quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

POLACAS ETERNAS

Por Moisés Rabinovici

As polacas estão ressuscitando.

Párias em vida, abandonadas por 30 anos no gueto em que se enterraram judias, em Cubatão, elas começam a renascer dos túmulos restaurados até junho pela Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo, já personagens de quatro livros; estrelas de três projetos teatrais; tema de monografia, tese e conferências.

As polacas do “povo da Bíblia” estavam confinadas ao Deuteronômio: “Não haverá dentre as filhas de Israel quem se prostitua no serviço do templo, nem dentre os filhos de Israel haverá quem o faça” (23:17).

Um “aluvião de Messalinas” invadiu o Rio de Janeiro em 1872. “A horda de judias russas, alemãs e austríacas começou a aparecer na roda cortesã, nos teatros de última classe, nas ruas mais concorridas, mulheres de ademanes desembaraçados, rostos formosos, trajando com luxo e levando presa no olhar a atenção dos transeuntes que as observavam”, como registrou Os Cáftens, um folheto de Clímaco dos Reis.

Elas “paravam nas esquinas, nos corredores e jardins dos teatros, em toda parte e, com uma desenvoltura até então desconhecida, distribuíam bilhetes com seus nomes e moradias…” O Estado de 25 de julho de 1879.

A Província de São Paulo, publicou a notícia de que “duas alegres raparigas deliberaram dar algumas voltas na cidade em um elegante carrinho particular de passeio, tirado por um cavallo, e guiado por uma dellas, de nacionalidade russa, ao que ouvimos contar, e entendida naquellas façanhas hyppicas”.

Nas ruas da Liberdade (“ironias do acaso!”), as duas foram presas e levadas ao chefe da polícia, que as libertou “provando que aqui no Brazil, como na Rússia, é permitido à mulher guiar um carro particular”.

“Abre-se a porta e aparece a mulher, vestindo camisa de cores berrantes”, ele continua. “O freguês que foi despachado passa sem lhe dizer palavra; e o próximo entra, a porta se fecha.” Atônito, conclui: “Tão incrível é o número de fregueses recebidos num único dia que, antes de o revelar, necessário se faz dizer que ele foi confirmado pelas autoridades, pela sociedade judaica de socorros Ezras Noshim e pelos investigadores da Liga das Nações.”

Historiadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Margareth Rago “morreu de medo” ao penetrar no mundo misterioso das polacas e de seus rufiões para o livro Os Prazeres da Noite: Prostituição e Códigos da Sexualidade Feminina em São Paulo, 1890-1930 (Paz e Terra, 1991).

“Fui assustada por gente da comunidade judaica que não queria desenterrar o assunto.” Perguntavam-lhe: “Mas por que você quer mexer com isso?”

Ao saber agora das obras de restauro no cemitério de Cubatão, ela se mostra curiosa e irônica: “Redenção?”

Seguindo o rastro deixado há 50 anos no livro Le Chemin (O Caminho) de Buenos Aires, pelo poeta e famoso repórter Albert Londres, queimado como um arquivo num suspeito incêndio de um navio em 1932, ela identifica no Brasil os tentáculos dos poderosos “maquereaux”, os gigolôs franceses, e dos “polaks”, traficantes de judias das aldeias pobres do Leste Europeu.

Quando perseguidos na Argentina, os rufiones refugiavam-se nas filiais paulista ou carioca, onde mantinham até “escolas de prostituição”.

As máfias francesa e polaca importariam para a América do Sul cerca de 1.200 mulheres por ano, embarcadas nos portos de Gênova, Marselha, Anvers e Hamburgo.

Mas “dificilmente saberemos quantas vieram por vontade própria, ou iludidas com promessas de casamento e perspectivas estimulantes de enriquecimento”

Nos bordéis distinguiam-se as estrangeiras, “embora as raras estatísticas disponíveis registrem uma porcentagem superior de brasileiras”.

Madame O, de 80 anos, testemunhou a belle époque paulista como costureira francesa. E nunca encontrava brasileiras nos bordéis.

“Por quê?”, perguntou-lhe Rago, numa entrevista em 1989. “Porque elas não eram disso no meu tempo”, respondeu. “Quando cheguei ao Brasil, não havia mulheres (brasileiras) não… tudo francesas e polacas, muitas.”

Os judeus brasileiros não queimaram as “curves” (prostitutas, em iídiche) de Santos, do Rio e de São Paulo. Mas lhes reservaram, “impuras”, o mesmo chão dos suicidas que ousam findar a vida dada, e então só tirada por Deus: junto aos muros dos cemitérios.

“Die linke”, esquerdistas, marginalizadas, ou “as outras”, na tradução do jornalista Alberto Dines, as “curves” abriram seus próprios cemitérios, rezaram em sinagogas próprias e congregaram-se em sociedades de assistência mútua. Viveram e morreram judias. Mais do que esquecidas, expiaram. Abolidas, perpetuaram-se.

Eternas polacas.


OBS. Para saber mais sobre o assunto leia o texto "POLACAS" de março/2015, aqui no Blog.



Moisés Rabinovici, jornalista e grande repórter, correspondente durante muitos anos do Estadão em Israel, redator da Agência Estado, diretor dez anos do Diário do Comércio de São Paulo, até o fechamento da edição papel do jornal pela Associação Comercial de São Paulo.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

NOSSAS NOITES DE CRISTAIS



Uma data decisiva para a segunda guerra mundial foi o 9 de novembro de 1938. Isso mesmo, uma data anterior ao início da guerra propriamente dita que foi em 1º de setembro de 1939.

Tornou-se comum a afirmação de que o espetáculo de horror do nazismo ocorreu à margem da aprovação da maioria dos alemães, ou mesmo, contra a vontade dessa maioria.

Isso é desmentido na eleição vencida pela frente de extrema-direita em 1933 que levou Hitler ao poder e pela noite do 9 de novembro de 1938.

Nessa noite, também chamada de “A Noite dos Cristais” (Kristallnacht) as consciências que faziam de conta não ver e nem ouvir o que acontecia com os judeus, tiveram que assumir a sua sua cota de responsabilidade no que estava acontecendo.

Foi a noite do fim da inocência e do “eu não sabia”.

Foi assim.

Como sempre, utilizando-se de uma desculpa (o assassinato do diplomata alemão Ernst von Rath, por num conhecido judeu maluco, Herschel Grynszpan, em Paris), Hitler ordenou que, sob as ordens de Goebbels, agentes da SA (usando trajes civis para parecer um movimento espontâneo) atacassem os judeus, especialmente as lojas e sinagogas.

Evidentemente Hitler esperava a adesão dos cidadãos nazistas, mas, mais profundamente, ele desejava colocar os indecisos e opositores numa situação de cumplicidade, o que é muito mais do simples aceitação.

Por toda aquela noite, estabelecimentos comerciais judeus e sinagogas foram atacados e, a maior parte, incendiada.

Naquela madrugada 91 judeus foram assassinados tentando defender seu patrimônio e meio de subsistência, 7500 lojas foram reduzidas a escombros e 267 sinagogas foram completamente destruídas.

Como se não bastasse, os judeus foram acusados pelo poder público da responsabilidade pelas desordens e multados em um bilhão de marcos. Cerca de 30 mil foram presos e levados para campos de concentração.

Imagine o pavor das famílias judias, apertadas nos fundos de suas casas, vendo suas economias serem destruídas pelo fogo, sem nenhuma defesa. Como o pai judeu poderia explicar às suas crianças assustadas e em lágrimas em lágrimas, o que estava acontecendo?

É instigante pensar de que forma o barulhos dos cristais e vidraças quebradas atingiram os ouvidos dos alemães não-judeus, mas também, não-nazistas?

E mais do que aos ouvidos, como feriram as consciências?

Quantos viveram o resto de seus dias ouvindo o trepidar das chamas?

Se até ali fosse possível não acreditar na violência fascistas. Se até então preferissem acreditar no sorriso do fhurer e vê-lo como uma pessoa comum e a consciência podesse ser enganada permitindo o sono tranquilo, como proceder agora, diante dos cacos, dos sons das pedras e picaretas batendo nas vidraças e da luz das chamas que iluminaram cidade alemãs e austríacas durante toda aquela histórica madrugada?

Porque normalmente é mais confortável fingir não ver, nem ouvir.

Esquecem ou procuram esquecer, os que assim agem, que seu silêncio e sua falta de ação, já representa uma opção em favor do arbítrio.

O silêncio diante da monstruosidade permitiu o crescimento do Terceiro Reich e a tragédia da Segunda Guerra Mundial.

Hoje, o Brasil passa por suas “noites dos cristais”.

O silêncio não pode persistir diante do crescimento evidente do fascismo e do golpismo.

Não é possível permanecer fazendo de conta não perceber a manipulação da notícia por parte de uma mídia interessada na quebra da normalidade.

Ou manter o discreto sorriso reprovador escondido no canto de boca diante do fascismo crescente expresso nas redes sociais, nas piadas homofóbicas, racistas e misógenas.

O fascismo tem que ser combatido todos os dias, o tempo todo porque ele não está apenas nas ruas e na rede de computadores, mas no interior de cada consciência.

Que nosso povo não faça de conta não ouvir a quebra dos cristas que maltratam pessoas e incendeiam índios e flagelados nas calçadas.

Muito menos aceitar o débil discurso do ódio que combatem as sociais que afastaram milhões da miséria. Que acusam de privilégios as cotas das políticas afirmativas negando qualquer reparação com as injustiçasm do passado. Que defendem com sofismas a intolerância e a exclusão.

Ódio que fulmina o pobre, capaz de comprar um automóvel ou seu filho por fazer um curso superior.

As ditaduras são filhas do golpismo.

O silêncio é cúmplice e os cristais se quebram mesmo que se faça de conta não estar ouvindo.

Depois, não há espaço para “eu não sabia” pois a consciência gritará pela condenação, já que somos todos responsáveis pelo país que criamos.




Prof. Péricles



sábado, 9 de janeiro de 2016

ARISTEU, A GENTE COLHE O QUE PLANTA

Artêmis

Aristeu, filho de Apolo e da ninfa Cirene, foi, em parte, responsável pela morte de Eurídice na véspera do casamento com Orfeu. Ao tentar fugir de sua sedução, Eurídice acabou sendo picada por uma serpente.

Era adorado como protetor dos caçadores, pastores e como o pai da apicultura, sendo senhor e mestre de todas as abelhas.

Apesar de filho de Apolo, não possuía (como Orfeu e Eurídice) a imortalidade.

As ninfas, companheiras e amigas de Eurídice, ficaram com tanta raiva de Aristeu que atacaram seu ponto mais fraco, aquilo que mais amava, suas abelhas, matando-as sem deixar sobrevivente.

O primeiro apicultor do universo entrou em estado de prostração e pediu ajuda para sua mãe, que por sua vez indicou-lhe pedir ajudar a Protheus, o velho e sábio profeta.

Bom destacar que todos estavam indignados com Aristeu, até sua mãe, pois o amor verdadeiro de Orfeu e Eurídice, que ele destruíra, embelezava o seu mundo e agora apagara-se deixando apenas tristeza.

Depois de uma luta enorme, em que teve que superar seu próprio medo, Aristeu conseguiu obter os conselhos de Protheus: “Deves reconhecer a besteira que fez interferindo no amor alheio, depois disso render homenagens fúnebres a Eurídice, e finalmente, sacrificar quatro dos mais belos touros e quatro de suas melhores novilhas e deixar as carcaças no bosque, cobrindo-as com folhas. Volte lá apenas depois de nove dias.

O apicultor seguiu as instruções e os próximos nove dias foram de expectativa e ansiedade. Mas ao retornar ao bosque encontrou um enxame de abelhas e uma nova colmeia.

Mas, suas tragédias ainda estavam longe de terminar.

Teve apenas um filho, Acteon. Um dia, enquanto caçava no bosque Acteon deparou com Artêmis, banhando-se totalmente nuas num lago.

Artêmis, a deusa da caça, uma das filhas diletas de Zeus, sempre foi famosa por sua castidades e timidez, preferindo a solteirice e a reclusão das matas. Ao perceber que era espionada ficou furiosa, segurou um pouco da água nas mãos e a soprou no espião, que se transformou, na hora, em um... veado.

Depois disso, o pobre Acteon teve pouco tempo de vida, pois foi perseguido e morto pelos seus próprios cães de caça.

Segundo o mito, Aristeu jamais se recuperou da perda do único filho, recolheu-se num monte na Itália, onde viveu muitos anos e onde morreu na mais completa e triste solidão.

O mito de Aristeu nos transporta à necessidade de todos nós de recomeçar, em algum momento de nossas vidas.

Assim como Aristeu somos frágeis, expostos e traídos pelos instintos e pelas paixões, aprendendo, às vezes, da forma mais cruel que, podemos fazer coisas num instante do qual nos arrependemos o resto de nossas vidas.

Recomeçar pode implicar em saber esperar e ter humildade e paciência. Assim como Aristeu esperou nove dias para ter suas abelhas de volta, nós, às vezes, podemos ter que esperar uma vida inteira até aprender onde erramos com nossos semelhantes.

O protagonismo das abelhas consideradas símbolo de castidade e de Artêmis, indica, de alguma forma, a importância do respeito ao direito feminino sobre seu corpo e seus desejos e suas escolhas.

Aristeu nos ensina, ainda, a importância de reconhecer nossos próprios erros.

Diziam os gregos que ele, inicialmente, se considerava vítima de Eurídice que lhe arrebatara o coração a ponto de nunca mais querer outra mulher, e de ter passado a maior das humilhações ao ser preterido por outro (Orfeu) e a aceitação de seus erros aconteceu apenas no final de sua existência.

Finalmente, sua morte melancólica, longe dos olhos dos simples mortais e na mais completa solidão nos recorda que cada ação, seja ela boa ou má, implica numa reação, que as vezes nos faz sofrer, mas que é na verdade, um aprendizado e simples consequência daquilo que plantamos.



Prof. Péricles

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

ISRAEL E O EMBAIXADOR DA DISCÓRDIA


Desde a Guerra dos Seis dias, em 1967, Israel ocupa a região da Faixa de Gaza e da Cisjordânia que, conforme a ONU ao criar o próprio estado de Israel em 1948, é território da Palestina independente.

Para solidificar a ocupação, Israel criou os nefastos “assentamentos” que são pequenas, mas confortáveis vilas habitadas apenas por judeus.

Isso define claramente a ocupação não como temporária, mas como colonial.

É claro que tal situação irrita profundamente os palestinos (imagine você se um estado estrangeiro ocupasse o Rio Grande do Sul e passasse a criar vilarejos lá pelos pampas).

Os assentamentos representam a maior dificuldade para qualquer processo de paz. É o estigma mais cruel do invasor e a humilhação maior  para os invadidos.

Com relação aos assentamentos observam-se diferentes olhares e consequentes ações por parte dos israelenses.

Há os que reconhecem que o primeiro passo para a paz deve ser dado por Israel com o fim dos assentamentos, como Itzak Rabbin primeiro-ministro assassinado por um jovem judeu ortodoxo na década de 90.

Tem os que reconhecem a arbitrariedade e não esquecem que uma moção da ONU determina a imediata desocupação dessas áreas (mas vetada pelos Estados Unidos), porém, por terem interesses diretos ou indiretos nos assentamentos, ou mesmo por medo de que isso fortaleça os palestinos recusa a idéia de avançar nesse sentido.

Há também israelenses que negam qualquer direito aos palestinos, não reconhecem os assentamentos como focos de crise e são contra qualquer medida séria que busque a solução do problema.

Entre esses últimos um sujeito bem conhecido é Dani Dayan.

Esse político nem chama a Faixa de gaza e a Cisjordania mas de Judéia e Samaria, os nomes bíblicos da região.

De fato, Dayan se declara abertamente contrário à solução de dois Estados, aprovada na ONU sendo totalmente contrário à existência de um Estado Palestino.

Na verdade, ele não acredita, nem apóia, qualquer solução pacífica para a questão e defende a dominação através da força, chegando a ameaçar, num passado recente, o próprio governo israelense contra qualquer concessão aos palestinos.

Pois agora, essa flor de criatura foi designada como embaixador de Israel no Brasil.

Detalhe: o procedimento usual entre todos os países é que o governo que indica um  novo embaixador consulte antes o governo que vai recebe-lo para evitar qualquer tipo de contrariedade com o nome indicado, e isso, Israel não fez, em mais uma demonstração de falta de ética e respeito às normas internacionais.

Só que o Brasil hoje, é governado por gente vertebrada que defende o processo de paz na região e o respeito aos palestinos, e, dessa forma, o Itamaraty recusou a imposição de Dani Dayan guela abaixo e já declarou que espera um embaixador que não represente a colonização da Faixa de Gaza e da Cisjordânia.

Em resposta com o velho estilo truculento sionista, a vice-ministra das relações exteriores Tzipi Hotovely, ressaltou que Israel não enviará outro embaixador  e que seu país está “lidando com o caso de forma discreta, mas que adotará ferramentas alternativas públicas  para repreender o Brasil”.

Incentivado pela arrogância de seu governo o próprio Dayan fez questão de mostrar sua soberba em relação ao nosso país declarando que “Netanyahu não pressionou o governo brasileiro o suficiente para forçar a minha nomeação”, e complementou em entrevista ao jornal Haaretz: "Não sei se serei o embaixador no Brasil e, pessoalmente, não me importa muito. Aliás, isso tornaria as coisas muito mais fáceis para mim [não ir para o Brasil], mas estou lutando pelo próximo embaixador que venha a ser um colono".

Israel, mais uma vez, demonstra seu estilo grotesco, belicoso e autoritário de ver o mundo além do seu umbigo e suas relações políticas.

Que o povo brasileiro saiba reconhecer a grandeza do gesto de seu governo através do Ministério das Relações Exteriores que, certamente, deverá ser aplaudida pelas demais nações latino-americanas além de todas aquelas que respeitam as resoluções da ONU, a 4ª Convenção de Genebra e as decisões da Corte Internacional de Justiça, que asseguram a soberania das nações.


Prof. Péricles



segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

CAFÉ FILHO EDIÇÃO 2015


Por Mário Augusto Jakobskind


A história do Brasil através dos tempos retorna algumas vezes de forma repetitiva, mas sempre como farsa. A história dos vices deve ser lembrada.

Em 1954, por exemplo, quando da crise que resultou no suicídio do Presidente Getúlio Vargas, que como se sabe acabou o banquete golpista, o vice Café Filho, egresso das fileiras do partido de Ademar de Barros, o tal político conhecido como “roubou, mas fez”, acabou se aliando aos golpistas, traindo o titular do cargo e o Brasil.

Não durou muito tempo.

Na ocasião, Café Filho contava com o apoio ostensivo de uma mídia golpista, onde se destacava, além da Tribuna da Imprensa, o panfleto de Carlos Lacerda, o jornal O Globo, comandado pelo empresário Roberto Marinho.

Agora, em 2015, de novo surge um vice-presidente que já não esconde o desejo de ocupar o cargo no lugar da Presidente Dilma Rousseff. Trata-se de Michel Temer, considerado pelo agora pedetista Ciro Gomes como o “capitão do golpe”.

A imprensa nacional, de novo capitaneada por O Globo, passou a endeusar Temer, com matérias especiais sobre ele. E todas muito simpáticas ao vice-presidente, que passou a ser uma nova edição farsa de Café Filho.

Michel Temer dificilmente conseguiria chegar à Presidência numa eleição direta e por isso ele não se incomoda de coroar a sua carreira política ocupando o cargo máximo da nação brasileira através de um impedimento de Dilma Rousseff, impedimento, diga-se de passagem, sem base legal, a não ser pela investida de grupos que querem voltar a gerenciar o Estado brasileiro.

O “capitão do golpe” em outras ocasiões se alinhou com partidários do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Quanto a isso não há dúvidas.

Conta-se até uma história nos bastidores políticos que quando remanescentes do PMDB fundaram o PSDB, Michel Temer queria aderir, mas foi aconselhado pelos próprios tucanos, entre os quais Mario Covas, a permanecer no PMDB, pois nesse partido poderia ser de utilidade para a nova sigla que estava sendo criada. Temer sem pestanejar obedeceu a “ordem” e durante todos os anos manteve-se fiel ao PSDB, mesmo sendo vice-presidente numa composição com o PT.

Neste momento novamente os partidos de direita como o PSDB e o DEM, incluído também o PPS, um agrupamento formado por ex-comunistas, que como todos ex de qualquer espécie acabam se tornando muito mais realistas do que o rei, voltaram às boas com Eduardo Cunha. O deputado Roberto Freire que o diga. E tudo em nome do “pragmatismo” político por ter Cunha aceito o ritual de uma nova forma de golpe de estado.

Eduardo Cunha joga todas as suas cartas, mesmo queimado, na ascensão de Michel Temer. O presidente da Câmara acredita que se tal acontecer, o amigo e correligionário vai tentar de todas as formas livrar a sua cara. Faz parte do jogo do PMDB. Cunha sabe perfeitamente que se a decisão sobre o seu futuro ficar na dependência apenas da Justiça, poderá perder as bocas. É o que pelo menos se espera.

Ele conta com os correligionários, haja vista à ação vergonhosa de alguns deles na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, que fazem o possível e impossível para livrar a cara de Cunha.

É neste quadro lamentável que vive o Brasil. Diariamente tem havido surpresas, muitas delas negativas, inclusive o não pronunciamento judicial imediato sobre a continuidade de Eduardo Cunha na presidência da Câmara dos Deputados e até mesmo a sua prisão, já alardeada até pelo peemedebista Rena Calheiros, presidente do Senado.

Café Filho, ou melhor, Michel Temer aguarda com ansiedade o desenrolar dos acontecimentos e sem perder tempo já está pensando na formação de seu ministério para levar adiante o seu projeto Brasil, apoiado pelo PSDB. Tanto assim que nos bastidores já se fala até na indicação do senador José Serra, o tal político mencionado no site WikiLeaks como prestador de serviços às multinacionais petrolíferas, entre as quais a Chevron.

Aliás, vale uma pergunta que não quer calar: Serra seria Ministro de um governo brasileiro ou funcionário da Chevron?

Se o momento atual do Brasil é considerado ruim podem imaginar o que seria num governo de “união nacional” entre a facção golpista do PMDB, o PSDB, o DEM e o PPS?

Serra e outros do gênero, entre os quais Moreira Franco, o tal “gato angorá”, segundo Leonel Brizola, ocupariam grandes espaços para levar adiante um projeto que em pouco tempo levaria o Brasil para o abismo total.




Mário Augusto Jakobskind, jornalista e escritor, correspondente do jornal uruguaio Brecha; membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (TvBrasil).




sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

BRIZOLA, HERÓI NACIONAL



Nasceu no Vilarejo de Cruzinha, hoje município de Carazinho em 22 de janeiro de 1922.

Chegava cedo no colégio trazendo os dois sapatos nas mãos e, só então, já no pátio, os colocava nos pés. Motivo: poupar as solas pois era o único par e sabe lá quando poderia ter outro.

Seu verdadeiro nome era Itagiba, mas, ao entrar na política adotou o nome de um líder maragato da Revolução Federalista de 1923, Leonel Rocha.

Rebelde desde criança, Itagiba nunca se conformou com a pobreza de tantos se comparada com os poucos que viviam em opulência.

Nunca aceitou ordens ou gritos como forma de coação.

Sabia pilotar aviões e era nas alturas que sentia-se senhor de si mesmo, o mais próximo que podia chegar daquilo que mais amava, a liberdade.

Com seu linguajar simples, mas reconhecido por todos e de um carisma extraordinário, tornou-se uma das mais importantes lideranças do PTB, partido político criado por Getúlio Vargas para unificar os movimentos trabalhistas.

Foi deputado estadual e governador do estado do Rio Grande do Sul nos difíceis anos 1961-1964, quando o país equilibrava-se entre a normalidade e o golpe.

Escreveu de forma heroica uma das páginas mais belas de nossa história, a “Campanha da Legalidade”, fazendo aquilo que todos queriam, mas que ninguém tinha coragem, enfrentar os militares e os golpistas que pregavam o golpe contra o presidente João Goulart.

Não há brasileiro vertebrado que não se identifique com imagem de Brizola acuado no bunker nos porões do Palácio Piratini, ameaçado de bombardeio, de prisão, de morte, falando nos microfones da Rádio Guaíba para o estado inteiro, conclamando pela resistência e desafiando todo o poder que lá fora, cercava a sede do governo gaúcho.

Foi Brizola que impediu o golpe em 1961 depois da renúncia de Jânio Quadros.

Foi de Brizola uma das poucas vozes a conclamar a resistência ao golpe em 1964.

Sozinho, com a desistência do próprio presidente, foi obrigado a se exilar no Uruguai e mais tarde nos Estados Unidos e em Portugal.

Teve que passar mais de 20 anos longe do Brasil, sem dúvida o maior sofrimento que poderia suportar.

Casado com a irmã de João Goulart ficou 10 anos, nesse período de exílio, sem conversar com o ex-presidente, indignado pela falta de luta do cunhado.

Mesmo no exílio, apoiou, fortaleceu e auxiliou como pode, os movimentos de resistência e de luta armada contra o regime militar.

Era o homem mais odiado pelos generais-presidentes e sua camarilha civil e militar. Jurado de morte e perseguido durante a “operação condor”.

Foi Presidente de Honra da Internacional Socialista e assistiu emocionado a Revolução dos Cravos em Portugal.

Ao retornar foi insistentemente prejudicado pelas associações Globo e filiadas.

Teve a sigla “PTB” sonegada pela Justiça Eleitoral e fundou o PDT.

Candidato ao governo do Rio de Janeiro teve que enfrentar a divulgação de pesquisas falsas e de uma tentativa de fraude nas contagens dos votos que tinha como executores a mídia golpista.

Foi o responsável por uma das maiores vergonhas da TV Globo, obrigada pela Justiça Eleitoral a divulgar, através da leitura de Cid Moreira em horário nobre do Jornal Nacional, uma nota em que Brizola relatava a fraude de que quase fora vítima e o papel nefasto da Globo contra ele.

Seu governo do Rio de Janeiro (foi o único político do Brasil a governar dois estados diferentes) foi boicotado diariamente, quando 80% do tempo do Jornal Nacional era de transmissão de notícias negativas, principalmente sobre a violência urbana, sendo a responsabilidade apontada sempre no governador.

Brizola foi candidato a presidência nas eleições de 1989 perdendo para a Lula a vaga para disputar o segundo turno contra Color por um fiapo de votos.

Foi ainda candidato a presidente em 1994 e a vice na chapa de Lula em 1998.

Leonel de Moura Brizola deveria ser eterno, mas a morte, inexorável, o atingiu em junho de 2004, vítima de problemas cardíacos.

De lá para cá deixou um vazio que não esteve nem perto de ser suprido por qualquer político.

Agora, uma liderança que nunca negou a enorme admiração por ele, e que o designa como um de seus ídolos, a Presidente Dilma Rousseff, sancionou seu nome para ser incluído no “Livro dos Heróis da Pátria”.

O livro, com páginas de aço, fica exposto no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília e contém, nomes como de Tiradentes, Zumbi dos Palmares, D. Pedro I, Duque de Caxias, Santos Dumont, Chico Mendes, Getúlio Vargas, Anita Garibaldi.

A lei sancionada por Dilma em 29/12/2015, também altera o tempo necessário para que uma personalidade possa ser homenageada no Livro dos Heróis da Pátria após sua morte, de 50 para 10 anos.

Mas, não serão os anos que contarão a validade do herói para o imaginário popular e a saudade nacional.

Itagiba que lutou para que nenhuma criança precisasse chegar no colégio carregando nas mãos os sapatos, e que foi o criador da primeira experiência de reforma agrária do país, agora pertence à história.

Já a sua alma, sobrevoa os espaços da liberdade, assim como quando pilotava aviões sobre o Rio Grande amado e sonhava liderar o país nos caminhos da igualdade.


Prof. Péricles