sábado, 17 de maio de 2014

MEDO, AMOR E DOR DE CABEÇA


Certa vez Zeus estava com enorme dor de cabeça.

Sua dor era tamanha que ele perdeu a vontade de fazer qualquer coisa, até transar (coisa que todos achavam impossível em se tratando de Zeus).

A dor de cabeça continuou aumentando e não havia analgésico que a pobre divindade já não tivesse experimentado, sem sucesso.

Em um dado momento, o Deus dos deuses não agüentou mais. Chamou Hefesto, deus do fogo e seu filho com Hera (segundo alguns, apenas de Hera com o auxílio do vento... bem, mas isso é outra história) e pediu para que esse utilizasse sua bigorna divina, para, com uma só pancada abrisse sua cabeça para ver o que provocava tamanha dor (procedimento cirúrgico exclusivo de imortais, infelizmente).

Hefesto, que já não curtia muito o velho, cumpriu com bom gosto a ordem e deu uma porrada titânica que, de fato, abriu o crânio do seu pai.

Para surpresa de todos que assistiam a cena, de dentro da cabeça de Zeus saiu um feto que, enquanto caía em direção ao oceano se transformava numa mulher. E das espumas das ondas, nas praias da ilha de Chipre (segundo Homero), surgiu Afrodite, a deusa da beleza, da forma feminina perfeita, a deusa do amor, do sexo e de todas as transas desde a mais rapidinha até a divinal.

Dessa forma, os gregos explicavam que, a mulher perfeita só existe mesmo na cabeça dos homens, especialmente dos homens que só pensam em sexo, como nosso insaciável Zeus.

Talvez tentassem nos dizer, ainda, que o mal da sedução não está na beleza feminina, mas na idéia que o homem faz diante da sedução que pode até, atormentá-lo com a mais viva das dores.

Seria interessante essa leitura pelos muçulmanos ortodoxos que proíbem as mulheres de mostrar até o rosto, com medo da sedução que os leva ao pecado.

Afrodite, por sua vez foi uma deusa agitada que aprontou todas e mais algumas.

Sua beleza era inebriante, irresistível e representou de várias formas, o direito a plenitude do prazer sexual que foi negada às mulheres reais durante séculos, na história humana.

Teve uma rivalidade imensa com as deusas e suas manas, Hera e Atena. Uma rivalidade tão grande que deu origem à Guerra de Tróia (mas essa, também é outra história).

Seu marido titular era seu irmão Hefesto (aquele mesmo da bigornada), mas teve vários filhos, com inúmeros deuses e até mortais. Deusas, definitivamente, não tinham estrias por causa da gravidez.

Com Ares, deus da guerra, teve vários filhos como Eros, Harmonia e Pothos, mas dois deles chamam a atenção – Fobos e Deimos.

Eram gêmeos.

Fobos era o Deus do medo. Temido pelos soldados, sua presença no campo de batalha, despertava a vontade de fugir do perigo iminente que viria. Seu irmão, Deimos, era o Deus do pânico.

Os guerreiros rezavam para que Deimos não aparecesse na guerra, pois o pânico trazia a fuga, a derrota e a morte diante do inimigo.

Ao que tudo indica, Deimos e Fobos andavam sempre juntos e divertiam-se que os estragos que causavam nos corações mais corajosos que encontravam.

Não resta dúvida que a mensagem mitológica nesse caso é uma das mais intrigantes pois coloca o medo e o pânico como filhos do amor (Afrodite).

Queriam nos dizer que o amor enfraquece e deixa escapar a coragem? Será que após encontrar a pessoa amada e formar família o homem pensa melhor sobre as conseqüência de seus atos e, torna-se mais prudente?

Os gregos nos dizem que o que mais desejamos quando encontrado, nos traz o pior dos medos, que é perdê-lo.

Talvez isso explique porque a oposição brasileira, mesmo com o apoio extraordinário da mídia não consiga convencer o brasileiro que ele vive mal e precisa mudar seu voto nas próximas eleições.

É que quem nunca teve, quando tem sofre um enorme medo de perder.

Boa parte desse povo nunca teve acesso a tratamento médico. Casa própria. Bens de consumo como automóvel ou mesmo, convênio privado de saúde.

Muitos nunca tiveram luz elétrica em seus lares, nem água tratada.

Para uma grande parcela de nosso povo, submerso abaixo da linha da miséria uma volta ao passado representa o retorno ao inferno.

E todos lembram do tamanho das filas por emprego.

Fobos e Deimos visitam as casas mais humildes do Brasil e o poder de suas presenças é muito mais verdadeiro do que as falácias disseminadas pela mídia. Entender isso faria bem à oposição estimulando uma mudança de discurso e de postura.

Na astrologia Deimos e Fobos são as duas luas de Marte (Ares para os romanos), e, assim como pai e filhos, vagueiam juntos, eternamente, no espaço.

Na Terra, mamãe Afrodite ainda nos desafia a não temer o amor.


Prof. Péricles

TORCIDA DE TIME PEQUENO


Por Ricardo Kotscho

O que aconteceu? Anunciadas pomposamente como o "Dia Internacional de Lutas Contra a Copa" por líderes sem cara e sem nome, as manifestações de protesto programadas nesta quinta-feira em todo o País e até no exterior, terminaram num retumbante fracasso e, mais uma vez, em atos de vandalismo. Luta mesmo se deu apenas entre black blocs e policiais, um vexame.

Aconteceu que este foi apenas mais um factoide midiático. Não apareceram mais do que 1.500 combatentes no Rio e em São Paulo; outros 2.000, em Belo Horizonte, 100, em Curitiba, 200, em Porto Alegre, 300, em Fortaleza, 100, em Salvador, e por aí foi. Ou seja, somando tudo, tinha menos gente do que num jogo da Portuguesa e mais policiais e jornalistas do que manifestantes.

Estão desmoralizando até os protestos. Agora, qualquer um, por qualquer motivo, pode fechar a avenida Paulista, região onde fica o maior complexo hospitalar do País. Logo de manhã, um grupo de ex-funcionários do Idort, que cuida dos telecentros da prefeitura paulistana, achou-se no direito de desfilar pela avenida, no horário de maior movimento, para cobrar salários atrasados. E o que nós temos a ver com isso?

Claro que, criado o clima e montado o cenário, movimentos de sem-teto e diversas categorias profissionais em campanha salarial, de policiais a professores, passando por metalúrgicos arrebanhados pelo impagável Paulinho da Força, principal aliado do candidato Aécio Neves, aproveitaram-se da ampla cobertura da imprensa para fechar ruas e avenidas em mais um dia de baderna e caos nas principais cidades do País.

Em Recife, foi pior. A exemplo do que já havia acontecido na Semana Santa em Salvador, durante a greve da Polícia Militar, em poucas horas, sete pessoas foram assassinadas, começaram os saques e o pânico tomou conta das ruas, com comércio e escolas fechando as portas. Foram convocadas tropas da Força Nacional e, mais uma vez, o Exército, enquanto o candidato Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco, postava na rede social uma foto da família viajando de jatinho a caminho de São Paulo.

Vamos ter Copa, mas não vamos ter mais nenhum dia de paz até as eleições. São tantos interesses em jogo nesta antevéspera da Copa, juntando os político-eleitorais com os daqueles que querem apenas azucrinar a vida dos outros e aos que se aproveitam do momento para chantagear os governos, que o direito de ir e vir está provisoriamente suspenso. Nada indica que, apesar do fracasso de ontem, as manifestações possam parar por aí.

Policiais de todo o País, civis, militares, federais e rodoviários, já estão ameaçando fazer uma greve conjunta na próxima quarta-feira, dia 21. Em Pernambuco, os PMs pedem módicos 50% de aumento, ao passo que no Rio motoristas e cobradores se contentam com 40%. Num país em que a inflação está abaixo do teto de 6,5%, caso as reivindicações de todas as categorias em greve sejam atendidas, o que é inviável, os aumentos provocariam uma disparada nos preços para a alegria da turma que joga no quanto pior, melhor, que sabemos bem maior do que a torcida da Portuguesa. Aí certamente serão programadas novas manifestações, agora contra a inflação.

Aonde querem chegar? Só espero que outubro chegue logo.

terça-feira, 13 de maio de 2014

INSEGURA SEGURANÇA


As primitivas coletividades do período pré-histórico surgiram pela necessidade dos homens de se sentirem seguros. Sozinhos percebiam-se frágeis diante das ameaças do ambiente e as possibilidades de sobrevivência eram escassas.

As primeiras civilizações tiveram a questão da segurança no núcleo original de sua formação. O rei teocrático era a expressão da união que gerava o estado e o estado, a repressão e a força que dele emanava, proporcionava a sensação de segurança pessoal e de sua prole.

Roma que teve um período mais ou menos longo de decadência, teve na insegurança e na incapacidade do estado de manter a ordem, um dos mais dramáticos dos motivos de sua queda, e quando os primeiros bárbaros invadiram suas fronteiras os romanos já haviam iniciado a fuga, abandonando o estado e buscando proteção em áreas menores, mas de poderosos proprietários rurais, trocando salário por trabalho gratuito, na instituição denominada de colonato. Ou seja, já haviam abandonado o estado.

No longo período feudal, os servos submetiam-se a uma vida miserável de exorbitante exploração de seu trabalho pelos donos de terra, simplesmente porque o feudo e a ordem feudal mantinham uma segurança vital para a vida de seus pobres. Quando, exauridos daquela vida infeliz, o servo pensava e ir embora, olhava para as grossas paredes e muralhas dos castelos, pensava no mundo inseguro que lhe aguardava lá fora e mudava de idéia. E assim, gerações ficaram, por 10 séculos, trocando trabalho sem salário, mas com segurança.

A partir do século XIV, quando os senhores da nobreza e da riqueza foram incapazes de impedir as mortes crescentes devido às pestes, e as guerras entre eles tornou seu mundo inseguro, os nobres perderam seus servos, e o feudalismo ruiu.

As unificações nacionais trouxeram a figura onipotente do estado, e velhos valores apenas trocaram de roupagem. O nobre foi substituído pelo rei centralizador e o exército local substituído por um grande exército nacional. Mas alguns valores não se alteraram, como a necessidade do povo de se sentir seguro, e, então, o estado nacional se consolidou, como patrocinador da ordem e da manutenção da nacionalidade.

Hoje, vivemos numa sociedade onde o medo se destaca.

Nunca fomos tantos e isso também explica porque nunca tivemos tantos crimes e atos violentos, que são, pelo poder da proliferação quase instantânea da notícia, amplamente divulgados.

A violência invade nossas casas pela Televisão, pela internet, por todos os meios e lados. Nos oprime, nos amassa e pesa mais nossos corações a cada crime hediondo, a cada crueldade aparentemente inexplicável que de tão detalhado, fotografado, filmado, acaba se tornando um pouco nosso também.

Somos todos vítimas e todos nós nos sentimos cúmplices.

O maior perigo, que não pode, de forma alguma, passar despercebido, é o fato que tudo isso abre frestas nas estruturas do nosso jeito de viver e na funcionalidade do próprio estado.

Quando permitimos que veículos concessionários do poder público divulguem idéias de vingança, disfarçadas ou não, arriscamos repetir a nobreza que não percebeu que a peste vinha de dentro de seu mundo e não de qualquer poder externo.

Quando achamos que é válido fazer justiça com as próprias mãos nos aproximamos, perigosamente, dos bárbaros que entendiam o saque como direito de vingança pelos muitos séculos submetidos à Roma.

Seria muito bom que houvesse o entendimento que a questão da violência que aflige a população brasileira é muito mais grave do que fatos episódicos e transitórios.

Historicamente foi a necessidade de segurança que uniu e a falta dela que aniquilou com sociedades e modos de vida.

Prof. Péricles

sábado, 10 de maio de 2014

ATIRE A PRIMEIRA PEDRA


“Disseram a Jesus: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. E na lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas; tu, pois, que dizes?

Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo.

Como insistissem na pergunta, Jesus se levantou e lhes disse: Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra.

E, tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão.

Mas, ouvindo eles esta resposta e acusados pela própria consciência, foram-se retirando um por um, a começar pelos mais velhos até aos últimos, ficando só Jesus e a mulher no meio onde estava.

Erguendo-se Jesus e não vendo a ninguém mais além da mulher, perguntou-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?

Respondeu ela: Ninguém, Senhor! Então, lhe disse Jesus: Nem eu tampouco te condeno; vai e não peques mais”.

Lembrei imediatamente dessa narrativa do evangelista João (VIII, 3-11) quando vi a foto de Fabiane.

Uma mulher apedrejada, caída ao chão. Na foto dá pra ver os pés dos que a cercam sob pequeno círculo. Os apedrejadores.

É uma imagem que a gente logo percebe que é daquelas que jamais se conseguirá esquecer.
Fabiane Maria de Jesus, mãe de dois filhos, está sentada com a face direita coberta de sangue que parece ter origem num enorme ferimento na boca.

Blusinha branca, estampada com detalhes laranja, bermuda azul, certamente quando a colocou pela manhã não pensava que seria fotografada e que sua imagem se espalharia por todo o Brasil.

Sentada no chão, Fabiane chora.

Não sei se chora pela dor dos ferimentos no corpo. Se chora de medo que lhe machuquem ainda mais, ou se chora de indignação.

Seu olhar é de uma criança assustada que teme a surra prometida pelos pais.

Olhos grandes e apavorados. Parecem procurar algo que lhe salve a vida.

Ela havia sido atingida por incontáveis socos e ponta-pés disparados por centenas de bons cidadãos da “Pérola do Atlântico” como gosta de ser chamada a cidade paulista de Guarujá.

Pouco antes, uma multidão estimada em mais de mil pessoas havia invadido a comunidade de Morrinhos, para fazer justiça. Uma notícia plantada na internet identificava Fabiane como a perigosa seqüestradora de crianças que apavora a região de Morrinhos, naquele município.

A multidão inflamada pelas notícias da internet da página “Guarujá Alerta” encurralou Fabiane.

Ali mesmo, sob a terra vermelha e sem formalidades, ela foi julgada e condenada.
Mas, o pior viria depois da foto. Após novas agressões que não se intimidaram com suas lágrimas, nem com seu olhar de criança assustada, foram marretadas que lhe atingiram o crânio e provocariam a morte imediata, calando seu choro e fechando seus olhos assustados para sempre.

O corpo seria jogado numa vala fétida sujando de barro a blusinha branca de detalhes laranja e a bermuda azul já empapadas de sangue.

Segundo testemunhas anônimas, foram duas horas de execução, desde o primeiro soco na cara até o corpo fazer splash na água apodrecida da vala.

Fabiane chorou muito. Nas duas horas de execução esteve consciente em praticamente todos os momentos, até que a marretada final, disparada de cima para baixo provocou a hemorragia fatal.

Segundo a prefeita de Guarujá, Maria Antonieta de Brito que conhecia Fabiane da Igreja que ambas freqüentavam, ela sofria de depressão pós-parto. Tinha problemas psiquiátricos, mas era mãe extremada, participava sempre da Igreja São João Batista do bairro, sendo do grupo de jovens católicos daquela Igreja.

Segundo a prefeita qualquer um que a conhecia saberia que ela jamais faria mal a uma planta, imagina, a uma criança.

E a polícia concorda com a prefeita. Não só concorda como demonstrou com fatos que Fabiane era completamente inocente das acusações de ser a temida seqüestradora.
Sim, Fabiane era absoluta, concreta, completamente, inocente.

Não deixa de ser curioso que nossa civilização, a civilização ocidental se denomine de “cristã” sendo Cristo aquele moço que desenhando na areia exortou ao perdão.

Mas, se somos a civilização cristã, quando foi que endurecemos mais do que a própria pedra arremessada e deixamos de exercer a empatia para ouvir as vozes sensacionalistas do ódio?

Fabiane, vítima de linchamento cruel, foi apedrejada até a morte e era inocente.

Segundo seu marido há 15 dias não tomava os remédios e estava mergulhada em profunda tristeza. Passava a maior parte do dia circulando pela cidade e pela praia, a pé ou de bicicleta, em profunda solidão.

Ficou assim desde a depressão pós-parto.

Agora, Fabiane não chora mais. Mas, bem que poderíamos chorar por nós e pela civilização que construímos, onde, surda aos conselhos do mestre, ousamos, todos os dias, contra muitas outras Fabianes, lançar da primeira a última pedra.

que falta nos faz aquele moço desenhando na areia.

Prof. Péricles

quarta-feira, 7 de maio de 2014

CONTABILIDADE TÉTRICA


Por Luis Fernando Veríssimo


Quem defende as barbaridades cometidas pelo o regime militar no Brasil costuma invocar os mortos pela ação dos que contestavam o regime. Assim, reduz-se tudo a uma contabilidade tétrica: meus mortos contra os seus. Pode-se discutir se a luta armada contra o poder ilegítimo foi uma opção correta ou não, mas não há equivalência possível entre os mortos de um lado e de outro. Não apenas porque houve mais mortes de um só lado, mas por uma diferença essencial entre o que se pode chamar, com alguma literatice, de os arcos de cumplicidade.

O arco de cumplicidade dos atentados contra o regime era limitado à iniciativa, errada ou não, de grupos ou indivíduos clandestinos. Já o arco de cumplicidade na morte de contestadores do regime era enorme, era o Estado brasileiro. Quando falamos nos "porões da ditadura" em que pessoas eram seviciadas e mortas, nem sempre nos lembramos que as salas de tortura eram em prédios públicos, ou pagas pelo poder público - quer dizer, por todos nós.

A cumplicidade com o que acontecia nos "porões", em muitos casos, foi consentida, mesmo que disfarçada. Ainda está para ser investigada a participação de empresários e outros civis na chamada Operação Bandeirantes durante o pior período da repressão, por exemplo. Mas a cumplicidade da maioria com um estado assassino só existiu porque o cidadão comum pouco sabia do que estava acontecendo.

A contabilidade tétrica visa a nivelar o campo dessa batalha retroativa pela memória do País e igualar os dois arcos de cumplicidade. Não distingue os mortos nem como morreram. Todas as mortes foram lamentáveis, mas os mortos nas salas de martírio do estado ou num confronto com as forças do estado na selva em que ninguém sobreviveu ou teve direito a uma sepultura significam mais, para qualquer consciência civilizada, do que os outros. O que se quer saber, hoje, é exatamente do que fomos cúmplices involuntários.



domingo, 4 de maio de 2014

UM PAÍS DE DOIS CORAÇÕES


O grupo que tomou o poder à força na Ucrânia foi saldado no Ocidente como legítimos representantes dos desejos democráticos de seu povo.
Consta que, revoltados com as decisões do governo de fortalecer os laços com Moscou e se afastar da EU (União Européia), saíram às ruas em protestos, enfrentaram a repressão, e, finalmente, derrubaram os dirigentes e tomaram o poder.
Além dessa história não parecer nada democrática, o que mais assusta é a análise que se pode fazer dos elementos que compõem esse “grupo democrático”.
Trata-se de grupos políticos como o grupo Pravy Sektor (Setor da Direita), que curte a cartilha nazista e é bastante chegado em conceitos e preconceitos que já deveriam estar enterrados nos escombros da II Guerra Mundial.
Galera que adora por a culpa de suas dificuldades nos outros, especialmente se esses outros forem judeus, negros, eslavo, latinos, etc.
Além da natural intolerância que caracteriza o pensamento radical da extrema direita, causa temor pensar na segurança (ou insegurança) das minorias envolvidas nessa crise, que ameaça aumentar e ganhar contornos de guerra separatista.
Nos últimos dias, vários folhetos foram distribuídos por homens mascarados nas saídas das sinagogas de Donetsk, cidade localizada no coração do conflito, meio do caminho entre o leste e o oeste. A mensagem dizia para os judeus se registrarem e pagarem um imposto exclusivo por sua segurança, ou então, deixar o país.
São 15 ml judeus que agora se sentem ameaçados e temerosos. Geralmente, os piores efeitos do ódio são contra eles.
A Ucrânia é um país de coração dividido.

Sua porção leste (incluindo a Criméia) é povoada majoritariamente por russos ou descendentes de russos. Pra esse lado do país a Europa significa muito pouco, até porque, os europeus através da UE pouco, ou nada fizeram desde a crise da União Soviética, para se aproximar da Ucrânia. Para o pessoal do leste, também geograficamente mais distante da Europa, a Rússia é seu porto seguro, a pátria mãe, e o aliado econômico que jamais negou auxílio em sua crescente crise financeira.

Já sua metade oeste sonha fazer parte da União Européia, e, de um jeito disfarçado aspira um dia, separar-se dos “irmãos do leste” e manter uma boa distância da Rússia, que por eles é vista como o antigo império opressor dos tempos comunistas.

Nesse mal estar crescente, de um país dividido e sem governo legítimo, a maior ameaça é que o leste queira seguir a Criméia e, separar-se da Ucrânia. Uma guerra de secessão seria inevitável e as conseqüências poderiam extrapolar fronteiras e esfacelar as relações entre Estados Unidos e a Rússia.

Aliás, parece que só agora o governo de Washington está percebendo a real importância de um país e uma população que sempre desprezou.

O cenário é sombrio, e os tambores que se ouve, não são de paz.

Prof. Péricles