quarta-feira, 31 de agosto de 2016

DILMA E O OLHAR QUE ATRAVESSOU O TEMPO


Por Iana Soares


Em 2011, a revista Época publicou uma foto inédita da presidente Dilma Rousseff aos 22 anos, durante interrogatório em um tribunal da Justiça Militar, em novembro de 1970. Ao fundo da cena, dois militares tapavam o rosto para a História.

A menina tinha sido torturada durante 22 dias e estava lá: olhar altivo, pescoço erguido, mãos apertadas.

O drama alcança o ápice e, na polissemia da imagem, faz caber a leveza de quem fez, do corpo violentado, um lugar forte. O punctum de Barthes está nos olhos e afeta quem permanece diante da fotografia.

Nestes dias, o fotógrafo Lula Marques postou uma imagem das duas Dilmas.

O ângulo escolhido aproximou quase cinco décadas. A guerrilheira e a presidente habitam a mesma sala, nessa magia esquisita que nos faz passear pelo tempo, meio zonzos e sem entender o que nos trouxe até aqui.

Na pausa de um discurso, observamos, em 2016, os olhos daquela menina.

O corpo da presidente atravessou os anos para encontrar-se agora com o avesso da História, que talvez seja a mesma. Eterno retorno.

Ontem ela discursou para 81 senadores e milhões ao redor do mundo.

Os rostos já não estão escondidos: muitos dos que a julgam são alvo de denúncias e processos de corrupção. O silêncio conivente parece maior que os gritos de quem brada contra o absurdo.

Eduardo Cunha, disparador do processo de impeachment, foi cenicamente afastado da Câmara, mas segue impune. Cínicos, soltarão fogos, beberão champagne, falarão de vitória.

O dia amanhece estranho.

Há quem sinta a profunda tristeza da farsa. É golpe.

No entanto, há quem amanheça em festa. Perdemos todos e ainda existe quem queira celebrar.

É preciso retomar as esperanças e reinventar a luta por dias melhores.

Apesar de tudo, amanhã há de ser outro dia, insiste a canção.

O que permanece quando parece que muito foi arrancado de nós?

É preciso seguir, atentos. Pode haver alguma pista naquele olhar que atravessou o tempo.



segunda-feira, 29 de agosto de 2016

RI, PALHAÇO!


Por Luis Fernando Verissimo


Depois da provável cassação da Dilma pelo Senado, ainda falta um ato para que se possa dizer que la commedia è finita: a absolvição do Eduardo Cunha.


Nossa situação é como a ópera “Pagliacci”, uma tragicomédia, burlesca e triste ao mesmo tempo. E acaba mal.


Há dias li numa pagina interna de um grande jornal de São Paulo que o Temer está recorrendo às mesmas ginásticas fiscais que podem condenar a Dilma. O fato mereceria um destaque maior, nem que fosse só pela ironia, mas não mereceu nem uma chamada na primeira página do próprio jornal e não foi mais mencionado em lugar algum.


A gente admira o justiceiro Sérgio Moro, mas acha perigoso alguém ter tanto poder assim, ainda mais depois da sua espantosa declaração de que provas ilícitas são admissíveis se colhidas de boa-fé, inaugurando uma novidade na nossa jurisprudência, a boa-fé presumida.


Mas é brabo ter que ouvir denúncias contra o risco de prepotência dos investigadores da Lava-Jato da boca do ministro do Supremo Gilmar Mendes, o mesmo que ameaçou chamar o então presidente Lula “às falas” por um grampo no seu escritório que nunca existiu, e ficou quase um ano com um importante processo na sua gaveta sem dar satisfação a ninguém. As óperas também costumam ter figuras sombrias que se esgueiram (grande palavra) em cena.


O Eduardo Cunha pode ganhar mais tempo antes de ser julgado, tempo para o corporativismo aflorar, e os parlamentares se darem conta do que estão fazendo, punindo o homem que, afinal, é o herói do impeachment. Foi dele que partiu o processo que está chegando ao seu fim previsível agora.


Pela lógica destes dias, depois da cassação da Dilma, o passo seguinte óbvio seria condecorarem o Eduardo Cunha. Manifestantes: às ruas para pedir justiça para Eduardo Cunha!


Contam que um pai levou um filho para ver uma ópera. O garoto não estava entendendo nada, se chateou e perguntou ao pai quando a ópera acabaria. E ouviu do pai uma lição que lhe serviria por toda a vida:


– Só termina quando a gorda cantar.


Nas óperas sempre há uma cantora gorda que só canta uma ária. Enquanto ela não cantar, a ópera não termina.


Não há nenhuma cantora gorda no nosso futuro, leitor. Enquanto ela não chegar, evite olhar-se no espelho e descobrir que, nesta ópera, o palhaço somos nós.




Luis Fernando Veríssimo, escritor gaúcho.

sábado, 27 de agosto de 2016

QUANDO AS REGRAS MUDAM

Um Farroupilha

José Antônio Flores da Cunha foi um importante político e militar do Rio Grande do Sul da primeira metade do século XX.

Era um dos homens de confiança do velho caudilho Borges de Medeiros que governou o Rio Grande do Sul por quase trinta anos.

Ele e Getúlio Vargas traíram o velho no Pacto de Pedras Altas, em 1923 afastando-o da vida política gaúcha.

Aliás, a relação entre Flores da Cunha e Getúlio Vargas foi do amor ao ódio extremo.


Vitoriosos na Revolução de 30, Getúlio foi para a Presidência do Brasil e nomeou Flores interventor no estado do Rio Grande do Sul, cargo que exerceu até o golpe do estado novo de 1937, quando Getúlio se tornou Ditador e então, os dois romperam para sempre.

Flores da Cunha se opôs à Ditadura Varguista, foi destituído do cargo de interventor, perseguido, exilou-se no Uruguai e, mais tarde, acabou tramando contra a própria vida do ditador, sendo preso na Ilha Grande.

Era uma figura ímpar, com uma personalidade marcada, tanto pela sensibilidade que lhe deu fama de chorão, como pela aspereza que o marcou nos campos de batalha das revoluções do Rio Grande.

Adorava jogos, desde baralho até corrida de cavalos e mulheres bonitas.

Ao final da vida não apresentava nenhum patrimônio, apesar de filho de família rica e de muitos anos de poder. Questionado sobre isso por um jovem jornalista Flores teria respondido que teve uma vida plena, porém marcada por mulheres ligeiras e cavalos lerdos.

Conta-se que, certa vez, um paulista jogava animada mesa de pôquer com o general e levava a melhor a cada rodada. A cena era repetida, o paulista recebia as melhores mãos, vencia, recolhia as fichas enquanto Flores da Cunha bufava de raiva.

Em certo momento o centro da mesa está forrado de fichas e Flores dobra a aposta. O paulista desconfia e paga para ver. Flores abre o jogo e mostra uma mistura horrorosa onde nenhuma carta combina com a outra. O visitante abre um largo sorriso e move-se para recolher as fichas, mas é interrompido por Flores que, coloca o revólver em cima da mesa e diz

- Eu ganhei rapaz. Aqui no Rio Grande cinco cartas diferentes uma da outra é chamado de Farroupilha e é o jogo mais alto.

Olhando o revólver, o paulista ficou quieto e achou melhor aceitar os “argumentos” do homem.

No final da madrugada, o jovem apresenta, eufórico, um “farroupilha”. Mas, antes de recolher as fichas é novamente interrompido pelo revólver de Flores que diz

-Não rapaz. Farroupilha é jogo tão importante que só vale um por noite.

Pobre paulista. Não tinha nenhuma chance de ganhar um jogo contra “regras” tão instáveis.

Algo semelhante ao que está acontecendo agora no Senado Federal.

A presidenta Dilma Rousseff não cometeu nenhum crime, nenhum ilícito.

Contra todas as acusações seu advogado já apresentou uma lista de argumentos destruidores que, em termos de legalidade ou de moralidade, não tem nem como contestar.

Porém, tudo já está previamente arranjado e os “argumentos” dos acusadores, embora não sejam um revólver, como do general, são tão ou mais ilícitos e “invencíveis”.

Não se trata de justiça ou moralidade, é um golpe político de soma simples de votos já definidos independente de Dilma ter razão.

O impeachment, instrumento criado para coibir atos ilícitos do presidente da república e retira-lo do poder por improbidade tornou-se mero instrumento político de facções que, unidas, possuem maioria de votos.

Quando as regras mudam o jogo já está jogado. Já está decidido e pronto.

É um jogo sem regras, ou melhor, de regras que variam conforme os interesses de um dos competidores, no caso, em favor dos golpistas.

Assistir um grupo de pessoas comprovadamente comprometidas com desvios de recursos, abuso de poder em causa própria e atos corruptos, julgando uma presidenta que nenhum ilícito cometeu é como ver Al Capone e sua turma julgando os habitantes de Chicago.

Enquanto para Flores da Cunha o azar foram mulheres ligeiras e cavalos lerdos, para o Brasil o azar são, golpistas organizados e povo alienado.

O resultado, a gente já conhece.




Prof. Péricles

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

VIAGEM AO UNIVERSO DOS COXINHAS


Por Ayrton Centeno

Agora que o Coxismo pretende moldar o país a sua imagem e semelhança, é crucial entendê-lo. Adentrá-lo, penetrá-lo em profundidade. Visitar, percorrer e desbravar o território do fenômeno. Mas quem viajar ao Universo Coxa deve-se preparar para um impacto: é um mundo habitado exclusivamente por certezas absolutas. Seus nativos acreditam integralmente em tudo que lhes convém acreditar. Para eles, a ferramenta do conhecimento não é a experiência e a reflexão, mas o desejo. É ele que constrói a convicção. Acreditam, então existe.

O Universo Coxa reproduz uma imensa caverna de Platão. Lá fora impera o Nada. O mundo real são as sombras projetadas pelos telejornais no fundo da cova. Nada se transforma, tudo permanece o mesmo. Bem, para dizer a verdade, algo muda aqui ou ali. Por exemplo, agora não se vê mais aquelas faixas “Somos todos Cunha”. Ou seja, algo muda para tudo ficar igual.

Viajar ao Universo Coxa é fácil, hoje em dia. Basta, geralmente, olhar em torno. Ou aguçar o ouvido. Se você estiver em alguma região onde os Coxas vivem, acasalam e se reproduzem será moleza ainda maior: Moinhos de Vento, em Porto Alegre, Jardins e arredores na Pauliceia Comportada, circuito Ipanema-Leblon no Rio por aí… Se o Coxismo for seu objeto de estudo, considere-se em pleno campo de observação do fenômeno. Pode começar, por exemplo, examinando o que faz o Coxa ser Coxa. Que afinidade mantém o grupo entre seus membros? Quais elementos forjam sua identidade? O que há de consenso interno para lhes servir de amálgama?

Esclarecidos tais pontos, passa-se ao oposto: como se distinguem os diferentes espécimes que habitam o Mundo Coxa? Porque – sabe-se bem – nenhum Coxa é exatamente igual a outro Coxa. O que não impede que, a grosso modo, todos se alinhem à direita. Fosse um time de futebol, haveria um deserto à esquerda do gramado e um tumulto no lado oposto. Toda bola lançada à esquerda seria desperdiçada ou do adversário. À direita, confusão total, com todos os atletas querendo chutar a mesma bola com o pé direito e no canto direito da meta.

Deve-se pensar bem antes de xingar um Coxa de fascista. A começar pelo fato de que muitos Coxas não sabem bem o que o termo significa. Ainda não estudaram este ponto. É como você ofender alguém em Islandês ou Aramaico. Ou chamar alguém de filho da puta quando a criatura não sabe o significado de “filho” ou “puta”. Seria um simples rosnado que poderia deixar o destinatário aborrecido mais pelo tom do que pela percepção. Pior ainda se o “Fascista!” for interpretado ao contrário, algo como “Faixinha!”, quer dizer, robertocarleanamente, “Meu amigo de fé, meu irmão, camarada”. Então, aquela criatura responde “Meu bródi!” e acaba se apegando a você. E, como somos eternamente responsáveis por aquele a quem cativamos – assim nos ensina O Pequeno Príncipe — você pode acabar indo ao cinema com aquele armário afetuoso com tatuagem do Bolsonaro no bíceps. Ineficaz e insalubre, portanto.

No cartesiano esforço para segmentar os Coxas, identificamos a categoria dos Coxas Brancas. São os torcedores do Coritiba e os naturais de Curitiba. Como o Universo Coxa foi turbinado e expandido a partir da República das Araucárias, deve-se dizer que compõem, com os paulistas, o núcleo duro do Coxismo nacional, de onde partem as diretrizes, ornamentos e modinhas das marchas coxas.

Com o prestimoso auxílio do açougueiro da esquina, foi possível identificar os dois grupos e tendências ideológicas predominantes no Universo Coxa, um moderado e outro radical. O primeiro é o Coxão Mole, assim desairosamente apelidado pelos adversários. São os Coxas de butique. Eleitores do Aécio, já votaram na Marina e até – credo! — no PT. Vão às passeatas coxas mais para exibir os tênis e óculos de grife, levar os totós para fazer cocô e tirar selfies. Que postam no Facebook sempre mostrando as canjicas.

Já o pessoal do Coxão Duro diz no nome ao que veio. Quando ouve falar a palavra “diálogo” puxa o revólver. Não tem conversa, é na porrada, meu! Falam entre dentes, com porrete na mão e baba no queixo, até para perguntar as horas. Acreditam que o New York Times, o Le Monde, o The Guardian e outros jornais estrangeiros são subsidiados pelo comunismo internacional para chamar o golpe de golpe. Veem os Coxas Moles com suspeição e acalentam o secreto anseio de decorar a cidade pendurando-os nos postes.

Outra segmentação é de ordem vertical. Há Coxas e, claro, Sobrecoxas. Situam-se no topo da pirâmide. Ou da Coxa. Seria aquela ponta afunilada da coxinha de padaria. Frequentam este nicho os Arautos do Coxíssimo: os ideólogos do movimento, suas lideranças, seus financiadores, donos de jornais e seus pet-colunistas, dirigentes político-partidários. São os que dão os rumos, entram com a propaganda e a grana grossa.

Desferindo certeiras tuitadas no cérebro de seu rebanho, o astrólogo Olavo de Carvalho é da primeira galera, sempre tangendo os bolsões sinceros, porém radicais do Coxismo. É Bolsonaro desde criancinha, quando escapou de ser comido, via oral, pelos comunistas. Seu bolsonarismo rendeu-lhe – e continua rendendo – uma guerra de bugios com Reinaldo Azevedo e Rodrigo Constantino, rivais na refrega pela condição de Guia Genial dos Coxas. Joga pesado, do pescoço para cima tudo é canela. Aprecia apelidos e escrachos. Chama Constantino de “Cocô Instantâneo” e Reinaldo de “Arruinaldo”. Seu pensamento vivo: 1) a abertura das Olímpiadas mostrou que os comunistas controlam o Brasil; 2) as universidades são agências do comunismo internacional; 3) o aquecimento global é uma farsa completa; 4) o PSDB é de esquerda; 4) Obama é um agente russo.

Azevedo criticou Olavo que retrucou no seu padrão: “Cada vez que o Reinaldo Azevedo fala de mim ou do deputado Bolsonaro ele se emboneca todo e fica tocando punh… na frente do espelho…”, escreveu no Twitter.

Constantino caiu um tanto no ibope da Coxilândia depois que viajou à Disney e postou no FB uma foto com o Pateta. Embora muitos Coxas tenham achado fofo, outros não amaram tanto.

Não podemos esquecer da facção Coxabamba. Não, nada a ver com o altiplano, flautas e El Condor Pasa, que eles tem horror desses troços de índio. São os Coxas que já botaram camiseta da CBF, bateram panelas e foram pra rua com nariz de palhaço. Hoje, com a ascensão do interino, após as gravações nauseabundas de Sérgio Machado com Jucá e outros, estão meio confusos, vacilantes, enfim bambeiam hamletianamente: ser ou não Coxa? Onde eu errei, perguntam-se usando, agora, apenas o nariz de palhaço.

Finalmente, a ala Coxa da real politik. Não são Coxas orgânicos. Estão Coxas. São de conveniência. Manejam os punhais, a peçonha e as lições dos Bórgias. Sem o charuto de Capone, exalam o aroma dos Corleones. É a turma que grudou — com cola bonder — o nariz de bolota vermelha nos Coxas modelito avenida Paulista — aqueles que patrioticamente até a bunda botaram de fora para varrer a corrupção. É a patota que faz política de resultados – seja para empalmar, sem voto, o mando e o comando da nação, seja para livrar-se da cadeia. A união do útil ao agradável. São os Temer, os Padilha, os Serra, os Geddel, os Jucá, os Mendoncinha, os Cunha.

Será justo defini-los como Coxa Nostra.


quarta-feira, 24 de agosto de 2016

CUIDADO COM SEU DIÁRIO


Por Moisés Mendes

O francês Edgar Morin ainda acredita nos diários com impressões pessoais como forma de autoconhecimento. O filósofo gostaria de ver professores incentivando crianças e adolescentes a anotarem suas vivências, para que um dia possam ler o que escreveram sobre um guri, uma guria ou a professora de geografia.

Diários de adultos podem ser mais complexos, mas quase todos têm um quê de infantilidade, ou não seriam diários. Nem todos têm florzinhas, alguns são trágicos.

O diário de Getúlio Vargas, por exemplo, já avisava, 24 anos antes, o que ele poderia fazer e acabou fazendo no dia 24 de agosto de 1954. No dia 20 de novembro de 1930, ainda eufórico com a tomada do governo, escreveu: "Quantas vezes desejei a morte como solução da vida".

Getúlio escrevia sobre qualquer coisa. Anotava que Plínio Salgado, o líder da direita integralista era um caipira. Confessava que à tarde recebera "uma visita agradável" (da amante Aimée Sotto Mayor Sá), com o detalhe de que o encontro interrompia "três anos e meio de vida regular".

Tudo isso está na biografia de Getúlio que Lira Neto escreveu para a Companhia das Letras. Claro que Getúlio desejava que seus registros fossem um dia lidos por alguém — ou por muita gente. Um diário é também o desejo de invasão da própria intimidade.

Meu colega Henrique Erni Gräwer faz, há 20 anos, registros de percepções e sentimentos, nem sempre diários, com um detalhe: nunca relê. Os cadernos são guardados para um dia, que ele não sabe quando, serem abertos.

Nixon, o presidente derrubado pelo caso Watergate em 1974, fazia diários gravados. Todas as suas conversas no Salão Oval da Casa Branca eram registradas em fita cassete. Diziam que almejava ser reconhecido, quando ouvissem conversas e comentários, como um grande líder mundial.

Nixon definia o chanceler alemão Willy Brandt como um idiota e dizia que os russos adoravam uma adulação. As gravações sobre Watergate foram ouvidas pela Justiça e apressaram sua renúncia.

Agora, a Justiça devassou um smartphone com as anotações do presidente da Odebrecht. Marcelo Odebrecht foi definido em reportagem de O Globo como "o homem que anotava". Registrava planos para escapar da Lava-Jato, conversas, nomes de conhecidos, de jornalistas e comparsas.

A mediocridade dos corruptores se manifesta, em tempos de registros virtuais, também nessas notas utilitárias do empreiteiro.

Nem o Freud mais elementar frequenta as anotações de um sujeito que só pensa em artimanhas e dinheiro.


Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre/RS.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

TRISTE ENCERRAMENTO DAS OLIMPÍADAS DO RIO


Publílio Siro foi feito escravo da República Romana na Síria, no primeiro século antes de Cristo, e enviado, ainda muito jovem, para a Itália. Revelou um talento tão grande para entender e explicar a vida, que seu senhor se tornou seu fã, libertou-o e lhe financiou toda a educação possível em sua época.


Tornou-se escritor, um dos maiores escritores latinos, cujas obras vivem até hoje.


Pois assistindo a cerimônia de encerramento das Olimpíadas do Rio de Janeiro, acabei lembrando dele.


Publílio disse, em uma de suas obras, que “os ouvidos suportam uma injustiça com mais facilidade que os olhos”.


Recordei o rosto faceiro de Lula quando depois de uma árdua disputa com países mais estruturados do que o nosso para grandes eventos, anunciou que as Olimpíadas seriam no Rio de Janeiro.


A dedicação de Lula para que as Olimpíadas fossem aqui foi decisiva para o que, na época, a mídia internacional descreveu como grande vitória política de um país em ascensão e que ocupava novo patamar entre as nações soberanas. 


Era, diziam organizações como o “Times”, uma grande demonstração de prestígio que o Brasil alcançava no mundo.


Lembrei também do jeito simples de Dilma Rousseff ao lado do então ministro dos esportes Aldo Rebelo. anunciando a criação do “Bolsa Atleta”, uma parceria entre o seu Ministério dos Esportes e as forças armadas para preparar melhor o jovem brasileiro que precisasse de apoio para se preparar minimamente para enfrentar os desafios dos jogos, algo inédito nos mais de cem anos de participação do Brasil nas Olimpíadas.


Então, ao perceber toda aquela festa colorida sem a presença e sequer menção aos nomes de Dilma e Lula, achei tudo muito triste e entendi melhor Publílio Siro.


A injustiça quando exposta aos olhos, mesmo que na forma de omissão, dói muito mais profundamente.


Imagino o quanto não terá doido em Dilma e Lula não poder, por força da repressão de um golpe, colher aquilo que plantaram com tanta dedicação.


É fato que todos aqueles capazes de se indignar com essa injustiça devem lutar pelo restabelecimento da verdade.


Afinal é também desse grande escritor latino outra frase dolorosamente verdadeira: “Calando-te sempre, darás lugar à injustiça”.


Prof. Péricles