sábado, 30 de setembro de 2017

D. PEDRO II E O QUADRO MALDITO


Sacanearam o jovem D. Pedro II.


Agentes políticos brasileiros, encarregados de achar uma noiva para o imperador, enviaram pra ele uma pintura de uma morena gatíssima, com uma linda paisagem de Nápoles ao fundo. O guri se apaixonou.


Depois de inúmeros preparativos oficiais para o casamento, a noiva, finalmente chegou no Brasil.


Pobre D. Pedro, só então percebeu que a bela da foto não tinha muito a ver com a original de carne e osso. Uma mulher relativamente, feia.


Bateu até depressão, mas, compromissos de estado não podiam ser cancelados assim, e teve que encarar o casamento com Teresa Cristina.


D. Pedro II jamais gostou realmente da esposa. Deve ter passado o resto da vida amaldiçoando a inspiração de pintores de retratos.


Entretanto ele se apaixonou cegamente por uma mulher que, apesar de nobre, jamais poderia ser sua imperatriz: Luísa Margarida Portugal e Barros, a condessa de Barral.


Foram 34 anos de intensa paixão.


Luisinha era magra, elegante, refinadamente educada, não era exatamente, bonita, mas era encantadora e sensual.


Conheceram-se na Bahia quando ela se aproximou das duas filhas do imperador, Isabel e Leopoldina. Foi aia das meninas ensinando um pouco de francês e etiqueta.


Com ela ele podia conversar sobre qualquer assunto, principalmente sobre artes, livros, teatro e ciências já que a moça foi criada na França, era bem informada e curtia os prazeres do conhecimento.


Mas não apenas esses prazeres.


Ao que parece D. Pedro II sentia ciúmes de Luísa, uma faceta totalmente desconhecida do homem que governou o Brasil por mais tempo.


Morreram no mesmo ano, 1891. Ela em janeiro, ele em dezembro. Ambos moravam em Paris e, ao que parece, o caso sobreviveu ao exílio e ao tempo. Ela morreu com 74 anos e ele com 65.


O Imperador do Brasil teve uma vida pública, discreta e sem escândalos, mas, uma vida amorosa, totalmente clandestina.


De onde podemos concluir que até mesmo os mais espertos quebram a cara quando se deixam levar pelas aparências.


Maldito quadro!




Prof. Péricles

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

MINHA AMIGA IMPERATRIZ


Ela chamava atenção não apenas por seu porte físico avantajado, mulher alta e farta, como também pela forma de caminhar, de pés descalços como se calçasse um sapato de salto muito alto.


Moradora de rua, eu a chamava de Imperatriz.


Dizia ser neta do imperador D. Pedro II do Brasil e, quando em surto, agitava uma amassada folha de papel em branco, dizendo ser sua certidão de nascimento como prova de sua origem imperial.


Aproximava-me sempre que possível isso é, quando não estava alucinada ou embriagada. Conversamos muito, lado a lado na calçada.


Queria entender por que, na mente enlouquecida de uma pessoa, aparentemente tão simples, a fantasia era ser neta de D. Pedro II.


Não tinha conhecimentos de história muito maiores do que a média das pessoas mas revelava conhecimento incomum sobre a família imperial.


Jamais morou no Rio de Janeiro, mas dizia ter nascido em Petrópolis.


Numa de nossas primeiras conversas eu sorri e disse “claro, você é filha da Princesa Isabel não é?”.


Para meu espanto, serenamente ela respondeu não, da outra filha, a Leopoldina.


Leopoldina Teresa Francisca de Bragança e Bourbon foi a segunda filha de D. Pedro II e a segunda na linha de sucessão ao trono. Morreu prematuramente com apenas 23 anos, em 1871 e, que se saiba, teve apenas dois filhos homens.


Conversamos muito tempo, por muitos anos espaçados.


Dizia ter tido uma infância de princesa e perdido seus títulos quando foi proclamada a “maldita” república (ela sempre cuspia quando falava república).


Contava de suas viagens por todo o país que nunca lhe fez uma só reverência. Não frequentou salões da corte, nem viajou ao exterior embora quisesse muito conhecer Nápoles, terra de sua vó D. Teresa Cristina (informação absolutamente correta).


“Minha vó era uma mulher silenciosa porque sofria. Ela sabia que meu avô D. Pedro não a amava e gostava de outra”.


Sempre senti uma profunda admiração por sua loucura e jamais consegui compreender sua origem.


Se imaginar bela, rica ou esposa de um artista famoso é para as comuns.


Minha amiga sonhava ser neta de um imperador deposto e esquecido e filha de uma princesa que sequer era herdeira ao trono.


Quando soube de sua morte, senti a profunda tristeza de um súdito abandonado.


Até hoje, me pego imaginando se lá pelas estrelas mais afastadas do firmamento, aquelas exiladas do lado nobre do céu, ela não estará com seus trajes de gala do século XIX, finalmente calçando sapatos altos que sempre imaginou calçar, dançando, feliz, uma valsa de Strauss, num salão repleto de luz e reconhecimento.


Fecho os olhos e a imagino imponente, com um sorriso discreto, permitido à nobreza.


Descanse em paz Sua Alteza.


A Imperatriz das calçadas, finalmente chegou aos céus.



Prof. Péricles

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

TECNOLOGIA


Por Luis Fernando Veríssimo



Para começar, ele nos olha nos olha na cara. Não é como a máquina de escrever, que a gente olha de cima, com superioridade.


Com ele é olho no olho ou tela no olho.


Ele nos desafia. Parece estar dizendo: vamos lá, seu desprezível pré-eletrônico, mostre o que você sabe fazer.


A máquina de escrever faz tudo que você manda, mesmo que seja a tapa.


Com o computador é diferente. Você faz tudo que ele manda. Ou precisa fazer tudo ao modo dele, senão ele não aceita. Simplesmente ignora você. Mas se apenas ignorasse ainda seria suportável.


Ele responde. Repreende. Corrige. Uma tela vazia, muda, nenhuma reação aos nossos comandos digitais, tudo bem. Quer dizer, você se sente como aquele cara que cantou a secretária eletrônica. É um vexame privado. Mas quando você o manda fazer alguma coisa, mas manda errado, ele diz “Errado”. Não diz “Burro”, mas está implícito. É pior, muito pior.


Às vezes, quando a gente erra, ele faz “bip”. Assim, para todo mundo ouvir.


Comecei a usar o computador na redação do jornal e volta e meia errava. E lá vinha ele: “Bip!” “Olha aqui, pessoal: ele errou.” “O burro errou!”


Outra coisa: ele é mais inteligente que você. Sabe muito mais coisa e não tem nenhum pudor em dizer que sabe.


Esse negócio de que qualquer máquina só é tão inteligente quanto quem a usa não vale com ele. Está subentendido, nas suas relações com o computador, que você jamais aproveitará metade das coisas que ele tem para oferecer. Que ele só desenvolverá todo o seu potencial quando outro igual a ele o estiver programando.


A máquina de escrever podia ter recursos que você nunca usaria, mas não tinha a mesma empáfia, o mesmo ar de quem só agüentava os humanos por falta de coisa melhor, no momento.


E a máquina, mesmo nos seus instantes de maior impaciência conosco, jamais faria “bip” em público.


Dito isto, é preciso dizer também que quem provou pela primeira vez suas letrinhas dificilmente voltará à máquina de escrever sem a sensação de que está desembarcando de uma Mercedes e voltando à carroça.


Está certo, jamais teremos com ele a mesma confortável cumplicidade que tínhamos com a velha máquina. É outro tipo de relacionamento, mais formal e exigente. Mas é fascinante.


Agora compreendo o entusiasmo de gente como Millôr Fernandes e Fernando Sabino, que dividem a sua vida profissional em antes dele e depois dele.


Sinto falta do papel e da fiel Bic, sempre pronta a inserir entre uma linha e outra a palavra que faltou na hora, e que nele foi substituída por um botão, que, além de mais rápido, jamais nos sujará os dedos, mas acho que estou sucumbindo.


Sei que nunca seremos íntimos, mesmo porque ele não ia querer se rebaixar a ser meu amigo, mas retiro tudo o que pensei sobre ele.


Claro que você pode concluir que eu só estou querendo agradá-lo, precavidamente, mas juro que é sincero.


Quando saí da redação do jornal depois de usar o computador pela primeira vez, cheguei em casa e bati na minha máquina. Sabendo que ela agüentaria sem reclamar, como sempre, a pobrezinha.




Luis Fernando Verissimo, jornalista e escritor gaúcho.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

O ITINERÁRIO DE UM DESASTRE



Em 1995 o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu uma amostra pública do seu compromisso com o capital financeiro, o inesquecível Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer).



Nenhum governo teve mídia tão favorável quanto o de FHC, o que não deixa de ser surpreendente, visto que em seus dois mandatos ele realizou uma extraordinária obra de demolição, de fazer inveja a Átila e a Gêngis Khan.



Vale a pena relembrar algumas das passagens de um governo que deixou uma pesada herança para seu sucessor.



1994 e 1998



O dinheiro secreto das campanhas: Denúncias que não puderam ser apuradas, graças à providenciais operações “abafa”, apontaram que tanto em 1994 como em 1998 as campanhas de Fernando Henrique Cardoso foram abastecidas por um caudaloso esquema de caixa-dois.



Em 1994, pelo menos R$ 5 milhões não apareceram na prestação de contas entregue ao TSE. E em 1998, teriam passado pela contabilidade paralela nada menos que R$ 10,1 milhões.



A farra do Proer?


Na calada de uma madrugada de um sábado de novembro, assinou uma medida provisória instituindo o Proer.



Um programa de salvação dos bancos que injetou 1% do PIB no sistema financeiro. Um dinheiro que abandonou o sofrido Tesouro Nacional, para abastecer cofres privados. A começar pelo Banco Nacional, então pertencente a família Magalhães Pinto, da qual um de seus filhos era agregado. Não é mesmo FHC?



Cepal



O Proer demonstrou em 1996, como seriam as relações do governo FHC com o sistema financeiro. Para FHC, o custo do programa ao Tesouro Nacional foi de 1% do PIB. Para os ex-presidentes do BC, Gustavo Loyola e Gustavo Franco, atingiu 3% do PIB.



Mas para economistas da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), os gastos chegaram a 12,3% do PIB, ou R$ 111,3 bilhões, incluindo a recapitalização do Banco do Brasil, da CEF e o socorro aos bancos estaduais.



E agora, FHC, você ainda vem aqui querendo dizer o que…?



Por Maria Fernanda Arruda,  escritora e colunista do Jornal Correio do Brasil.



domingo, 24 de setembro de 2017

PREMINIÇÕES E VISÕES EXTRAORDINÁRIAS



O maravilhoso e o sobrenatural, sempre exerceram fascínio sobre o Homem. Quer na intimidade dos templos romanos na companhia das vestais, quer ao lado das sensitivas egípcias, ou através da boca profética dos filhos de Israel, o mundo desconhecido do além-túmulo sempre atraiu a curiosidade e a satisfação dos interesses humanos.


São sonhos premonitórios, visões à distância, curas, comunicações entre mortos e vivos, enfim, toda uma gama de implicações fenomênicas que estiveram e estão presentes em diferentes épocas e culturas.


Segundo o orador romano, Cícero, "não há um povo tão sofisticado e educado, ou tão bruto e bárbaro, que não acredite que o futuro possa ser revelado, entendido e previsto por certos indivíduos".


Na antiga Grécia, uma fonte murmurante ou, simplesmente, o balançar das folhas das árvores pela força dos ventos, já seriam suficientes para a interpretação ou previsão de fatos que viriam do futuro.


Também, os oráculos manifestados pelas vozes de sacerdotisas jovens e virgens, e que, apenas a castidade já seria um sinal de garantia para conduzir a credulidade dos leigos à originalidade do fenômeno, e desta forma trouxeram à tona grandes lições que tanto homens do povo, quanto reis e rainhas jamais esqueceram.


Em torno de Aníbal, o cartaginês, reza uma tradição de que ele era especialista em interpretar as entranhas dos animais. Antes de se tornar o temível general, fora consultor militar de Prussias de Bitínia. Quando Aníbal consultou as entranhas, sugeriu a Prussias que não participasse da guerra, pois perderia, ao que o rei retrucou, sentindo-se ofendido: "quer dizer que você confia mais em uma porção de carne de bezerro do que em um general experiente?" Cícero narra que Prussias perdeu a guerra. Não se sabe, ao certo, as condições da guerra em que Prussias se envolveu, porém, haveria outros motivos que pudessem explicar a precisão de sua derrota, levando em conta inclusive que Aníbal era um excelente estrategista em combate.


No que diz respeito aos fenômenos de cura, a história romana, através de Tácito, o historiador, relata que o próprio imperador Vespasiano chegou a curar um homem cego que lhe pediu que cuspisse em seus olhos, e também, curou outro que lhe rogou que pisasse em sua mão atrofiada. Segundo Tácito, os dois doentes foram curados de suas mazelas.


Práticas estranhas de curandeirismo foram muito comuns entre os hassidim galileus e Jesus viveu na época deles, chegando também a adotar a cura, usando o cuspe, conforme narra o evangelho atribuído a Marcos.


O sobrenatural toma proporções assustadoras, quando se trata de sondar os mistérios que envolvem as aparições dos espíritos.


Os relatos dos que já presenciaram fenômenos provocados pelos mortos, que ao que tudo indica estão bem vivos, variam desde a movimentação de objetos, os chamados Poltergeist, passando pelos raps, ou pancadas, chegando mesmo aos fenômenos de tangibilidade, quando aqueles que acreditávamos ter desaparecido da Terra, voltam para dar testemunho de que a vida não foi interrompida pela morte.


Há várias casas antigas na Inglaterra que os moradores quando as alugam, colocam uma cláusula no contrato, resguardando seus direitos de terem restituído o investimento financeiro, caso a residência apresente fenômenos de Poltergeist.


Em pesquisas que tenho feito sobre a presença romana na Inglaterra, deparei-me com fatos extraordinários de aparições espirituais que cercam o centro da cidade de Londres e que, ainda hoje, movimentam a opinião dos que transitam pelo local.


Na frente do London Museum, é possível visualizar ruínas de um forte romano do século II d.C que foram descobertas após os ataques alemães da Segunda Grande Guerra.


Em um antigo jornal da cidade que consultei, há um depoimento que conta que um homem que voltava tarde do trabalho, e passando diante das ruínas, viu um espectro trajando roupas de soldado romano que saiu da parede do forte, esticando o braço, impedindo que o cidadão avançasse. O homem, ao olhar para a enorme parede feita de pequenas pedras, viu, nitidamente, o Espírito fundindo-se na imagem gasta, pelo tempo, das ruínas.


Enquanto estive presente no local, várias pessoas confirmaram este e outros fatos, envolvendo, não apenas, o soldado romano, mas também, as aparições das vítimas da peste negra que foram sepultadas nas proximidades daquelas ruínas.


Caso você queira visitar o espírito romano, vale salientar que o local já faz parte do roteiro turístico de Londres.




Por Liszt Rangel



sábado, 23 de setembro de 2017

AS 100 VIDAS DE LULA


Se dependesse dos adversários, Lula estaria morto. Se possível, teria morrido várias vezes. Tantas quantas as “balas de prata”, os “golpes fatais” e as “bombas atômicas” que acharam que o atingiram.

Semana passada, com as delações de Antônio Palocci, reencenaram o espetáculo da morte de Lula. O script foi rigorosamente cumprido: primeiro, o anúncio de “grandes revelações”; segundo, um interrogatório encenado; depois, a divulgação espalhafatosa, acompanhada da promessa de que o delator ainda tinha “muito a dizer”. No outro dia, o coro dos comentaristas, repetindo que, dessa, Lula não escapava.

Tudo velho. Perdemos a conta de com quantos desses espetáculos o País foi brindado de 2015 para cá.

Na variante adotada com Palocci, o roteiro envolve uma desmesurada prisão arbitrária, mantida até que se quebre a resistência do prisioneiro e ele “confesse”. Os mais sujeitos a ceder e concordar em dizer aquilo que os carcereiros determinam são os de poucas convicções e muito a perder. Quantos milionários já se prestaram ao papel de Palocci? Topam tudo para preservar a riqueza.

Existe outra variante, em que as teatralizações são personificadas diretamente por juízes, promotores e delegados. Vimos muitas, desde os interrogatórios a que o ex-presidente foi submetido à recente sessão de promulgação de sentença. Mas nenhuma superou o ridículo da mise-en-scène do PowerPoint.

Até agora, nenhuma dessas pantomimas foi eficaz. Lula sobreviveu às incontáveis acusações que sofreu da imprensa corporativa, às horas de denúncias do Sistema Globo, às capas de revistas e manchetes afirmando sua culpa. Não morreu a cada prisioneiro que tiraram da cela para recitar a “colaboração premiada”.

Está vivo depois de ser coercitivamente conduzido a depor e de ser objeto dos jogos de cena de promotores. Resistiu à condenação de Sérgio Moro.

Todas as pesquisas mostram que Lula fez mais do que sobreviver. Do ano passado para cá, sua imagem melhorou e cresceram suas intenções de voto. O silêncio da mídia corporativa sugere que seus institutos apontam o mesmo. Terá sido a delação de Palocci a primeira a mudar esse panorama? Os antilulistas têm motivos para comemorar a lastimável exibição a que o ex-ministro se prestou?

Podemos repetir o que afirmamos em julho, logo após a sentença de Moro: “O mais provável é que, no fundamental, as intenções de voto para as próximas eleições tenham mudado pouco: quem se dizia propenso a votar no ex-presidente deve manter a opção. O que significa que o favoritismo de Lula deve permanecer”.

Para o antilulismo, grave não é somente constatar que não consegue erodir o apoio que Lula sempre teve em uma vasta parcela da opinião pública. Pior é perceber que só lhe resta seu próprio “núcleo duro”, a minoria mais conservadora e reacionária da sociedade.

A melhora de Lula em todos os indicadores revela que as pessoas menos politizadas e com menor definição partidária estão sendo a cada dia menos afetadas pelas encenações que lhes são apresentadas. Elas pararam de prestar atenção e de acreditar na cantilena que ouvem.

Uma das razões para isso é a incapacidade do antilulismo no Judiciário, na mídia e no sistema político de comprovar qualquer malfeito do ex-presidente. Falam em milhões e bilhões, mas o máximo que conseguem de concreto é insistir em um apartamento que não é dele e um sítio com churrasqueira e pedalinho. Enquanto isso, são malas de dinheiro correndo de cá para lá, empilhadas em apartamentos.

Lula está bem nas pesquisas e lidera com folga a corrida para a eleição de 2018 porque, para uma proporção majoritária do País, é bom e é melhor do que os outros políticos. A maioria gosta dele e o admira, de muito a alguma coisa, restando 30% que antipatizam com ele. Ao contrário de quase todos os políticos, o saldo entre o que fez de bom e de errado é visto como largamente positivo.

Apenas uma minoria supõe que enriqueceu e se afastou das pessoas comuns. A maioria sabe (ou sente) que sua vida desmente as acusações que os inimigos fazem e, a cada vez que restabelece o contato direto com o povo, como agora na caravana pelo Nordeste, volta a percebê-lo como seu igual.

Para a maioria da população, Lula continua a ser o velho Lula de sempre. Não há espetáculo de juízes e promotores, não há carnaval midiático que mude algo tão simples.



Por Marcos Coimbra

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

RUÍNA E BANDIDOS


POR Fernando Brito



Não há dúvida possível de que havia lama em imensa quantidade na política.



Havia, não. Há, como nunca, vê-se pelos geddéis acumulados no apartamento de Salvador.



Nunca deixou de haver, desde as capitanias.



Mas ocorreu com o Brasil algo parecido à mecânica quântica, onde de um fenômeno quântico existe só pelo simples fato de observá-lo e a forma com que se observa.



A lama só vaza onde os donos do MP e do Judiciário desejam. Literalmente, vazamento seletivo.



O processo de destruição da esquerda por suas concessões à “politica como ela é”, sem a qual não teria governado, acabou por ter rachaduras laterais, por onde foram se aprofundando fissuras que levaram aos “efeitos colaterais” sobre o PSDB (onde se encarregam de por o “cola-tudo” da omissão e do esquecimento) e do PMDB, onde a deterioração moral de seus líderes, reduzidos a um “quadrilhão” aproxima tudo de uma catástrofe.



O dramático para o povo brasileiro é que estre processo moralista não é um processo saneador, mas devastador.



Nossa economia soterrou-se sob a avalanche, destruíram-se empresas, empregos, riquezas. O que resistiu, vende-se como carros velhos, cobertos de sujeira, ao valor da bacia das almas.



Mas há algo ainda pior: fizeram a lama salpicar sobre os nossos olhos, de tal forma que tudo o que olhamos, mesmos as melhores lembranças, nos aparece enlameado, sujo, sem valor.



Pretendem, assim, eliminar todas as referências que o povo brasileiro construiu e os tolos e ingênuos começam a falar em “novas políticas”, como se tudo o que se apresentou, nos últimos anos, como algo assim tenha se mostrado dócil ao status quo e, não raro, praticante dos mesmos pecados que diz condenar à fogueira.



Os personagens mais importantes da vida brasileira, hoje, são os bandidos e os carrascos.



Nem eu, nem ninguém que o perceba, quer entregar a sua vida, a vida dos seus filhos, o futuro de todos nem a bandidos, nem a carrascos.



Na lama não se funda coisa alguma, mas quase tudo se afunda.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

O MP VAI NOS SALVAR DA PEDOFILIA


É curioso.


Quando, nos anos 80 e 90, gente de esquerda, essencialmente, criticava a erotização precoce e a violência nos programas de TV infantis, nas roupinhas fetichistas da Xuxa, nos concursos de “boquinha da garrafa” para crianças do Raul Gil, era chamada de “careta”, stalinista, retrógrado e que quem determinava o topo de programas a ser exibidos era “o gosto do público”, porque o Ibope era a bíblia e as vontade das emissoras, especialmente a Globo, era a lei.


E ainda são.


Agora, depois do ataque dos imbecilóides do MBL à exposição de Porto Alegre, aparecem os “kim concursados”.


Diante do fato de que o promotor de da Infância e da Juventude de Porto Alegre Júlio Almeida, dizer que não há casos de crime de pedofilia na mostra, dois promotores criminais gaúchos, Alexandre Lipp e Sílvio Munhoz, resolveram fazer uma “missão extraoficial” sobre a exposição, para divulgarem uma nota dizendo que ela possuía “o nítido propósito de erotizar o público alvo e induzi-lo a tolerar condutas como orgias, zoofilia e vilipêndio a símbolos religiosos” :


“O evento tinha como finalidade a doutrinação amoral do público infanto-juvenil, e os pais que agora tomaram conhecimento disso podem procurar o Ministério Público para a adoção de providências, sobretudo se descobrirem que os filhos participaram de alguma dinâmica sensorial sugerida no evento, o que pode caracterizar crime contra a dignidade sexual.”


Só mesmo na mente de um tarado pode passar a ideia de que professores, em concluio com o Santander e os artistas que participam da mostra, uniram-se para formar, desde a mais tenra idade, uma geração de pedófilos, zoófilos, orgiásticos e vilipendiadores de ícones religiosos.


Quem sabe não prefiram a solução mais simples da “fera de Deodoro”, sugerindo logo “fuzilar” os responsáveis pela exposição? E levar as criancinhas para ver como se deve tratar quem pensa diferente? E castigar, a fio de ferro e a tosa de cabelo à força, os que acharem que isso é fascismo?


Estou preocupado em ter feito meu filho de 12 anos “a tolerar condutas” dos outros, mesmo aquelas com que não concorde, desde que isso não interfira na maneira em que escolheu viver. Será que mereço um indiciamento criminal, doutores?


Soltaram as feras e já começam a ser tragados por ela, O jornalista e blogueiro gaúcho Políbio Braga, um dos maiores incentivadores desta “caça às bruxas” sexual acaba de ser condenado a pagar R$ 24 mil a dois promotores de Novo Hamburgo, sobre os quais levantou suspeitas de terem feito escutas e negócios.


Cria Cuervos, não é?


PS. A propósito, na minha infância não tinha exposição fechada, mas tinha revistinhas do Carlos Zéfiro correndo escondidas de mão em mão no fundo da sala, cinema “poeira” para entrar com carteirinha falsificada e ver os seios da Florinda Bolkan, e até anúncio pedófilo exibido nas revistas e farmácias, como este famoso no mundo inteiro, de bronzeador, que vinha desde os anos 50 e que reproduzo acima.




Por Fernando Brito

domingo, 17 de setembro de 2017

PELO MENOS TIRAMOS O PT


“Pelo menos tiramos o PT”.


Para grande parcela da população brasileira, esse é seu mais valioso mantra.


Repetem com facilidade a frase que tenta justificar seus erros ou ratificar suas convicções que ameaçam ruir a cada novo escândalo que envolve seus heróis de pés de barro.


Para muitos, tirar o PT do poder era o objetivo mais importante e inegociável da vida.


Incompreensível é que esse objetivo tenha suas bases não na análise e perspectiva sobre o que fizeram ou deixaram de fazer os governos petistas, mas no sentimento irracional de anti-esquerda.


Lula tornou-se para essas pessoas o ícone do PT e o PT o ícone da esquerda.


Tirar Lula/Dilma do Poder era tirar o PT, consequentemente, tirar a esquerda do poder mesmo tendo sido esse poder conquistado nas urnas.


Para essa gente deve-se defender democracia (isso é, tirar o PT) mesmo com ações antidemocráticas.


Assim agiram movidos pelo antismo, e esse antismo é basicamente cultural e não político pois não resiste ao mínimo debate racional.


A anti-esquerda cresceu no Brasil com o fermento do ódio anticomunista, criado pela direita mais retrógrada que, para justificar seus golpes, jamais teve moralismos em qualificar seus adversários como comunistas, mesmo sabidamente não sendo.


Getúlio Vargas foi acusado de comunismo, mesmo tendo sido o governante que fechou a Aliança Nacional Libertadora, baniu o PCB e prendeu suas lideranças, inclusive Luís Carlos Prestes. Vargas não teve pudores nem para entregar numa bandeja à Gestapo, para ser morta, Olga Benário, agente comunista internacional e mulher de Prestes.


Da mesma forma João Goulart, fazendeiro gaúcho e discípulo de Vargas, foi taxado de comunista para ser apeado do poder. Suas propostas de reformas do sistema de ensino, planejamento urbano e agrário foram rotuladas de propostas comunistas e contra elas se organizaram marchas da Família com Deus e pela Liberdade.


No Brasil, a elite esperta sempre usou o preconceito para dirigir a classe média burra.


Dessa forma, se Lula é PT, o PT é esquerda e esquerda é comunista, o que vale é tirar o PT do poder, perseguir e aniquilar a figura de Lula para fazer sangrar a esquerda brasileira.


Pior ainda é que esse anticomunismo virulento e radical não nasce do debate ideológico e da defesa das coisas boas do capitalismo contra os erros do comunismo real, mas do medo de ver os mais “miseráveis” ascender à patamares sociais (que julgam ser a bandeira da esquerda) vedados aos “miseráveis”.


Hoje, o mantra se repete entre uma população mais ou menos arrependida.


Diante das barbaridades cometidas e anunciadas pelo governo Temer, parte da população antista começa a perceber que caiu numa armadilha, mas, para justificar seus erros repete que “o importante foi tirar o PT”.


Não entende essa parcela da população que tirar o PT do poder em cima de uma conspiração da mídia e do judiciário foi fácil, difícil será pagar o preço. E o preço é a desnacionalização do país com à venda do seu patrimônio em leilão, pago em suaves prestações.


O preço poderá será a perda de seus direitos trabalhistas e previdenciários.


Perdemos, mas, o importante foi tirar o PT.


Tirar o governo mais pacífico da história, incapaz de qualquer ato de força e persuasão foi mais fácil que tirar um Brizola (também rotulado de comunista) capaz de botar fogo no circo. Difícil é reconhecer que junto tirou a esperança de milhões de brasileiros que ousaram sonhar.


Junto com tirar uma presidente legitimamente eleita do poder, sem cometimento de qualquer ilícito, tirou-se também o Brasil do clube dos países modernos e em desenvolvimento, respeitado lá fora como nunca fora antes em sua história.


“Pelo menos tiramos o PT”, mais do que um mantra, ameaça se tornar, num futuro imediato, o título do mais triste e bizarro capítulo da história brasileira.



Prof. Péricles

sábado, 16 de setembro de 2017

NÓS GÓRDIOS


O Brasil está amarrado a quatro nós górdios que ninguém conseguiu ainda desatá-los e assim libertá-lo para se auto-construir como país soberano e livre.

O nó górdio vem de uma lenda da mais longínqua província romana, a Frígia, para onde eram levados condenados políticos sediciosos e na era cristã, os herejes. Era uma espécie de Sibéria, lugar de punição a opositores ou defensores de doutrinas heterodoxas.

A lenda diz que tendo ficado vacante o trono, foi escolhido como rei um camponês de nome Górdio. Veio com seu carro de bois. E para honrar Zeus e mostrar a humildade de sua origem, colocou a carroça dentro do templo. Amarrou-a com grossa corda com infindáveis nós de sorte que ninguém conseguia desatá-la. E assim ficou por muito tempo. Até que no ano 334 a.C. passou por lá Alexandre, o Grande. Curioso, foi ver os nós. Circulou ao redor. Não ficou refém dos nós da corda. Teve uma iluminação. Desembanhou a espada. Num golpe cortou a corda. Daí se derivou a conclusão de que uma ideia fora dos quadros convencionais – os nós – pode facilmente desatar os nós e resolver o problema.

O Brasil está amarrado a quatro nós górdios, sem que até hoje chegasse alguém que num corte libertasse o Brasil deles. Mas um dia ele irromperá.

O primeiro nó górdio é o etnocídio indígena. Eram cerca de 4 milhões. O extermínio os reduziu a 800 mil de hoje. O mais vergonhoso extermínio foi a decisão de Dom João VI em 13 de maio de 1808 de declarar uma guerra de exermínio contra os krenak (botocudos) do Vale do Rio Doce. Eram tidos indomesticáveis e por isso deveriam ser exterminados. Quase o foram. Alguns fugiram para dentro da mata. Eles se refizeram e hoje Ailton Krenak é um dos líderes maiores dos povos sobreviventes. A consequência: esses povos originários até hoje são discriminados como inferiores e suas terras com dificuldade são demarcadas e muitos deles são ainda assassinados.

O segundo nó górdio é o nosso passado colonial. Todo processo colonialista é violento: implica invadir terras, impor a língua, a política, a religião e desestruturar a cultura dos colonizados. A colônia criou duas instituições que se transformaram em estruturas mentais: a Casa Grande do senhor que tem o poder de vida e morte sobre os subordinados e a Senzala onde vivem os escravos e os peões sem qualquer direito. A consequência: sempre dependemos de fora, consideramos o que é estrangeiro melhor do que o nosso próprio produto. Deixamos surgir o sentimento de “vira-lata” sem autovalorização.

O terceiro nó górdio foi a escravidão. 4-5 milhões de africanos foram trazidos de África como escravos. Eram postos no pelourinho para serem vendidos como “peças” para servirem como trabalhadores no engenho ou serviçais nas cidades. Eram proibidos de constituir família. Os filhos logo que cresciam eram vendidos para longe e assim romper o laço de afeto entre a mãe e os filhos e filhas. Foram tratados com crueldade como a animais. Consequência: a falta de respeito aos outros, a discriminação e o ódio que grassa na sociedade contra os negros e a seus descendentes. Isso perdura até os dias de hoje. Jessé Souza em sua obra sociológica enfatiza que os descendentes da Casa Grande não apenas os mantém nas periferias mas os humilham e desprezam. Apenas o Governo Lula-Dilma fez alguma reparação para com eles, criando cotas nas universidades e nas escolas técnicas e uma universidade UNILAB em Redenção no Ceará.

O quarto nó górdio que obnubila a realidade brasileira é o patrimonialismo associado à corrupção. O patrimonialismo significa que as oligarquias consideram como privado o bem público, ocupam altos postos do aparelho do Estado, controlam as políticas públicas, entram em consórcio com empresas privadas para realizarem projetos do Estado, ganhando propinas pela mediação ou pelo superfaturamento das obras. Aí corre solta a corrupção que foi naturalizada. Somente nos últimos tempos pela Lava Jato os donos das grandes empresas e políticos dos mais altos escalões foram desmascarados e muitos deles postos na prisão. Esse nó górdio é o mais difícil de ser desatado pois se infiltrou em toda a sociedade como pertencendo ao negócio e ao nosso ser brasileiro.

Se o Brasil quiser construir seu próprio caminho, ganhar autonomia e contribuir para o devenir da nova fase planetária da Terra, deverá cortar estes quatro nós. Um governo com forte liderança e coragem e com sentido de nacionalidade poderá cortar esses nós, como condição de realizarmos o sonho brasileiro.

Não perdemos a esperança de que esse dia chegará.

Energias ponderosas estão impulsionando nesta direção.



Por Leonardo Boff, teólogo, escritor e professor universitário

domingo, 10 de setembro de 2017

OS FURACÕES PASSAM



Mensagem em nome de um brasileiro chamado Carlos André Montenegro, que mora e trabalha em Miami há dois anos, circula pela internet destacando as medidas tomadas pelo estado para evacuar a região sul da Flórida diante da chegada do furacão Irma.



São milhões de pessoas evacuadas por terra e por ar, com ordem nas estradas e companhias aéreas oferecendo passagens a preços módicos (98 dólares) para que o maior número possível de pessoas possa abandonar a região em ordem e com tranquilidade.



Além disso, hotéis que receberão por alguns dias essa quantidade impressionante de pessoas libera o wi-fi e a programação de tv a cabo, especialmente às voltadas para crianças, no sentido de que, a estada que poderia ser de terror transcorra da maneira mais agradável possível.



Ressalte-se que o estado oferece ainda, transporte gratuito para os que estão sem condições financeiras ou de saúde para se locomover.



A mensagem termina com o autor lembrando a tragédia de 2011 na serra do Rio de Janeiro, especialmente Teresópolis, com milhares de vítimas fatais, onde o povo foi praticamente abandonado à sua própria sorte e, hoje, sabe-se, até o dinheiro enviado para a reconstrução das casas foi desviado por autoridades corruptas e imorais.



Lembramos também, da tragédia dos vendavais (ciclones), aqui no Rio Grande do Sul, que destelharam milhares de casas e que tiveram como respostas de nossos empresários o aumento do preço da lona e dos materiais de construção.



Não há espaço para ingenuidade e sabemos que, certamente, o governo da Flórida também tem seus esqueletos no armário, mas, ao menos em tempos de tragédia parece haver entre as comunidades norte-americanas a esperança de que não serão esquecidos pelas autoridades.



Parece não ter sido isso que aconteceu em Nova Orleans com o furacão Katrina, mas...



Parece que, na hora das tragédias é que se conhece a verdadeira face das pessoas poderosas que podem auxiliar (ou não) os mais carentes. Não é na hora da campanha eleitoral, ou na demagogia de cada dia, mas, nessas horas é que a verdade se escancara.



O povo americano sofre anualmente com a temporada dos furacões, mas, talvez mais sofrido seja o povo brasileiro, livre de furacões, mas que sofre todos os dias os efeitos nefastos da ambição desmedida de uma das elites mais arcaicas e reacionárias do mundo.



Os furacões passam e os atingidos retornam aos seus lares.



Já as consequências da fome de poder, ganância e políticas públicas que esquecem dos mais fracos e que atingem milhões de brasileiros, não acabam e se cristalizam, numa temporada que alguns querem que não tenha fim.




Prof. Péricles







sábado, 9 de setembro de 2017

O ENIGMA GERALDO VANDRÉ


Desde 1985 Vitor Nuzzi se interessava pela trajetória do cantor e compositor Geraldo Vandré, o principal expoente da resistência musical à ditadura militar durante os anos 60 (na década seguinte, tal papel seria desempenhado por Chico Buarque).


Segundanista de Jornalismo, descobriu em 1985 o telefone do artista e disse estar querendo conversar com ele sobre um trabalho para a faculdade. Foi recebido no apartamento que Vandré ainda possui na rua Martins Fontes, próximo ao prédio que durante muitas décadas sediou o jornal O Estado de S. Paulo, na capital paulista. A conversa foi cordial, mas breve.


Quando Vandré se tornou septuagenário, em setembro de 2005, Nuzzi temeu que ele mergulhasse cada vez mais no esquecimento; decidiu, então, assumir como sua a tarefa de apresentá-lo às novas gerações.


Foi um trabalho longo e abrangente como bem poucas biografias brasileiras. Entrevistou mais de 100 pessoas (inclusive esta que vos escreve), garimpou informações em 51 livros e 29 jornais/revistas. Com isto, pôde reconstituir nos mais ínfimos detalhes a história do artista.


E a odisseia de Nuzzi, depois dos mesmos 10 anos que durou a descrita por Homero, teve final feliz, com o lançamento, no final do ano, de Geraldo Vandré: uma canção interrompida (Karup, 2015, 352 p.)


É um trabalho de fôlego e muito bem escrito; tem qualidade superior, na minha opinião, à das obras congêneres de biógrafos famosos como Fernando Moraes e Rui Castro. Quem não acompanhou a trajetória de Vandré, certamente se deslumbrará.


E mesmo os contemporâneos de sua trajetória ficarão conhecendo muita coisa nova.


Por exemplo, é inverossímil ao extremo que os responsáveis pelo FIC, com a espinha flexível que era marca registrada dos profissionais da Globo nos anos de chumbo, tivessem ousado guardarem para si as ameaças dos fardados, torcendo para que, espontaneamente, o júri não premiasse nem a Caminhando, nem a América, América, de César Roldão Vieira (outra que a caserna impugnara). Fala sério…


Quanto ao comportamento esquisito e errático de Vandré desde que voltou do exílio em 1973, todas as informações que Nuzzi levantou são conclusivas quanto ao fato de que Vandré não foi torturado antes de deixar o Brasil e dificilmente o terá sido na volta negociada para o País.


Estava em más condições psicológicas e com a saúde debilitada nos últimos tempos de exílio. Foi sequestrado discretamente pela ditadura no aeroporto e, um mês depois, a Globo o exibiu no Jornal Nacional como se estivesse desembarcando naquele instante.


Parece ter ficado 58 dias (antes e depois da entrevista ao JN) recebendo tratamento psiquiátrico.


A menos que algum militar, algum médico ou algum enfermeiro abra o bico, jamais saberemos o que aconteceu com Vandré enquanto esteve internado (rigorosamente isolado dos demais pacientes) numa clínica do bairro de Botafogo, RJ.


Em Aroeira, o narrador (Vandré) declara estar “escrevendo numa conta/ pra juntos a gente cobrar/ no dia que já vem vindo/ que este mundo vai mudar”. E alerta os marinheiros (os colonizadores portugueses) que está próxima “a volta do cipó de aroeira/ no lombo de quem mandou dar”.


Bonita é uma guarânia na qual um presumível guerrilheiro tenta explicar à sua amada que não a pode tomar naquele instante e (como poderá morrer seguindo o destino que escolheu) talvez ela só venha novamente a saber dele “se um dia encontrares alguém/ que te cante meus versos”.


Há outras. A mais explícita de todas, Terra plana, traz este desafio que o combatente lança a um militar: “Se um dia eu lhe enfrentar/ Não se assuste, capitão/ Só atiro pra matar/ E nunca maltrato não/ Na frente da minha mira/ Não há dor nem solidão/// E não faço por castigo/ Que a Deus cabe castigar/ E se não castiga ele/ Não quero eu o seu lugar/ Apenas atiro certo/ Na vida que é dirigida/ Pra minha vida atirar”.


A canção interrompida me fez cair a ficha: Vandré havia dado um duro danado para se tornar artista vitorioso e era exatamente isto que ele queria ser. Acreditava nos ideais da esquerda e era favorável à luta armada, mas nunca como causas às quais se pretendesse engajar como militante. Cansava de repetir que sua atuação não era partidária.


A sensibilidade de artista o levava a incluir tais fantasias em suas músicas, mas ele apenas se colocava imaginariamente no lugar dos revolucionários e dos guerrilheiros. Não queria ser uma coisa nem outra.


E lá se foi outra das fantasias que nos ajudavam a manter a sanidade durante aqueles anos terríveis! Ainda assim continuo lamentando —e muito!— que esse extraordinário artista tenha caído numa armadilha da História, acabando por ser destruído.


Nunca haverá desculpa para os que fizeram desabar tamanha tempestade em cima de um músico, apenas por ele ter composto uma canção que expressou o sentimento de todo um povo.


Como bem lembrou o Benito de Paula, “esse trapo, esse homem um dia foi um rei”.




Celso Lungaretti, jornalista e escritor, escreveu o livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial).



quinta-feira, 7 de setembro de 2017

COMEMORAR O QUE?


A independência política do Brasil ocorreu após um processo dirigido pelas elites brasileiras.


Nesse processo, a maior preocupação das elites, não era com a independência propriamente dita, nem com a situação de seu povo menos favorecido. Ao contrário, a independência se fez sob uma ótica quase obsessiva de se manter a escravidão no país que então iria nascer.


Para atingir esse objetivo obsessivo, as elites apostaram todas suas fichas na figura do Príncipe Regente, D. Pedro, a ponto de fazer nascer na América latina uma monarquia, sistema político totalmente estranho ao cenário americano e decadente no restante do mundo.


Fez-se a monarquia e D. Pedro foi coroado imperador, tudo para manter a escravidão, na forma desumana de exploração da mão-de-obra africana. Para isso, o novo governo chegou a assumir um compromisso por escrito com a Inglaterra de que iria sim acabar com a escravidão, mas só no dia de “São Nunca”.


O Brasil nasceu como país já demarcando fortemente as mais perversas características de seu caráter: um estado fascista, explorador e assassino.


Tudo para suas elites, nada para seus desgraçados.


Desgraçados que foram sistemática e perversamente mortos ao longo dos anos com as torturas da escravidão, nos sertões miseráveis de Canudos, na região do Contestado.


Quando não pode matar como gostaria, o estado fascista e elitista brasileiro usou todos os recursos da mentira e dissimulação como na Revolta da Vacina ou na Revolta da Chibata, para manter sua autoridade acima de qualquer reivindicação popular.


A torpeza de caráter dos dirigentes políticos brasileiros sempre foi exposta e imposta vencendo com todos os recursos da fraude mais baixa em eleições mentirosas como as da República velha.


Nossa classe média que sempre esteve no degrau mais baixo, muito mais próximo dos miseráveis do que dos poderosos, sempre foi subserviente, dócil e mais que isso, uma autêntica defensora dos interesses de seus amos e senhores.


Foi ela, nossa classe média, que forçou Getúlio a apertar o gatilho daquela arma, que cerrou fileiras nas marchas com Deus pela Pátria e Liberdade, que apoiou a ditadura e agora, contribuiu decisivamente para o golpe jurídico-midiático-parlamentar que depôs uma presidenta legitimamente eleita.


Ao longo dos tempos no Brasil se forjou uma classe média déspota e reacionária, talvez a mais hipócrita do mundo.


Engana-se quem pensa que todos nós somos brasileiros no sentido de igualdade. Não somos iguais e o Estado não se preocupa com todos. Somos como que reféns num gigantesco campo de concentração onde os senhores não nos lançam nas fornalhas, mas, exploram o trabalho e o talento, sugam a juventude e depois lançam os restos ao lixo de uma aposentadoria imoral.


O Estado Brasileiro não é brasileiro no sentido dos que nascem no Brasil, mas existe, serve e preocupa-se apenas e tão somente com suas elites e senhores e vende sistematicamente as riquezas do país a preço de bananas, e com isso, ao mesmo tempo que se delapida o país, fortalece-se a riqueza dos que já são ricos.


Aqui quem é nacionalista é mal visto e rotulado de subversivo e até é, realmente, tendo em vista que a ordem vigente é do entreguismo.


Por tudo isso, é de se perguntar, comemorar o que em 7 de setembro?





Prof. Péricles

NO MEU NÃO


Por Eugênio José Guilherme Aragão



O título desta nota não contém erro ortográfico. Remete a uma das frases preferidas de Rodrigo Janot em legítimo mineirês, também disseminada como “lei da nudez": "nu d'ês é bão, no meu não!".

A frase denuncia escapismo, atitude de quem não gosta de enfrentar riscos a si. Quem a escolhe como moto de vida profissional demonstra não ser um líder, no sentido próprio da palavra, alguém que sobressai por virtudes que possam ser tomadas como exemplo a ser seguido pelos outros. Nenhuma sociedade sobreviveria regulada pela “lei da nudez" e, muito menos, uma instituição.

O episódio revelado em fragmentos na noite de ontem é mais um espécime prático de aplicação da lei da nudez. Rodrigo Janot se contorceu para explicar o inexplicável e concluir: "no meu não".

Reconheceu o óbvio: as gravações de Joesley foram fabricadas em casa, por instigação da equipe do Procurador-Geral da República e sem autorização judicial. Insistiu, porém, em que, como provas, seriam íntegras, plenamente aproveitáveis. Afinal, não seria a "suposta" molecagem de Marcelo Miller, seu ex-auxiliar, que colocaria tudo a perder. "No meu não".

Nenhum penalista, ainda que iniciante, subscreveria a ressalva sobre a integridade da escuta ilegal de Michel Temer. Escutas ambientais só são lícitas, sem autorização judicial, se forem tomadas por quem, partícipe no interlóquio, queira usá-las em defesa própria. Este é o entendimento solidamente firmado pelo STF. Não foi este o caso das gravações de Joesley.

O que se tornou público ontem foi o uso de um prospectivo delator premiado como longa manus do ministério público, clandestinamente plantado no domicílio alheio, para ali extrair informações da boca de um alvo de devassa política. Sim, porque aquilo que estava em curso quando da gravação do alvo não podia ser chamado de “investigação”. Esta pressupõe fato determinado, completado no passado. Já a devassa é a busca frenética de um fato comprometedor. É o que a Força Tarefa da Lava Jato tem feito incessantemente, em Curitiba e em Brasília. Usar um prospectivo delator premiado para essa tarefa é iniciativa do melhor estilo mafioso. Lembra cena típica de filme sobre a “Cosa Nostra”, em que um pequeno batedor de carteira com sonhos de grandeza quer entrar para a organização e é submetido a teste de valentia e lealdade: obriga-se o pobre coitado a matar um policial, para mostrar do que é capaz, como um aperitivo de sua utilidade para a organização. Joesley, ao que tudo indica, foi usado como o batedor de carteira. Foi obrigado a oferecer à Procuradoria Geral da República um aperitivo para conquistar a premiação. O aperitivo era Temer.

Ninguém no grupo da Lava Jato pode dizer que não sabia dessas práticas. Muito menos o chefão.

O uso de prospectivos delatores para a escuta ambiental não autorizada tem sido recorrente. Foi assim com Bernardo, filho de Nestor Cerveró, que gravou Delcídio do Amaral; foi assim com Sérgio Machado, que gravou José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá. No caso de Delcídio, a crueldade foi requintada: após ter, este, fechado negociação com a Procuradoria Geral da República, por acordo do qual constava cláusula de sigilo por três meses, deu-se que a cláusula não foi aceita pelo relator, Ministro Teori Zavascki, por não encontrar amparo legal. Por um desses acasos da vida, a gravação de Delcídio foi tornada pública logo a seguir, impedindo o senador a voltar atrás no acordo de delação.

Entre as patacoadas do acerto constava declaração do senador de que Dilma Rousseff teria, com a nomeação de Marcelo Navarro para o STJ, visado a obstar investigações contra a construtora Odebrecht. Uma hipótese sem qualquer lastro, como, agora, reconheceu a polícia federal, mas que serviu para abrir inquérito contra a Presidenta às vésperas da votação da admissibilidade do impeachment no Senado, com clara finalidade de desgastá-la perante a opinião pública.

O que causa perplexidade é o cinismo da gestão de Rodrigo Janot à frente do Ministério Público Federal, quando insiste em que sua atuação tem sido estritamente “técnica”. Façam-me rir. Já o disse alhures, o técnico é uma forma de dar roupagem de isenção a decisões que são essencialmente políticas.

O direito usa a técnica como meio de legitimar essas decisões. Mas, decidir sempre é optar. O julgador opta entre, no mínimo, duas teses: a do autor e a do réu, ambas revestidas de fundamentos jurídicos e, portanto, ambas plausíveis se sustentadas com boa técnica. A independência do juiz está no intervalo entre essas teses, que tem o nome de lide. Não pode decidir fora dela, pois seria decidir “ultra petita”, como se diz no bom jargão profissional. A opção, quando não balizada por sólida jurisprudência, é algo completamente subjetivo. E o juiz faz política ao optar. Assim também o faz o ministério público quando decide, ou não, levar um caso adiante.

Mas política não é sempre molecagem. Ela funciona como tempero necessário para preservar as instituições e a governabilidade. Pressupõe-se de quem vai decidir que tenha equilíbrio e senso de justiça, de correção, de critério – virtudes que só se adquirem com muita experiência, ao longo de anos de atuação. Por isso, não é crível tenha o Procurador-Geral da República deixado um grupo de procuradores verdes, sem seu cabedal, rolar solto. O procurador Marcelo Miller, que, pelo que se anuncia, estaria por detrás dessa “técnica” de exigir aperitivos de prospectivos delatores premiados, com meros treze anos de casa, não pode ter agido por conta própria. As informações colhidas por sua “técnica” foram usadas não só em juízo pelo chefe da instituição, mas, também, pela instituição-corporação (hoje é difícil divisar entre ambas), para fazer seu barulho e adquirir musculatura – política(neste caso, com sentido de molecagem mesmo).

Das duas uma: ou o Procurador-Geral se revelou um grande irresponsável, deixando o barco correr enquanto gente de sua equipe pintava e bordava com falta completa de ortodoxia técnica; ou então ele era parte da trama, aquiescendo com a “técnica” de Miller.

Por erro de cálculo estrutural, desabou o edifício que homiziava a política da “técnica” de Janot. Ficou exposta à curiosidade coletiva. Fez tudo errado. Confiou em quem não devia ter confiado. Omitiu-se na defesa da democracia e deixou de exercer o que a Constituição lhe atribuiu – ser "Chefe do Ministério Público da União" (art. 128). Preferiu as intrigas da politicagem interna e o discurso corporativo fácil. Revelou-se um ignorante no jogo da macropolítica. Traiu quem lhe dera a mão, não para beneficiar quem quer que seja, mas para tirar o país da polarização inaugurada com o processo do chamado “Mensalão”.

A "lei da nudez" falhou e não tem como salvar o do Rodrigo Janot.



sábado, 2 de setembro de 2017

GUERRA NA VENEZUELA, ESTILHAÇOS AMAZÔNICOS


Por Jaime Sautchuk


Começando pelo começo, não devemos ter dúvidas de que o tresloucado presidente estadunidense é capaz de cumprir a promessa. A indústria de armamento dos Estados Unidos, que injetou muita grana na campanha eleitoral dele, está mandando a conta, pedindo alguma guerra que encha seus cofres com bilhões de dólares.


Pode estar muito próxima outra guerra imperialista em floresta tropical


Nessa sinistra empreitada, Trump terá outros apoios internos em seu país, entre políticos, militares e diplomatas, por exemplo. E também externos, entre os quais, por certo, de alguns mandatários sul-americanos; inclusive do atual governo golpista de Michel Temer, que já tem se manifestado a favor da direita venezuelana, igualmente golpista.


Todos fingem ignorar as imediatas consequências que um conflito desta natureza traria ao Brasil, queiram eles ou não. A vasta fronteira terrestre entre os dois países, por si só, já é um convite ao compartilhamento de um conflito armado na região. Esses limites vão do Sistema Parima de Serras (onde está o Pico da Neblina, ponto mais elevado do Brasil) no sentido oeste, pela Planície Amazônica, até encostarem na Colômbia.


No lado brasileiro, a área lindeira tem a cidade de Pacaraima, em Roraima, que já é o ponto de entrada de imigrantes venezuelanos e, em caso de guerra, será certamente transformada em centro de refugiados.


Mas, o restante é habitado por povos da floresta. Entre os quais alguns grupos indígenas binacionais, como é o caso dos Yanomamis, sobre os quais um conflito terá consequências pouco previsíveis. O certo é que essas populações só passaram a ter apoio oficial do estado venezuelano nos governos de Hugo Cháves, no regime hoje liderado por Nicolás Maduro.


De quebra, vai sobrar pra Guiana Francesa e pro Suriname. Vizinhos nas águas territoriais no Oceano Altântico. Porém, o que é mais grave, vai sobrar também pra Guiana. Cuja existência nunca foi reconhecida pelos venezuelanos de todas as cores; que pleiteiam territórios daquela ex-colônia britânica. Em verdade, mais da metade do país faz parte do Território Essequibo; que pertenceria à Venezuela, segundo tratados internacionais, e é rico em petróleo.


Aliás, nessa região está também a cidade de Lethem, onde funciona uma zona franca que atrai turistas e comerciantes de Boa Vista (RR) e Manaus (AM); durante o ano inteiro. Segundo a Polícia Federal. Em média, todos os dias 4 mil automóveis brasileiros cruzam a fronteira da Guiana com destino a esse centro de compras.


Ou seja, toda nossa divisa norte estará em meio ao conflito. E, com certeza, milhares de brasileiros pegarão em armas contra os invasores ianques e seus aliados internos na Venezuela.


São, portanto, muitos os estilhaços que atingirão o Brasil, caso essa guerra imperialista venha mesmo a ocorrer.




Jaime Sautchuk, é jornalista.