domingo, 31 de março de 2013

ÍDOLOS DE PÉS DE BARRO




Houve um tempo, no Brasil e no mundo, em que todas as portas para a participação política estavam fechadas.

Um tempo em que se dizia amém antes mesmo da prece terminar e que toda a indignação, todo questionamento era proibido.

Tempo de guerras injustificáveis como a do Vietnã e de primaveras, como a de Praga.

Anos duros em que qualquer participação política era crime, a censura dava a última palavra e oposição apenas consentida, num verdadeiro faz-de-conta.

Nessa era de trevas, os inquietos e inconformados, especialmente a juventude, talvez pela natural chama ardente da idade, os intelectuais, operários, e o meio artístico, que quisessem protestar ou denunciar, tinham que ser criativos e buscar formas de fazê-lo sem perder a liberdade ou mesmo, a vida.

Então, o estilo de vida, o fazer e a forma de fazer determinadas coisas, tornaram-se por si mesmas, protestos e gritos sem sons.

Nesses tempos rebeldes, em especial a década de 60, 70 e parte da 80, os cabelos compridos, a roupa desbotada, o ritmo rebelde do rock e das motos turbinadas e o excesso de velocidade, assim como o consumo de drogas, assumiram ares de rebeldia e protesto, e, com o tempo, ocuparam um espaço na mitologia da juventude, assumindo contornos de estilo de vida.

Algumas drogas marcaram época como a maconha (a mais comum entre os brasileiros), morfina (consumida principalmente nos Estados Unidos e Europa) e o ácido lisérgico, o LSD. Este último tinha, inclusive, defensores públicos de sua liberação como agente facilitador para a compreensão de outras dimensões da existência, como o peyote seria entre os índios mexicanos.

Muitos ídolos desses tempos tiveram suas vidas ceifadas por esse modo de viver e até hoje ocupam o panteão dos heróis “imortais”: James Dean,(morto em 30/09/1955 em acidente de carro por excesso de velocidade), Marilin Monroe (morta em 05/08/1962 por ingestão de várias drogas), Jimi Hendrix (em 18/09/1970 por ingestão de comprimidos para dormir), Janis Joplin (03/10/1970 por overdose de heroína), Jim Morrison (vocalista da Banda The Doors em 03/07/71 na banheira de seu apartamento por overdose de álcool e outras drogas) e muitos outros.

Todos eles jovens, todos eles rebeldes, viraram estrelas de uma geração amordaçada, que vivia perigosamente, raspando no guard-rail da vida, mergulhada no álcool e namorando com a morte.

Mas, a vida é uma constante evolução, e o mundo não para sua rotação por nenhuma de nossas dores.

Novos tempos vieram. A democracia sobreviveu à tirania no Brasil, na Argentina, no Chile e em outros países. As guerras injustificáveis como as do Vietnã tornaram-se caras demais e acabaram, o socialismo real e a União Sovética entraram em declínio e acabaram, e, apesar dos grilhões, novas formas de luta acompanhadas de novas tecnologias surgiram.

O caráter e a função das drogas também se alteraram.

Hoje o uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas não indica qualquer tipo de mensagem política e é fonte de verdadeira epidemia.

Ao contrário de representar qualquer embate pela liberdade o uso de drogas está associado à escravidão, pois a liberdade é impossível quando se é dependente.

A droga perdeu seu charme. Perdeu seu mito. A droga perdeu a graça.

Entretanto nem todas as cabeças assumiram essa nova mentalidade.

Ainda existem ídolos que acham cult viver no limite do suicídio, ser considerado louco e morrer na banheira, afogado no próprio vômito.

Se é verdade que as novas gerações precisam urgentemente de ídolos, não é menos verdade que precisam de ídolos sadios. Que tragam com seu carisma a força da vida e da juventude a serviço dos ideais maiores.

Chega de cultivar o doentio.

Temos que ter clareza que morrer chapado é coisa de otário. Ser encontrando num apartamento sangrando por dar chute em parede é burrice.

Negar seu talento à seus fãns por um crise de dor de cotovelo, não é bonito, é mesquinho.

Chega de perder gente talentosa, porém, manhosa.

Basta de cultivar ídolos de pés de barro.


Prof. Péricles


quarta-feira, 27 de março de 2013

O ÓDIO AO ENEM




por Paulo Moreira Leite

É claro que, como qualquer cidadão de bom senso, tenho muitas preocupações sobre a qualidade do ensino de nossas escolas e o desempenho dos jovens em todas as fases de aprendizado.

Mas confesso que não entendo o escândalo em torno das redações do ENEM. Ou melhor: entendo perfeitamente.

Não passa de uma combinação de nossa velha hipocrisia em relação à garotada, combinada com um esforço permanente para desmoralizar toda iniciativa destinada a fortalecer a educação pública.

Vamos combinar que o português é uma língua complexa, de regras muito particulares e assimilação difícil. As exceções são freqüentes, os casos especiais também.

O mais grave é que as regras são submetidas a reformas ortográficas periódicas, o que torna o aprendizado um esforço permanente. O sujeito mal conseguiu memorizar as mudanças quando é informado que em algum ponto do universo foram aprovadas novas regras por motivos que só estão claros para quem reside em outra galáxia.

Profissional que lida com a língua portuguesa há quatro décadas, confesso que freqüentemente me vejo às voltas com dúvidas e até cometo erros que poderiam ser motivo de humilhação pública num país onde a falta de educação formal chega a ser motivo de ofensa e preconceito.

No caso do ENEM, esse comportamento se agrava por um esforço para condenar uma postura descontraída e irreverente dos estudantes. Tudo bem que é meio esquisito um sujeito interromper uma redação e dar uma receita de Miojo. Ou fazer um elogio a seu time de coração.

Mas eu pergunto se isso é o mais importante. Provas de redação devem medir a capacidade de uma pessoa se expressar. Muito mais importante, portanto, é saber se a receita está bem redigida, com pontos, vírgulas e frases no local correto, do que implicar com o assunto escolhido. Basta ler a imprensa pátria para confirmar que a distinção entre assuntos sérios e assuntos leves, questões relevantes, puro entretenimento e bobagens comerciais tornou-se muito difícil de definir, certo?

Essa postura de afirmar autoridade sobre a juventude é um traço de comportamento daninho. Reflete insegurança em relação ao futuro.

No caso do ENEM, há um agravante. O combate a todo esforço de melhorar a qualidade do ensino público é uma das bandeiras sagradas que unem os meios de comunicação, a rede privada e a indústria de vestibulares.

Com muito mais virtudes do que defeitos, o ENEM é uma ameaça à ordem criada pela privatização da educação que se transformou em política de Estado durante o regime militar – e nunca foi questionada como era preciso.

Cabe às autoridades aprimorar o ENEM, sem impressionar-se com reações histéricas nem cair na armadilha de fazer inúteis demonstrações de autoridade diante de uma garotada que, desde o início dos tempos, apenas irá dar risada daqueles que não se esforçam para compreendê-la.


sábado, 23 de março de 2013

CONSELHOS DO CONSELHEIRO




Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo


Não tive uma infância pobre. Meu pai era comerciante e se não tínhamos luxo, ao menos, não vivíamos na miséria. Mas minha infância foi triste, pois perdi minha mãe, Maria Joaquina de Jesus, com apenas seis anos. Nunca superei essa perda.

Fui maltratado pela madrasta e até por meu pai em seus delírios de alcoolista, e por isso, construí um mundo só meu, onde me escondia para sobreviver a tanta amargura.

Para acelerar meu tempo nesse mundo só meu, estudei por conta própria português, geografia, francês e latim. Li de tudo, era um apaixonado por leitura, especialmente de lendas populares.

Lhe tenho amor, Lhe tenho horror. Lhe faço amor, Eu sou um ator

Aos 27 anos perdi também meu pai. Passei a cuidar da loja e cuidar de minhas três irmãs. Graças às minhas leituras e meu talento me tornei uma espécie de advogado sem diploma, que chamam de rábula. Dava aulas numa escolinha de fazenda, lá, depois do fim do mundo e ainda me tornei escrivão de cartório.

Diria, então, que estava com minha vida arrumada.

Nunca fui de muita sorte e tive o azar de casar com uma mulher que não me amava. Brasiliana Laurentina, minha prima de 15 anos, linda e deliciosa. Resultado? Numa noite sem estrelas ela fugiu com outro. Mais uma vez me senti sozinho e me escondi no mundo que criei pra mim.

Você sabe o que significava ser abandonado pela mulher numa cidade pequena do nordeste no final do século 19? Significava deboche, piadas, risadas escondidas, enfim, muita humilhação. Resolvi largar tudo, profissão que pagava bem, emprego que a mim sobrava. Tudo. Larguei e fui embora.

Eu quero dizer agora, o oposto do que eu disse antes
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante

Passei a andar pelo mundo como alguém que nada mais espera da vida. Claro que queria encontrar aqueles dois, mas, felizmente, jamais os encontrei. Perambulei não só pelo Ceará como também por outros estados e, para sobreviver dei uma de pedreiro, ofício que aprendi de meu pai, para restaurar capelas, igrejas e cemitérios.

Passei a ler os Evangelhos com desespero e fervor. E, repassei esse fervor aos humildes, aos analfabetos. Os pobre passaram a confiar na minha palavra e a me pedir conselhos. Consolava como podia e meus conselhos tornaram-se a panacéia dos miseráveis.

Tornei-me conhecido por Antonio Conselheiro e a ter meus passos seguidos por essa gente desamparada.

É chato chegar a um objetivo num instante
Eu quero viver nessa metamorfose ambulante


Padres e fazendeiros me odiavam. Os padres pela perda de prestígio junto ao povo que me seguia. Os fazendeiros pela perda de mão de obra abundante e barata que, comigo, ia embora.

Brasiliana morreu e fui acusado de tê-la assassinado. Queriam se livrar de mim, mas no julgamento provei minha inocência e tiveram que me soltar e meu povo passou a me ver como mártir e um perseguido, como eles próprios sempre foram.

Dezessete anos depois de começar minhas andanças, em 1893, me estabeleci numa fazenda abandonada às margens do rio Vaza-Barris, numa remota região do sertão baiano, conhecida como Canudos. Ali, fundei um povoado, o” Belo Monte”. Rapidamente, o vilarejo se transformou numa cidade de aproximadamente 20 mil habitantes.

Vivíamos da agricultura familiar, não havia propriedade da terra os lucros da venda de nossos produtos eram por todos divididos igualmente. Não havia patrão ou senhor. A constituição de nosso mundo estava escrita nas nossas responsabilidades que eram iguais, para todos e nos Evangelhos dos humildes.

Era um mundo paralelo, um mundo alternativo à dura realidade do sertão. Uma sociedade alternativa.

Em 1887, o arcebispo, junto ao presidente da província, me acusou de pregar doutrinas subversivas. Fui acusado de louco e anarquista e, após a proclamação da república, de monarquista. A Igreja e o latifúndio se uniam para afastar aquilo que não entendiam e que temiam.

Mundo igualitário? Justiça social? Ausência de propriedade? Era demais pra eles.

Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo


Um dia, mandei arrancar das paredes e queimar, os editais que determinavam novas cobranças de impostos da gente do interior, que já não tinha mais como pagar e meus homens derrotaram os policiais que tentaram detê-los.

Depois disso, o sistema declarou guerra.

Entre outubro de 1896 e outubro de 1897 o governo do Presidente Prudente de Moraes enviou 4 expedições militares para nos matar. Vencemos as três primeiras, pois conhecíamos aquela região como a palma de nossa mão, mas fomos massacrados na quarta expedição cujo cerco a Canudos durou um mês e terminou no dia 5 de outubro de 1897.

Não houve prisioneiros, nem rendição. Perto de 25 mil pessoas, incluindo mulheres e crianças morreram. Segundo Euclides da Cunha, militar e escritor autor do livro “Os Sertões” sobre a Guerra de Canudos, um velho, um homem coxo e uma criança foram os últimos a tombar.

Antes disso, no início de setembro chamei meus ajudantes diretos e anunciei que iria morrer no final daquele mês. E, exatamente como previ me encontraram morto no leito no dia 22 de setembro de 1897. Tinha então, 67 anos.

Se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio amanhã lhe tenho amor.


E como eu previ? Previ porque aprendi no meu mundo que morremos quando morrem nossos sonhos e que nossos sonhos morrem quando não são sonhados por todos. O sistema não nos deixa sonhar nos educando para um mundo de exploração e ganância, nos fazendo crer que essa é a única maneira de viver.

Aprendi que um outro mundo é possível sim, mas somente se abdicarmos do mundo que nos é imposto e jogarmos nos Vaza-barris da vida, todas as máscaras que nos fazem mal e que se deixarmos aderem ao nosso rosto e nossa alma.

Temos que acreditar que tudo é possível até o impossível como o sertão virar mar e o mar virar sertão.

Mesmo que isso doa, mesmo que a gente chore, mesmo que se magoe temos que perder o medo de trocar de planos, de mudar de idéia e de chorar por todos.

Mesmo que isso te transforme numa metamorfose ambulante.

Eu vou lhe desdizer aquilo tudo que eu lhe disse antes
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante



Obs. Realmente o sertão virou mar com a construção entre 1951 e 1967 da Represa de Cocorobó que alagou toda a região de canudos, vista, atualmente somente em épocas de grandes secas.



Prof. Péricles

“Metamorfose ambulante”
Letra de Raul Seixas



quarta-feira, 20 de março de 2013

O PECADO DA OMISSÃO



Por Clóvis Rossi jornalista

Jorge Mario Bergoglio leva ao Vaticano um pecado imperdoável: foi no mínimo omisso durante o genocídio que a ditadura militar argentina praticou entre 1976 e 1983.

Nem é possível alegar que não era, então, uma figura destacada na hierarquia eclesiástica: foi provincial dos jesuítas entre 1973 e 1979. A parte mais selvagem da repressão se deu precisamente entre o golpe de 1976 e 1978, quando, a rigor, a esquerda armada já havia sido esmagada, junto com milhares de civis desarmados.

Há na Argentina quem acuse Bergoglio de ter sido pior do que omisso: o jornalista Horácio Verbitsky, autor de um punhado de livros sobre a ditadura, acusa o agora papa de ter sido cúmplice da repressão ao denunciar aos militares, como subversivos, sacerdotes que desempenhavam forte ação social.

Verbitsky diz possuir documentos obtidos na Chancelaria argentina que demonstram a veracidade de sua acusação.

Antes do conclave anterior (2005), um advogado da área de direitos humanos chegou a propor uma ação contra Bergoglio, acusando-o de ter sido cúmplice no sequestro de dois padres jesuítas em 1976.

Bergoglio sempre negou as acusações. Disse que, ao contrário, tentou proteger os jesuítas perseguidos.

O que não dá para negar é que Bergoglio passou em silêncio por um período negro da história argentina, em que o comportamento de sua igreja foi obsceno.

Não é, portanto, um cartão de visitas auspicioso para um papa condenado a enfrentar uma evidente crise de credibilidade, se não da igreja, pelo menos de sua cúpula.

A igreja argentina também perdeu credibilidade por sua pusilanimidade, para dizer o mínimo, durante a ditadura militar. Como correspondente da Folha em Buenos Aires de 1980 a 1983, fui testemunha ocular das intoleráveis omissões da hierarquia ante a violência do Estado.

Conto apenas um episódio menor para mostrar a covardia.

Um dado dia, as Madres de Plaza de Mayo pediram uma audiência aos bispos. Um grupo delas, todas senhoras de idade, rostos vincados pelo tempo e pela dor, foi até a sede da Conferência Episcopal Argentina para entregar uma petição, obviamente relacionada à violação dos direitos humanos.

Chovia, fazia frio, o vento era cortante. Pois os responsáveis pela igreja argentina não tiveram nem sequer a piedade de permitir que as senhoras esperassem no interior do imóvel. Ficaram mesmo ao relento, como a sociedade argentina ficou desprotegida pelos seus pastores durante toda a ditadura.

É dessa igreja que vem Bergoglio. Uma igreja que jamais pediu perdão por esse insuportável comportamento.

É possível que, tendo a Argentina da democracia passado a limpo o período do terror, a questão dos direitos humanos no passado seja deixada de lado ou vá para um pé de página no perfil do novo papa.

Entendo. Os homens passam a ser santos, ou quando morrem ou quando assumem o papado.
A ver se o papa Francisco corrigirá no Vaticano o pecado de omissão de Bergoglio.

domingo, 17 de março de 2013

POLÍTICA DE COTAS, UM SUCESSO



Por Elio Gaspari

Na essência da política de cotas há um aspecto que exaspera seus adversários: um estudante que vai para o vestibular sem qualquer incentivo de ações afirmativas tira uma nota maior que o cotista e perde a vaga na universidade pública. Quem combate esse conceito em termos absolutos é contra a existência das cotas, cuja legalidade foi atestada pela unanimidade do Supremo Tribunal e aprovada pelo Congresso Nacional (com um só discurso contra, no Senado). É direito de cada um ficar na sua posição, minoritária também nas pesquisas de opinião.

Uma coisa é defender as cotas quando a distância é pequena, bem outra seria admitir que um estudante que faz 700 pontos na prova deve perder a vaga para outro que conseguiu apenas 400. O que é diferença pequena? Sabe-se lá, mas 300 pontos seria um absurdo.

Os adversários das cotas previam o fim do mundo se elas entrassem em vigor. Os cotistas não acompanhariam os cursos, degradariam os curriculos e fugiriam das universidades. Puro catastrofismo teórico. Passaram-se dez anos, Ícaro Luís Vidal, o primeiro cotista negro da Faculdade de Medicina da Federal da Bahia, formou-se no ano passado e nada disso aconteceu. Havia ainda também as almas apocalípticas: as cotas estimulariam o ódio racial. Esse estava só na cabeça de alguns críticos, herdeiros de um pensamento que, no século XIX, temia o caos social como consequência da Abolição.

Mesmo assim, restava a distância entre o beneficiado e o barrado. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais divulgou uma pesquisa que foi buscar esses números no banco de dados do Sistema de Seleção Unificada. Neste ano as cotas beneficiaram 36 mil estudantes. Pode-se estimar que em 95% dos casos a distância entre a pior nota do cotista admitido e a maior nota do barrado está em torno de 100 pontos. Em 32 cursos de medicina (repetindo, medicina) a distância foi de 25,9 pontos (787,56 contra 761,67 dos cotistas).

O Inep listou as vinte faculdades onde ocorreram as maiores distâncias. Num caso extremo deu-se uma variação de 272 pontos e beneficiou uns poucos cotistas indigenas no curso de História da Federal do Maranhão. O segundo colocado foi o curso de Engenharia Elétrica da Federal do Paraná, com 181 pontos de diferença. A distância diminui, até que no 20º caso, do curso de Ciências Agrícolas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Federal do Rio Grande do Sul, ela ficou em 128 pontos.

Pesquisas futuras explicarão como funcionava esse gargalo, pois, se a distância girava em torno de 100 pontos, os candidatos negros e pobres chegavam à pequena área, mas não conseguiam marcar o gol. É possível que a simples discussão das ações afirmativas tenha elevado a auto-estima de jovens que não entravam no jogo porque achavam que universidade pública não era coisa para eles. Neste ano 864.830 candidatos (44,35%) buscaram o amparo das cotas.

A política de cotas ocupou 12,5% das vagas. Num chute, pode-se supor que estejam em torno de mil os cotistas que conseguiram entrar para a universidade com mais de cem pontos abaixo do barrado, o que vem a ser um resultado surpreendente e razoável. O fim do mundo era coisa para inglês ver.

sexta-feira, 15 de março de 2013

POLÍTICAS AFIRMATIVAS



Imagine que você e um grupo de amigos e vizinhos brasileiros, mudem-se, em definitivo, para outro país, por exemplo, a Bongoróvia.

Você e seus amigos são surpreendidos, logo na chegada, por condições de trabalho que, absolutamente não eram as esperadas por vocês e prometidas pelos empregadores que vieram buscá-los aqui, no Brasil.

Apesar disso, não há volta. Vocês queimaram o passaporte num compromisso pétreo exigido pelos que aqui vieram buscá-los. Então, vocês prosseguem no trabalho, embora se sentindo passados para trás.

O tempo passa e as condições só pioram. Os filhos crescem, você envelhece, os netos chegam, e você ainda dando duro sem poder se aposentar. Pior, ganhando pouco, muito, muito pouco.

O salário era tão pequeno que seus filhos e netos não tiveram condições de estudar. Para ajudar você começaram a trabalhar muito cedo. Nem você, nem seus filhos e netos tiveram condições de acumular qualquer patrimônio.

O vento do tempo sopra e um dia sua alma parte deixando em Bongoróvia uma descendência pobre, ignoranten atrasada, desinformada e sem condições de competir por salários melhores.

Muitas décadas depois os descendentes dos seus empregadores declaram o compromisso firmado extinto. Seus netos já não são obrigados a viver na Bongoróvia.

Porém, mesmo com o fim do compromisso, seus netos e bisnetos que sequer conhecem o Brasil e por aqui não possuem nenhuma raiz, permanecem em Bongoróvia onde são naturalmente excluídos de qualquer emprego com melhor salário e praticamente alijados de qualquer possibilidade de estudo.

Na verdade, os bongorovianos criaram uma realidade que excluí sua gente de qualquer participação mais próxima à dignidade, e pior, não se sentem culpados por isso ou obrigados a qualquer acordo.

Pergunta: você não acha que deveria haver por parte da Bongoróvia e dos bongorovianos um compromisso de facilitar a inclusão social de sua gente?

Você não acha que, seria justo uma compensação por tantos anos de exploração e exclusão que começou com você e se espalhou aos seus herdeiros?

Foi mais ou menos isso que aconteceu com os africanos, trazidos à força para o Brasil e reduzidos à condição de escravidão.

A tal de “Lei Áurea” que, em apenas um artigo, considerou o fim da escravidão, não previu qualquer compromisso entre o governo e os recém-libertos. Ao contrário, antes de maio de 1888 quando da abolição, o governo brasileiro desenvolveu uma política de imigração, trazendo europeus, especialmente alemães e italianos para suprir as vagas que a liberação da mão de obra escrava traria.

Escravo por 3 séculos e alienígenas no mercado de trabalho.

Compromisso do governo? Nenhum.

Políticas governamentais de assistência, treinamento ou qualquer tipo de inclusão do escravo no mercado de trabalho? Nenhuma.

Pois a alguns anos se desenvolve no Brasil aquilo que chamamos de “Políticas Afirmativas”.

E o que são as Políticas Afirmativas?

São medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo estado, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros.

Portanto, são ações atuais mas de causas históricas.

No caso são políticas públicas que visam, de alguma forma, compensar a população negra do Brasil do grande esquecimento a que foi submetida ao longo de 125 anos pós alforria.

Entre essas políticas encontram-se as cotas voltadas aos jovens negros nas faculdades públicas.

Os conservadores retrucam, e fazem disso uma questão de oposição e crítica ao governo, mas o fato é que, em todas as instâncias, em todos os tribunais a que apelaram via PSDB e DEM, para acabar com as cota, foram derrotados.

As cotas são hoje uma realidade e nem por isso o Brasil acabou ou entrou em declínio. Ao contrário, mais e mais talentos juntam-se à obra da construção de um país mais justo e de todos.

E você, meu amigo bongoroviano, no silêncio de seu túmulo, não acharia justas as políticas afirmativas?




Prof. Péricles