segunda-feira, 15 de agosto de 2011

FREI TITO: EM CAMPO SANTO

Como falar de uma pessoa como Frei Tito sem se emocionar? Como contar sua história sem sentir a alma presa a uma tempestade?
Conheça nesse Blog a história de Frei Tito em 3 Atos:

ATO 01: EM CAMPO SANTO
Tito de Alencar Lima nasceu em Fortaleza (CE) em 14/05/1945.

Estudou em Fortaleza, sua terra natal, com os padres jesuítas e, mais tarde, foi aluno de Filosofia da USP, em São Paulo. Atuou como dirigente regional e nacional da Juventude Estudantil Católica (JEC).

Em 1965, ingressou na Ordem dos Dominicanos, sendo ordenado sacerdote em 1967.
Foi preso em 1968, sob a acusação de ter alugado o sítio onde se realizou o famoso 30º Congresso da UNE, em lbiúna (SP).

Foi preso novamente em 04/11/1969, em companhia de outros frades dominicanos acusados de manterem ligações com a ALN e seu líder Carlos Marighella.

Frei Tito foi torturado durante 40 dias pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury e, em seguida, transferido para o Presídio Tiradentes, onde permaneceu até 17 de dezembro. Nesse dia, foi levado para a sede da OBAN (Operação Bandeirantes), onde o conhecido torturador capitão Maurício Lopes Lima lhe disse: “Agora você vai conhecer a sucursal do inferno”.

Depois de mais dois dias de intensa tortura, tentou o suicídio com uma gilete, sendo conduzido às pressas para o Hospital Central do Exército, no Cambuci, onde ficou cerca de uma semana sob tratamento médico. No entanto, em nenhum momento os agentes pararam de torturá-lo psicologicamente.

Banido do país em 13/01/1971, em troca do embaixador suíço no Brasil, viajou para o Chile, seguindo depois para a Itália e França. Após algum tempo, instalou-se na comunidade dominicana de Arbresle, onde lutou desesperadamente contra os crescentes tormentos de sua mente, abalada pela tortura.

Até junho de 1973, Frei Tito viveu no convento S. Jacques, em Paris, onde retomou seus estudos na Universidade de Sorbonne. A tortura deixara nele seqüelas profundas e rompeu definitivamente seu equilíbrio psíquico.

Apesar dos cuidadosos tratamentos a que se submeteu na França, sua unidade interior havia se partido. Foi mandado para o convento dominicano de Sainte Marie de la Tourette, em Eveux, província de Lyon, onde poderia encontrar um clima mais calmo para estudar Teologia. Nada adiantou, pois os torturadores
haviam tomado conta de seu próprio psiquismo.

No dia 07/08/1974, com 31 anos, Frei Tito enforcou-se em uma árvore de um bosque ao redor do convento, conforme bem retratado no filme Batismo de Sangue, do diretor Helvécio Ratton, exibido em todo o Brasil em 2006 e 2007.

A morte foi seu último ato de coragem e protesto. Foi enterrado no cemitério de Sainte Marie de la Tourette. Registre-se que os Frades Dominicanos, que não enterram suicidas em "Campo Santo", o enterraram, colocando em sua lápide, como data de sua morte o dia da prisão, e não o dia do suicídio. Para eles, Frei Tito já estava morto, assassinado pela ditadura brasileira, quando se suicidou.

Em 25/03/1983, seus restos mortais foram trasladados para o Brasil e acolhidos solenemente na igreja dos Dominicanos, em Perdizes, na capital paulista, onde, ao lado dos restos mortais de Alexandre Vannucchi Leme, morto em 17/03/1973 e enterrado como indigente no cemitério de Perus, recebeu homenagens e manifestações de saudade.

Dom Paulo Evaristo Arns, símbolo da defesa dos Direitos Humanos no Brasil, coordenou a celebração litúrgica, sendo que em seguida os ossos de Frei Tito foram trasladados a Fortaleza.



Adaptado da Revista “O Berro”.

sábado, 13 de agosto de 2011

HERÓIS DO POVO

Cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul.
Domingo, 1º de Maio de 1950. Dia do Trabalhador.
Barraquinhas coloridas e bandas de música animam a festa popular.
Gente animada, homens, mulheres, crianças.
E discursos, muitos discursos que não poderiam faltar numa festa organizada pelos comunistas para comemorar a data.

Criticavam a opção do governo brasileiro, do Presidente Eurico Gaspar Dutra, em se atrelar ao bloco capitalista liderado pelos Estados Unidos na Guerra Fria. Protestavam também contra a ameaça nuclear, o arrocho salarial e pela falta de liberdade.

Tentando esvaziar a festa, as autoridades locais organizaram uma partida de futebol entre o Esporte Clube Rio Grande, uma paixão local e o C.R. Vasco da Gama, do Rio de Janeiro. É claro que uma multidão preferiu prestigiar a partida.

No meio da pequena multidão, sorridente, estava a jovem tecelã Angelina Gonçalves, sempre acompanhada de sua filhinha Shirley de 10 anos. Uma mulher feliz, no limite do que era permitido ser feliz a uma mulher trabalhadora em 1950.

Após os festejos os trabalhadores resolveram terminar as comemorações de seu dia com uma passeata que se dispersaria em frente à sede da União Operária, que havia sido fechada pelo governo que acusava a entidade de ser um “antro de comunistas”.

Punhos fechados a passeata seguiu seu rumo. Angelina carregava numa das mãos, uma enorme bandeira do Brasil, enquanto com a outra segurava Shirley.

"A Bandeira na frente, companheiros" gritou alguém, e abriu-se o espaço para que Angelina pudesse expor o estandarte nacional à frente dos companheiros.

Já próximo de seu destino um delegado do DOPS interceptou a marcha. Acompanhado de vários agentes armados da Brigada Militar, exigiu que dispersassem. Houve discussão, empurrões e o dia festivo virou dia de guerra.

Tiros, gemidos, gritos desesperados. Uma batalha campal.

Após um tempo que ninguém sabe determinar com precisão, um soldado da Brigada Militar estava caído no chão, gravemente ferido (morreria pouco depois no Hospital). Do outro lado, quatro operários jaziam mortos, atingidos por balas covardes. Ao lado de um dos corpos ensangüentados uma pequena menina, chorava copiosamente.

Segundo testemunhas, Angelina resistira bravamente, quando tentaram lhe tirar a bandeira de sua mão, e por isso foi mortalmente atingida.

No outro dia, enquanto muitos ainda convalesciam nos hospitais e as lideranças dos trabalhadores era perseguida, os jornais mancheteavam o enterro do soldado, morto pelos comunistas.

Sobre Angelina, Shirley e os outros três operários mortos, nenhum comentário.

Aos mortos pela repressão sempre pesa a condenação ao anonimato nos livros da história oficial.

A Angelina Gonçalves, heroína do povo, um túmulo com o nome mal rabiscado.
Uma filha, de nome Shirley, pra contar sua história.
E os versos, publicados em 1954, pela poetisa comunista Lila Ripoli:


Foi num primeiro de maio,
na cidade de Rio Grande.
O céu estava sem nuvens.
O mês das flores nascia.
O vento lembrava as flores
no perfume que trazia.

O povo reuniu-se em festa
pois a festa era do povo.

Crianças, homens, mulheres,
o povo unido cantava.
O povo simples da rua,
comovido se abraçava.

Foi num primeiro de maio,
de pensamento profundo.
"Uni-vos, ó proletários,
ó povos de todo o mundo".
(...)

A tecelã Angelina,
vivaz e alegre cantava,
Recchia - o líder operário
ria e confraternizava.

Era primeiro de maio,
dia de festa do mundo.
(...)

"Amigos, a rua é larga.
Unidos vamos partir.
A nossa 'União Operária'
nós hoje vamos abrir."
(...)

Alguém arrebata
das mãos de Angelina
a verde Bandeira
que ondula no ar.


O rosto em tormento,
cabelos ao vento,
retorna Angelina,
mais alta e mais fina.

"A nossa Bandeira,
nas mãos da polícia?"
E à luta regressa,
com febre no olhar.
(...)

A grande alegria caindo dos olhos,
Das vozes, das flores, do dia sem nuvens:
"Poder Popular!"
Num dia, tão perto, tão claro, tão certo,
Meus olhos verão.
Não morre a semente lançada na terra.
Os frutos virão!

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

CRISES E RADICALISMOS

Quando a Europa do pós-I guerra mundial se percebeu em ruínas, a fome bateu à sua porta. E quando a essas ruínas se adicionaram os efeitos da grande depressão iniciada com a crise da Bolsa de Nova York, à fome se juntou o desespero.

Navegando no vácuo das esperanças o radicalismo cresceu. Situações desesperadas permitem surgir idéias radicais, assim como o afogado que se agarra a qualquer coisa como tábua de salvação.

Quando o Fascismo deu suas caras na Itália e o Nazismo, pouco depois, ascendeu na Alemanha, poucos perceberam a materialidade da ameaça que surgia.

Homens como Mussolini e Adolf Hitler não foram levados a sério por muitos.

O genial Charles Chaplin confessaria anos depois da guerra que, quando um amigo alemão lhe enviou uma foto de Hitler discursando em praça pública, com os olhos esbugalhados, e batendo furiosamente com as mãos no próprio peito, ele simplesmente achou graça, observou apenas o bigodinho estúpido, e guardou a foto numa gaveta qualquer. Tempos depois, revendo a mesma foto, ele não entendia como não havia percebido o que aquele olhar esbugalhado podia significar

A falta de dinheiro trás discussões e incômodos inúteis aos lares assim como a crise financeira trás Hitleres e Mussolines aos governos.

A Europa atual apresenta, novamente, um panorama econômico de gravidade que ameaça sair do controle de seus falascianos sistemas financeiros, impulsionados a todo vapor pela crise na maior economia global, a dos Estados Unidos.

A Grécia literalmente faliu ano passado. A Irlanda e até mesmo Espanha e Itália, ameaçam seguir o mesmo rumo.

O Euro se equilibra na corda bamba enquanto o desemprego crescente bate à porta da comunidade européia.

E “coincidentemente” velhos e conhecidos personagens estão de volta.

A discriminação que já destilou ódio aos judeus, ciganos, eslavos, negros, homossexuais entre outros, já desfila por países como Portugal, Inglaterra, Áustria...

A xenofobia, revigorada, agora se volta aos imigrantes, em especial, aos muçulmanos.

A cabeça raspada substitui a suástica, mas a receita é a mesma...violência.

Bananas são jogadas aos gramados acompanhando sons que imitam macacos, agredindo jogadores de futebol negros e até um brasileiro já foi morto na estação do metro de Londres por ser “parecido” com o tipo árabe.

A história tem, como objetivo maior impedir que se repitam erros do passado.

Por isso, é importante que nós não achemos graça de piadinhas aparentemente inocentes de cunho racista, homofóbico ou xenófobo.

Foi com piadinhas sobre inocentes bigodes que eles, os senhores do ódio, chegaram lá.

Que não cheguem novamente. Que não se permita outra vez que o radicalismo do desespero crie novos pesadelos mundiais.

Prof. Péricles

GUERRILHA DO ARAGUAIA NA VISÃO DO PC DO B

A Guerrilha do Araguaia ocorreu no início da década de 70. Uma batalha entre combatentes revolucionários e as forças do regime reacionário imposto ao país com o golpe de 1964. Mesmo atualmente é difícil conseguir informações sobre o confronto ocorrido no Sul do Pará a partir de um ataque do Exército em 12 de abril de 1972 – "o único movimento rural armado contra o regime militar - cujo combate mobilizou o maior número de tropas brasileiras desde a II Guerra Mundial”.

Dos 69 militantes do Partido Comunista do Brasil que estavam na área, 59 morreram no conflito, além de moradores da região também assassinados e das baixas das Forças Armadas - as estimativas variam entre quatro e 200 (!) militares mortos. Do lado do governo, segundo O Globo, houve "casos de militares mortos no combate à Guerrilha cujos corpos foram entregues às famílias em caixões lacrados, acompanhados da explicação de que a morte ocorrera por acidente durante uma manobra de treinamento".

As Forças Armadas desencadearam três campanhas militares contra a Guerrilha. "Os guerrilheiros não se tornariam prisioneiros de guerra. Simplesmente deixariam de existir. Todos, com a exceção de Ângelo Arroyo, que escapou, foram mortos. Os oficiais do Exército avaliavam que a Guerrilha do Araguaia duraria décadas, caso não fosse combatida da forma criminosa que foi: "Mesmo os oficiais condecorados por bravura na repressão à Guerrilha evitam falar no assunto. Ao contrário dos militares que lutaram na II Guerra Mundial, que exibem com orgulho as medalhas que conquistaram na luta contra o nazifascismo, os heróis das Forças Armadas no Araguaia são discretos. Afinal, como justificar as condecorações numa guerra que, oficialmente, não houve?"

A Guerrilha do Araguaia foi organizada e dirigida na clandestinidade pelo Partido Comunista do Brasil. Destinava-se a organizar a resistência armada contra a ditadura. Outras formas de luta não tinham espaço para se concretizar nas cidades. O objetivo político da Guerrilha do Araguaia estava expresso em um documento, largamente distribuído entre a população do Sul do Pará, intitulado Proclamação da União pela Liberdade e Pelos Direitos do Povo. Um movimento intimamente ligado à população camponesa, pobre e sofrida da região. Tentativas de resistências armadas já haviam ocorrido no país, organizadas por outras correntes políticas, no Vale da Ribeira e em Caparaó. Mas duraram pouco tempo. O Araguaia resistiu por três anos.

No Araguaia encontravam-se pessoas de diferentes formações: operários, camponeses, bancários, médicos, engenheiros, geólogos e, principalmente, estudantes universitários. Dentre os que para lá se dirigiram, estava Maurício Grabois, constituinte de 1946. Tomaram conhecimento da região e estabeleceram ampla relação com a população local. Enfrentavam, porém, tremenda desigualdade no que diz respeito ao armamento, em contraste com as armas sofisticadas das Forças Armadas. Essa luta era a luta de cem contra vinte mil, Davi contra Golias.



As Forças Armadas atuaram no Araguaia como bárbaros. Cometeram crimes imperdoáveis. Degolaram guerrilheiros, expuseram corpos mutilados nas vilas e nas cidades para atemorizar a população. Violentaram as próprias leis de guerra (a convenção de Genebra). Mataram prisioneiros indefesos. Torturaram – muitos dos torturados enlouqueceram. As Forças Armadas destruíram tudo que podia lembrar a Guerrilha. Incendiaram os barracos construídos pelos guerrilheiros. Destruíram até os móveis primitivos que eles haviam improvisado. Aplicaram a política de terra arrasada, de não deixar vivo nenhum dos combatentes. Foi assim que acabaram matando Ângelo Arroyo, um dos comandantes da guerrilha, um ano e meio depois de terminada a luta, na Chacina da Lapa, em 1976.


Nas Forças Armadas havia setores que condenavam as barbaridades cometidas – pois elas são instituição paga com o dinheiro do povo, não podem tê-lo como inimigo principal. É necessário que essas Forças repudiem tais crimes, condição para que possam contar com a simpatia do povo, preparando-se para as grandes batalhas que poderão advir em defesa da soberania e da independência da pátria.

domingo, 7 de agosto de 2011

GETÚLIO VARGAS E A CARTA TESTAMENTO

Nesse mês de agosto faz 57 anos que o Brasil passava por um dos mais intensos dramas que uma nação pode passar. O suicídio do presidente da República.
A Carta Testamento é sempre citada como importante componente desse drama humano e histórico.
Abaixo transcrevemos a famosa Carta Testamento, fazendo um breve comentário sobre o seu significado:

24 de agosto de 1954

Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim. - (Já na abertura da Carta Getúlio volta a unir seu nome ao do povo, como se fossem uma coisa só. Lógico, isso é uma pretensão orquestrada em sua vida, o culto à sua personalidade que foi sempre seu objetivo maior).

Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa.
- (Refere-se ao caso do Atentado à Rua Toneleros em que Carlos Lacerda e um militar sofreram um atentado, no dia 5 daquele mesmo mês. Getúlio era acusado de ser o mentor do ataque).

Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto.
- (Novamente une suas ações como sendo ações do próprio povo e colocando seus adversários como adversários do povo).

Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci.
- (Getúlio refere-se à Revolução de 1930 que destituiu o Presidente Washington Luis, impediu o eleito Júlio Prestes de assumir e acabou com a República Velha).

Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar.
- (Durante a Ditadura varguista (1937-1945) Getúlio instaurou a CLT inspirada na Carta do Trabalho do fascismo italiano, uniu-se aos nascentes sindicatos de trabalhadores (sindicatos pelegos, que sempre o apoiavam) e fez nascer e cresce a idéia de “Getúlio, o defensor dos trabalhadores”. A afirmação de ter instaurado o regime de liberdade social é totalmente falso e na verdade ele não renunciou, mas sim, fora deposto em novembro/1945 pelos militares comandados pelo General Góes Monteiro).

Voltei ao Governo nos braços do povo. (eleito em 1950)
A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Getúlio governo com um modelo econômico denominado de “Nacional-desenvolimentista” onde procurou não contrair dívidas externa, o estado atuou intensamente na economia e buscou limitar a influência externa na industrialização do país.

Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
- (Após uma longa polêmica nacional, a Campanha “O Petróleo é Nosso” acaba vencedor com Getúlio criando a Petrobras em 03/10/1953. Novamente liga seu nome aos interesses do povo).

Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançaram até 500% ao ano. Na declaração de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.
-(Eu e o povo X os gringos e seus amigos)

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.

Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.
- (Todas as afirmações desses parágrafos finais reforçam as afirmativas anteriores, porém num tom messiânico, fortalecendo a imagem de um Getúlio único, quase santo, defensor dos trabalhadores e dos interesses nacionais).

Getúlio Vargas

TERRORISTA LOURO DE OLHOS AZUIS

por Frei Betto

Preconceitos, como mentiras, nascem da falta de informação (ignorância) e excesso de repetição. Se pais de uma criança branca se referem em termos pejorativos a negros e indígenas, judeus e homossexuais, dificilmente a criança, quando adulta, escapará do preconceito.

A mídia incutiu no Ocidente o sofisma de que todo muçulmano é um terrorista em potencial. O que induziu o papa Bento XVI a cometer a gafe de declarar, na Alemanha, que o Islã é originariamente violento e, em sua primeira visita aos EUA, comparecer a uma sinagoga sem o cuidado de repetir o gesto numa mesquita.

Em qualquer aeroporto de países desenvolvidos um passageiro em trajes islâmicos ou cujos traços fisionômicos lembrem um saudita, com certeza será parado e meticulosamente revistado. Ali reside o perigo... alerta o preconceito infundido.

Ora, o terrorismo não foi inventado pelos fundamentalistas islâmicos. Dele foram vítimas os árabes atacados pelas Cruzadas e os 70 milhões de indígenas mortos na América Latina, no decorrer do século 16, em decorrência da colonização ibérica.

O maior atentado terrorista da história não foi a queda, em Nova York, das torres gêmeas, há 10 anos, e que causou a morte de 3 mil pessoas. Foi o praticado pelo governo dos EUA: as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945. Morreram 242.437 mil civis, sem contar as mortes posteriores por efeito da contaminação.

Súbito, a pacata Noruega – tão pacata que, anualmente, concede o Prêmio Nobel da Paz – vê-se palco de dois atentados terroristas que deixam dezenas de mortos e muitos feridos.

Tão logo a notícia correu mundo, a suspeita recaiu sobre os islâmicos. O duplo atentado, no gabinete do primeiro-ministro e na ilha de Utoeya, teria sido um revide ao assassinato de Bin Laden e às caricaturas de Maomé publicadas pela imprensa escandinava.

O preconceito estava entranhado na lógica ocidental.

A verdade, ao vir à tona, constrangeu os preconceituosos. O autor do hediondo crime foi o jovem norueguês Anders Behring Breivik, 32 anos, branco, louro, de olhos azuis, adepto da fisicultura e dono de uma fazenda de produtos orgânicos. O tipo do sujeito que jamais levantaria suspeitas na alfândega dos EUA. Ele "é dos nossos”, diriam os policiais condicionados a suspeitar de quem não tem a pele suficientemente clara nem olhos azuis ou verdes.

Anders é um típico escandinavo. Tem a aparência de príncipe. E alma de viking. É o que a mídia e a educação deveriam se perguntar: o que estamos incutindo na cabeça das pessoas? Ambições ou valores? Preconceitos ou princípios? Egocentrismo ou ética?

O ser humano é a alma que carrega. Amy Winehouse tinha apenas 27 anos, sucesso mundial como compositora e intérprete, e uma fortuna incalculável. Nada disso a fez uma mulher feliz. O que não encontrou em si ela buscou nas drogas e no álcool. Morreu prematuramente, solitária, em casa.

O que esperar de uma sociedade em que, entre cada 10 filmes, 8 exaltam a violência; o pai abraça o filho em público e os dois são agredidos como homossexuais; o motorista de um Porsche se choca a 150km por hora com uma jovem advogada que perece no acidente e ele continua solto; o político fica indignado com o bandido que assaltou a filha dele e, no entanto, mete a mão no dinheiro público e ainda estranha ao ser demitido?

Enquanto a diferença gerar divergência permaneceremos na pré-história do projeto civilizatório verdadeiramente humano.

[Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser e Waldemar Falcão, de "Conversa sobre a fé e a ciência” (Agir), entre outros livros.