quarta-feira, 31 de outubro de 2012

ILUSÕES DA VELHA MÍDIA


Imaginemos alguém que só lesse, escutasse ou visse a velha mídia. Que visão teria do Brasil e do mundo?

Em primeiro lugar, não poderia entender por que um “governo – corrupto, incompetente, com a economia à deriva, nomeando ministros como troca-troca eleitoral, que cobra muitos impostos, que está atrasado na entrega de todos as obras, do PAC, do Mundial e das Olimpíadas, que tem política exterior aventureira etc, etc” – tem 75% de apoio do povo.

Não entenderia como um líder como o Lula – que tem 80% de referências negativas na mídia – consegue que 69,8% dos brasileiros queiram que ele volte a ser o presidente do Brasil em 2014.

Não poderiam entender como o PT – “partido corrupto, protagonista do maior escândalo da historia do Brasil” – sai fortalecido das eleições municipais, eleja mais prefeitos e mais vereadores e tire dos tucanos a prefeitura mais importante do Brasil, a de São Paulo – “tão bem administrada pela competência dos tucanos”[sic].

Não saberiam por que a economia brasileira não naufraga, se lêem todos os dias que “tudo vai mal, que o governo faz tudo errado, que a economia não cresce”. Por que “o governo continua a estender as políticas sociais, sem os recursos que a economia deveria lhe dar”.

Não entende por que o FHC dá seu apoio e participa da campanha do candidato tucano no Rio – junto com o Aécio e o Álvaro Dias -, mas o candidato tem apenas 2,47% dos votos. Como os tucanos e o DEM perderam 332 prefeituras, sendo “os mais preparados para governar” [sic].

Lêem, numa revista semanal, que a Argentina é “governada por autoridades cada vez mais repressoras”, que “bloqueiam as liberdades individuais, como o acesso à livre informação, a bens de consumo e ao capital”. Que o governo “já tem o controle autoritário de 80% (sic) dos canais de radio e TV do país”. Que “na ilha de Cristina, os cidadãos só lêem o que ela quer”. Que as grifes “Escada, Armani e Yves Saint-Laurent fecharam suas lojas no país”, assim como a Vuitton e a Cartier. Que a “Avenida Alvear está com ares de fim de feira”. Que “na ilha de Cristina os investidores são tratados como piratas”.

E, no entanto, a Cristina é reeleita no primeira turno. Como entender isso, vendo a velha mídia?

Como entender que “a Venezuela está se desfazendo, entre a ineficiência da sua economia, a corrupção e a violência”, mas o Hugo Chavez é reeleito para um quarto mandato?

Que a América Latina vai bem enquanto os EUA e a Europa vão mal?

Tudo parece de cabeça pra baixo, o mundo parece absurdo, incompreensível, para quem depende da velha mídia, dos seus jornais, das suas revistas, dos rádios e da suas TVs.

Por Emir Sader

domingo, 28 de outubro de 2012

FENÍCIOS, O POVO DO MAR



Eles descendiam dos Semitas. Eram, portanto, irmãos dos hebreus e Assírios.

Primeiro se fixaram na região da Palestina, mais exatamente, onde hoje, é o Líbano.

Mas uma paixão os chamava para além das terras do Oriente.

O chamado era do mar.

No tempo em que a agricultura fincava o homem na terra, eles se espalharam por vales e montanhas, percorreram litorais e mergulharam no desconhecido.

Povo marinheiro. Povo sem dono e que seguia os ventos.

Seu governo único entre os povos é denominado de Talassocracia, ou seja, comandado por homens ligados ao mar.

Sua escrita estava muito a frente de seu tempo.

Num tempo em que a escrita era pictográfica, onde as letras representavam imagens e por isso eram numerosas (a escrita hieroglífica possuía mais de 3000 símbolos) a deles era fonética, ou seja, a primeira escrita cujas letras reproduziam sons (conseqüentemente suas idéias) e não imagens. Mais simples e perfeita possuía apenas 23 símbolos e depois de imitada por séculos deu origem ao nosso alfabeto atual.

Seus navios aparentemente frágeis eram de uma iluminada engenharia visto que podiam, literalmente, serem desmontados, e depois de transportados por carretas, remontados, graças à simplicidade da codificação de suas letras que apontavam um encaixe perfeito e impossível para a escrita de outros povos.

O mar os fez viajantes destemidos. Foram pioneiros nos quatro cantos do planeta. Provavelmente estiveram na América, a mais de 2.500 anos.

Estranhas inscrições fenícias na Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, suscitam dúvidas e espanto até hoje (foto).

Em 1963 o arqueólogo e professor Bernardo A. Silva traduziu as inscrições: LAABHTEJ BAR RIZDAB NAISINEOF RUZT que lido de trás para a frente TZUR FOENISIAN BADZIR RAB JETHBAAL significa, em linguagem fenícia: Badezir primogênito de Jethbaal.

Badezir foi um jovem que assumiu o trono dos fenícios no ano de 856 a.C. quando morreu seu pai e sobre sua vida e morte, pouco se sabe. Seria a Pedra da Gávea um túmulo fenício? Local de repouso de um rei viajante?

Sítios fenícios foram encontrados em outros pontos do Brasil, aparentemente confirmam que eles estiveram por aqui.

Foram eles que inventaram as lendas sobre monstros que destruíam navios que ainda eram crenças na época dos descobrimentos de Colombo.

Ser viajantes os fez comerciantes.

Andarilhos e vendedores precisavam descansar das longas jornadas e por isso criaram colônias que sobreviveram ao tempo como cidades-estados.
Tiro, Sidon, Biblos, e a extraordinária Cártago, no norte da África, que um dia seria o maior desafio dos romanos.

Aliás, foram com eles que os romanos descobriram a funcionalidade do dinheiro, além de aprender as técnicas comerciais que enriqueceriam o Império dos latinos. Diziam os latinos que os fenícios haviam sido os inventores do dinheiro.

Sua religião possuía divindades que incentivavam os prazeres do sexo, da alegria, da música e da dança. Baal era o deus principal, associado ao sol e às chuvas. Aliyan, seu filho, era a divindade das fontes. Astarteia, muito popular, era uma deusa vinculada à riqueza e à fecundidade.

Andarilhos do mar, os fenícios deixaram uma herança que, ainda hoje, o próprio ocidente desconhece.

Que Baal os tenha em boas ondas e em águas calmas!


Prof. Péricles

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A PATALOGIA DOS TRIBUNAIS



Tribunais, uma invenção humana, também ficam doentes. Nas últimas décadas, vários tribunais se perderam, cometeram barbaridades e passaram a se meter com políticas atrasadas. Uma verdadeira patologia, contrária ao espírito das leis e aos anseios de justiça neutra e cega. Uma vez doente, o tribunal dificilmente consegue cura.

Eis algumas doenças que afetam os tribunais.

Tribunal espetáculo

Stalin mandava prender a pessoa sob acusações falsas, e a enviava a um tribunal de juízes sectários. Achem o acusado, dizia ele, que acharei o parágrafo. Do pódio, três juízes perguntavam coisas triviais- você fala bem o russo? Já conversou com estrangeiro? Está contente com seu chefe? As respostas, quaisquer que fossem, eram apresentadas como prova contra o réu. Se fala bem o russo, porque se meteu com…? Se não fala bem o russo, porque se meteu com…? A cada tentativa de se explicar o apavorado réu se enredava mais. Chamados de show-trial em inglês, os tribunais eram transmitidos por radio para toda a União Soviética, justamente para amedrontar o povo. Não era tribunal justo, era o terror sob o manto de juízes. Algumas dezenas de milhares morreram.

Os tribunais da Alemanha dos anos 30 faziam o mesmo, com um toque de arapongagem, denúncia anônima, delação de vizinho. Juízes lenientes inquiriam, Salomão, você foi à sinagoga? Se sim, você deve ser judeu e não é bom cidadão do III Reich. Se não, você está mentindo e não é bom cidadão do III Reich. O réu era sempre condenado, sob microfones de radio e câmeras de filme que tudo mostravam em vinhetas antes das sessões de cinema. Hollywood ainda não se cansou de contar essa história.

O tribunal do faz-de-conta

Mock trial em inglês, acontece quando o juiz entra em sala com a decisão já tomada e deixa de fora provas essenciais ao processo. Caso famoso foi o Monkey trial, um bisonho tribunal que, ha um século, condenou um professor que explicava a evolução das espécies em escola primaria de uma região atrasada dos Estados Unidos. O juiz, cristão radical, condenou o professor mas, antes, rejeitou o testemunho de geólogos, arqueólogos, botânicos, médicos, historiadores, porém acatou o de fazendeiros que afirmaram haver sido a Terra criada há quatro mil anos, às nove horas da manhã. Foi também um dos mais divertidos shows de rádio do país. Próxima atração: o filme “O Vento Será Tua Herança”.

No Brasil, os tribunais da época da ditadura condenaram centenas de réus por atos políticos que sequer eram crimes.

Circo da mídia

O julgamento de O J Simpson durou meses sob holofotes das TVs dos Estados Unidos e por isso foi chamado de media circus; esse tipo de tribunal roda como espetáculo, muda o horário das próprias sessões para atender ao noticiário nacional das TVs, repete a cada meia hora as imagens dos advogados em cena. A injustiça é cometida quando a mídia, sob o imperativo de não parar o espetáculo, acaba influenciando as testemunhas, as provas, os peritos, os jurados e os próprios juízes. No caso Simpson, o juiz fez plástica facial para aparecer bem, perante as câmeras.

Tribunal abortado

Um tribunal aborta quando o juiz erra tudo, não define claramente qual é o verdadeiro crime, vacilando entre alegações, especulações, suspeitas e indícios sem prova. Caso famoso, hoje no currículo de alguns cursos de direito, foi o dos Irmãos Nave, acontecido em Minas Gerais dos anos 40. Acusados de haver assassinado um homem, os irmãos Nave foram torturados até confessarem. O juiz sequer perguntou se alguém havia visto o cadáver, mas, mesmo assim, os condenou. Da cadeia os Naves só saíram muitos anos depois, quando o homem reapareceu na cidade. Ele havia fugido sem avisar a ninguém.

Outro exemplo de aborto de justiça foi a condenação de Nelson Mandela à prisão perpetua por tribunal racista do apartheid, em cuja sala negros não entravam.

Os tribunais, constituídos de seres humanos, às vezes ficam doentes. Como estamos no Brasil?

por Milton Nogueira

domingo, 21 de outubro de 2012

A LOUCURA DE TODOS NÓS



Alonso Quijano era chamado pelos vizinhos de “O Bom”. Dono de pequena propriedade, já com idade avançada, levava uma vida pacata e sem aventuras.

Esperava a morte como quem não tem nada mais importante para fazer.

Tinha verdadeira adoração por leitura e terminava seus dias, invariavelmente, debruçado sobre seus livros.

Mas, não eram livros quaisquer. Eram livros de aventuras.

Histórias de heroísmo e de nobreza repletas de cores, as mesmas cores que lhe faltavam na sua vida em preto e branco.

Cavaleiros de espadas sagradas. Donzelas ameaçadas por perversos. A religião agredida por bárbaros. Que mundo violento meu Deus!

Era tamanho seu encantamento que, um belo dia, ninguém sabe exatamente quando, ele viajou para dentro de suas ilusões. Pulou de sua vida miserável mergulhando de cabeça no seu mundo de sonhos.

Para muitos. Alonso enlouqueceu. Para ele próprio, era um despertar.

Assim começa “Dom Quixote de La Mancha” obra imortal do espanhol Miguel de Cervantes, publicada pela primeira vez, em Madri, no ano de 1605.

No livro D. Quixote (nome fictício criado pelo próprio Alonso Quijano) acompanhado pelo vistoso cavalo Rocinante (um pobre e acabado pangaré) e por Sancho Panza, um amigo companheiro de todas as suas aventuras, enfrenta gigantes imaginários investindo contra moinhos, combate um exército inteiro de infiéis (um rebanho de ovelhas) e busca, em todos os momentos, encontrar sua donzela, Dulcinea Del Topozo, jovem “dona” de seu coração.

Enquanto D. Quixote salta de ilusão em ilusão Sancho Panza o acompanha, sendo o lado seguro da realidade, buscando salvar o amigo das enrascadas que se mete.

Sonho e realidade. Ilusão e pé no chão.

No final, momentos antes de morrer e novamente em suas perfeitas faculdades mentais, Alonso Quijano pergunta ao amigo Sancho, afinal, qual deles dois é o mais realista. Se aquele que vive a dura realidade da vida ou o que busca nos sonhos um novo sentido e um novo destino transformando a própria realidade.

Com certeza, todos nós temos em nosso íntimo um D. Quixote. E um Sancho.

E nosso D. Quixote também enfrenta moinhos e exércitos de ovelhas.

O problema é que, cada vez mais querem sonhar em nosso lugar e nos vender até os sonhos.

Sonhos que geralmente acabam quando começa um novo dia, e nosso Sancho Panza atento ao despertar, pula da cama para mais uma jornada de trabalho, de tédio e de toda a previsibilidade que a sociedade nos exige.

Se ousarmos enxergar no bêbado um aliado ferido, nos que sofrem sem teto e sem trabalho um reflexo de nós e de nossa incapacidade de criar uma sociedade mais justa, seremos classificados como loucos.

Se demonstrarmos incerteza, se dermos flores sem que seja aniversário de alguém, se amarmos só por amar sem querer ser proprietário da pessoa amada, nos chamarão de doidos.

Talvez só reste mesmo à esperança de que, em algum lugar, nos espere a nossa Dulcinéia, de braços abertos, olhos cúmplices e repletos de desejos.

Se desapareceram os gigantes, infiéis sanguinários e nobre de coração negro ainda existe o poder surreal da mídia, o neoliberalismo e a ganância para serem combatidos.

Quando próximo da morte, os amigos de D. Quixote queimaram todos os seus livros por considera-los culpados de sua loucura. Queimaram os livros, mas, não acabaram com os sonhos.

De Miguel de Cervantes “D. Quixote de La Mancha”. Obra imortal da Literatura Renascentista.

Leia. Você não perderá seu tempo e talvez encontre nos protagonistas muitas respostas para perguntas balbuciadas na embriagues das festas.


Prof. Péricles

terça-feira, 16 de outubro de 2012

QUEM COM FERRO FERE


A violenta miséria, o abando do poder público e os desmandos dos latifundiários criaram o cangaço, e a figura do cangaceiro varreu o sertão num misto de banditismo e heroísmo na memória nacional.

É a velha Lei da violência que gera violência.

Na década de 70, em determinado momento, sentindo-se à vontade na “guerra” que empreendia contra as organizações de luta armada, a Ditadura Militar resolveu que os presos políticos deveriam ficar detidos junto com os presos autores de crimes comuns. Julgavam que, dessa forma estariam impondo uma certa humilhação ao inimigo, acabando com qualquer “privilégio”.

Conforme declaração dos fundadores do Comando Vermelho foi a partir daí que nasceu o crime organizado no Brasil. Não que os prisioneiros políticos tivessem dado a idéia e feito cursinho, mas pela observação e imitação que eles, ditos criminosos comuns, fizeram da organização e da inteligência dos grupos políticos.

Diz o dito popular que “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Dentro dessa lógica, tentando humilhar a Ditadura criou um monstro.

Mas, parece que o Estado demora a aprender com seus erros, ou não se importa.

Vinte anos depois do massacre do Carandiru (outubro/1992), especialistas no assunto ouvidos pela BBC Brasil concluíram que foi essa tragédia humana inominável que resultou na morte de 111 homens sob a tutela do estado, um dos mais importantes nascedouros do PCC (Primeiro Comando da Capital) a mais estruturada facção criminosa de São Paulo.

O PCC foi criado por um grupo de presos em 31 de agosto de 1993 na Casa de Custódia de Taubaté pouco menos de um ano depois do massacre do Carandiru.

Os principais objetivos da facção eram combater os maus tratos no sistema prisional e evitar novos massacres como o de 1992, segundo o jornalista Josmar Jozino, autor de três livros sobre o PCC, entre eles “Xeque-mate, o Tribunal do Crime e os Letais Boinas Pretas” (Ed. Letras do Brasil).

Cobrando mensalidades de seus “associados”, a organização criou uma rede de apoio aos criminosos, que inclui contratação de advogados e apoio financeiro às suas famílias.

A facção também expandiu suas ações para fora dos presídios. Passou a controlar parte do tráfico de drogas em São Paulo, fazer parcerias com facções de outros Estados, alugar armas para ações criminosas e até assumiu o controle de rotas internacionais de entrada de entorpecentes no país.

No momento em que a violência urbana assusta a todos e, em que sobre a temática se debruça a sociedade civil buscando soluções, seria interessante a reflexão sobre a ação e a reação, sobre o ferir com o ferro e por ele ser ferido.

Parece evidente que o preço de uma sociedade mais humana e menos violenta seja ações do poder público mais humanas e menos violentas, que inclui o entendimento da violência como um fenômeno social inserido no elenco das consequências das desigualdades e das várias formas de violência contra a cidadania.

Enquanto isso não acontecer e as autoridades entenderem que a violência se resolve com violência, continuaremos reféns do crime e vivendo como assustados sobreviventes, cada vez mais protegidos sobre grades, no lugar dos criminosos. As empresas de segurança privada continuarão faturando alto e os meio de comunicação tendo farto material para as suas indignações diárias.


Prof. Péricles

domingo, 14 de outubro de 2012

O LUGAR DE GENOÍNO


Nossos crocodilos ficaram sentimentais. Em toda parte vejo lágrimas que acompanham os votos que condenam José Genoino.

Na imprensa, em conversas com amigos, ouço o comentário, em tom de solidariedade. Parece consciência pesada, em alguns casos.

Não estamos diante de um melodrama, mas de uma tragédia.

Genoino está sendo condenado num julgamento marcado por incongruências, denuncias incompletas e presunções de culpa que começam a incomodar estudiosos e acadêmicos.

Foi isso que explicou Margarida Lacombe, professora de Direito da UFRJ, em comentário na Globo News. Sem perder suavidade na voz, a professora falou sobre necessidade de provas contundentes quando se pretende privar a liberdade de uma pessoa. Não falou de casos concretos, não criticou. Fez o melhor: informou. Lembrou como esse ponto – a liberdade – é importante.
O STF que está condenando Genoino absolveu Fernando Collor com o argumento de “falta de provas.”

É o mesmo STF que, em tempos muito mais recentes, impediu que o país apurasse, investigasse e punisse a tortura ocorrida no regime militar.

Então ficamos assim. José Genoino, vítima da tortura que o STF impediu que fosse apurada, será condenado por corrupção, ao contrário de Fernando Collor.

Não há provas materiais contra Genoino e tudo que se pode alegar contra ele é menos consistente do que se poderia alegar contra Collor. Mas as provas da tortura são abundantes. Estão nos arquivos do Brasil Nunca Mais e em outros trabalhos. Foram arrancadas na dor, no sofrimento, na porrada, no sangue e, algumas vezes, na morte.

Em plena ditadura, 1918 vítimas da tortura deixaram registros dessa violência nos arquivos da Justiça Militar. Nenhuma foi apurada e, se depender da decisão do STF, nunca será.

Collor foi beneficiado porque provas muito contundentes contra ele foram anuladas. Considerou-se, na época, que a privacidade do tesoureiro PC Farias havia sido violada quando a Polícia Federal quebrou o sigilo de um computador que servia ao esquema. Essa decisão – em nome da privacidade — salvou Collor.

Você pode dizer que os tempos eram outros e que agora não se aceita mais tanta impunidade. Aceita-se. Basta lembrar que, na mesma época, o mensalão do PSDB-MG virou fumaça na Justiça Comum. E quando Márcio Thomaz Bastos tentou mudar o julgamento do mensalão federal, alegou-se que era no STF que os crimes graves são punidos.

Genoino está sendo condenado porque “não é plausível” que não soubesse do esquema. “Plausível”, informa o Houaiss, é sinônimo de aceitável, razoável. Olha o tamanho da subjetividade, da incerteza.

Isso porque ele assinou o pedido de empréstimo de R$ 3,5 milhões para o Banco Rural e por dez vezes refez o pedido. Não é plausível imaginar que um presidente do PT fizesse tudo isso sem saber de nada, acreditam três ministros do Supremo.

Mas fatos que são líquidos e certos não comoveram a acusação com a mesma clareza.

O empresário Daniel Dantas deu R$ 3,5 milhões para amolecer Delúbio Soares e Marcos Valério e cair nas graças do esquema. Não foram R$ 3,5 milhões subjetivos mas inteiramente objetivos.

Um pouco mais tarde, seu braço direito Carla Cicco assinou um contrato de R$ 50 milhões com as agências de Marcos Valério para transformar a turma do PT em geléia. Chegaram tarde. Depois de pagar a primeira prestação, a casa caiu e eles suspenderam o pagamento.

O esquema privado do mensalão, informa a CPMI, chegou a R$ 200 milhões. Quantos empresários foram lá, dar explicações? Nenhum.

Alguém acha plausível, aceitável, razoável, que fossem inocentados por antecipação?
Não há nada “plausível” que se possa fazer com R$ 200 milhões?

Só a Telemig, que pertencia ao grupo Opportunity, de Daniel Dantas, entregou mais dinheiro às agências de Valério do que o Visanet, que jogou o petista Henrique Pizzolato na vala dos condenados logo nos primeiros dias.

O que é plausível, neste caso?

Nós sabemos – e ninguém duvida disso – que Genoino fazia política o tempo inteiro. Fez isso a vida toda, com tamanha inquietação que, numa fase andou pela guerrilha do Araguaia e, em outra, ficou tão moderado que parecia que ia preencher ficha de ingresso no PSDB.

Chegou a liderar um partido revolucionário à esquerda do PC do B e depois integrou as correntes mais à direita do PT.

Então vamos lá. É plausível imaginar que Genoino tenha ido atrás de recursos de campanha? Sim. É plausível e até natural. Basta deixar de ser hipócrita para compreender. Política se faz com quadros, imprensa, propaganda, funcionários. Isso custa dinheiro.

Isso fez dele um dirigente que subornava adversários para convencê-los a mudar de lado, como quer a acusação? Não.

Eu não acho plausível, nem aceitável nem razoável. Duvido inteiramente, aliás.
E se eu tiver errado, quero que me provem – de forma clara, contundente. Sem essas suposições, sem um quebra-cabeças que joga com a liberdade humana.

Sem fogueira de tantas vaidades.


Alegou-se que a tortura não poderia ser apurada para preservar a transicão democrática.

A democracia avançou, as conquistas foram imensas. Mas os perseguidos, no fundo, bem no fundo, são os mesmos.

Não é um melodrama. É uma tragédia.

por Paulo Moreira Leite