mulher.


Talvez, os que vierem depois de nós, tenham dificuldades em compreender os estranhos tempos que vivemos.


Voltando a Clodoveu Arruda, fico a imaginar que se vivo ele fosse, e advogasse em nome das duas mulheres do parágrafo anterior, teria muita dificuldade para encontrar, no mercado local, uma quantidade tão grande de penicos, à altura daquelas sentenças.











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