terça-feira, 13 de dezembro de 2016

POR UM DÓLAR FURADO


Por Mauro Santayana


No final da década de 1980, embarcando em um vôo da Lufthansa - não havia lugar nos aviões da Varig naquele dia - do Rio de Janeiro para a Alemanha, tive o dissabor de ser revistado, no tubo que levava à aeronave (tecnicamente já território alemão, assim como o próprio avião) por policiais germânicos, que examinavam criteriosa e ostensivamente os passageiros brasileiros ou latino-americanos, e deixavam passar os outros, principalmente quando se tratava de europeus ou de pessoas de sua própria nacionalidade.

Indignado com a cara de pau dos sujeitos, e, principalmente com a do governo da Alemanha Ocidental, desembarquei em Frankfurt e telefonei imediatamente para o então Ministro da Justiça, Fernando Lyra, a quem conhecia, e com quem convivia, desde a luta pela redemocratização, a quem sugeri que fizéssemos o mesmo, colocando uma equipe de agentes da Polícia Federal revistando os passageiros que embarcassem no Rio e em São Paulo em aviões da Varig com destino à Alemanha, e que o fizessem apenas com os alemães, deixando passar, incólumes, os brasileiros e os de outras nacionalidades.

Em menos de uma semana, quando voltei ao Brasil, os corpulentos gringos haviam desaparecido, com certeza chamados de volta a seu país, o que nos deu direito de fazer o mesmo, dispensando a equipe da Polícia Federal de continuar revistando os passageiros alemães dos aviões da Varig.

A sutileza, na diplomacia, às vezes dispensa a papelada e os comunicados oficiais. Tivemos a oportunidade de lembrar a eles, nesse episódio, dois velhos ditados que os alemães atribuem à sua própria lavra: "das billige ist immer das teuerste", a de que o barato acaba saindo sempre mais caro, e "taten sagen mehr als worte", o de que as ações valem mais que as palavras.

Esta longa introdução vem ao caso, a propósito da absurda, para não dizer, imbecil, retomada da decisão de se isentar, unilateralmente, de vistos, países ditos "desenvolvidos", na sequência da também estúpida isenção “temporária” - que já sabíamos que não seria temporária - desses vistos por ocasião da Olimpíada de 2016, pelo governo Dilma - contra a qual nos posicionamos à época - sem a exigência de reciprocidade.

Em reunião no Palácio do Planalto, com a presença de quatro ministérios, o governo atual já teria aprovado a prorrogação da medida, com a isenção de vistos para australianos, japoneses, canadenses e, claro, norte-americanos; e, burramente - em uma decisão que não esconde o patético viés ideológico - resolvido deixar de fora a China por causa do "risco migratório", embora nossas fronteiras sejam uma peneira por onde entra e sai, a seu bel prazer, gente do mundo inteiro, especialmente chineses que podem ser vistos em qualquer esquina, dos caixas dos restaurantes de quilo aos shoppings populares de artigos contrabandeados.

Assim, continuaremos com os imigrantes, que na maioria são gente honrada e trabalhadora, mas que não gastam à tripa forra, e deixaremos de receber os riquíssimos turistas chineses, que, além de deter quase a metade das reservas internacionais do mundo, gastaram, no exterior, no ano passado, mais que os turistas norte-americanos, japoneses, australianos e canadenses, somados.

Vê-se bem que os ministros que aprovaram a medida nunca tiveram as filhas adolescentes - nesse caso, brancas e de classe média, o que não pode atribuir ao racismo esse problema - barradas em aeroportos norte-americanos e enviadas para abrigos, como ocorreu recentemente com Anna Stéfane Radeck, de 16 anos, ou com Liliana Matte, de 17, que ficaram dias presas no aeroporto de Miami, embora estivessem ambas com autorização de viagem dos pais e todos os documentos necessários.

Ou, quem sabe, nunca ouviram falar do adolescente Roger Thomé Trindade, de 15 anos, morto por espancamento, em um parque de Miami, também há poucos dias, por um grupo de adolescentes norte-americanos, aparentemente pelo simples fato de ser brasileiro.

Ou do jovem Roberto Curti, assassinado pela polícia australiana, com sucessivos tiros de taser, em 2012.

Ou da senhora Dionísia Rosa da Silva, de 77 anos, barrada no aeroporto de Barajas, na Espanha, e mantida detida em suas instalações durante dias, porque não tinha uma "carta de apresentação" embora estivesse em companhia da neta, residente naquele país, que foi um dos quase 3.000 compatriotas impedidos de entrar na Espanha, também em 2012, número que quase foi alcançado no ano passado.

Ou do compositor e músico Guinga, um dos maiores violonistas brasileiros, que perdeu dois dentes em Madrid, também no aeroporto de Barajas, ao ser agredido por um policial da imigração espanhola.

Qual seria a opinião desses cidadãos, ou dessas famílias, caso fossem consultadas, sobre a concessão unilateral de vistos, pelo Brasil, sem nenhuma espécie de reciprocidade, para estrangeiros?

O Ministro do Turismo pode alegar que a Espanha não será beneficiada pela medida, já que não se exige visto de espanhóis, por reciprocidade, assim como de outros países da União Europeia.

Mas com que moral poderemos responder à altura, exigindo de turistas espanhóis, também com base no princípio da reciprocidade, os mesmos documentos e as mesmas regras que a Espanha e outros países exigem dos nossos cidadãos, como a comprovação de dinheiro, carta de apresentação e reserva antecipada de hotéis, se, no caso dos Estados Unidos e de países satélites anglo-saxões, como a Austrália, será permitida a entrada em nossas fronteiras sem que nos permitam fazer o mesmo nas suas como se eles estivessem entrando e saindo de sua própria casa, sem nos dar nenhum respeito ou satisfação?

O que vamos fazer quando um piloto de avião comercial dos EUA, como ocorreu com um comandante da American Airlines em 2004, levantar o dedo em riste, ao segurar seu número de identificação, para agentes da Polícia Federal, na hora de tirar uma foto obrigatória, em reciprocidade a exigências semelhantes a cidadãos brasileiros em aeroportos dos EUA?

Abaixar as calças e mostrar o traseiro, para "insultar", segundo os curiosos hábitos norteamericanos, quem estiver nos ofendendo?

Mesmo que fôssemos o país mais miserável do mundo, e estivéssemos devendo bilhões aos Estados Unidos - quando o que ocorre é exatamente o contrário - se trataria de inaceitável abdicação da soberania nacional, em troca de algumas centenas de milhares de dólares a mais no faturamento do mercado turístico, em um mundo em que países como a China, a Rússia, e a Índia, nossos sócios no BRICS, defendem com unha e dentes, de forma altaneira e independente, as suas posições, no campo econômico e no geopolítico, sendo impensável que adotassem semelhante medida no trato com o Japão ou com os Estados Unidos.

O sr. Michel Temer precisa tomar cuidado para não passar à história como uma espécie de Carlos Menem, outro presidente latino-americano descendente de árabes, que perdeu todo o senso de ridículo no afã de se submeter, pública e despudoradamente, aos Estados Unidos.

No seu governo, ficou famosa a frase de seu Ministro das Relações Exteriores, Guido di Tella, que - para histórica vergonha da terra de Rosas, de Guevara e de Perón - disse que a Argentina estava a ponto de estabelecer "relações carnais" com os Estados Unidos, sem que ninguém precisasse recorrer ao Kama-Sutra para adivinhar em que posição estava aceitando, entusiasticamente, se colocar, naquela ocasião, o país andino.

Até mesmo nos governos militares, radicalmente anti-comunistas, o Brasil sempre procurou preservar um mínimo de dignidade e de autonomia no seu relacionamento com nosso vizinho do norte do hemisfério, estabelecendo a política do "pragmatismo responsável" e desafiando com firmeza, sempre que necessário, a vontade de Washington.

Não foi outro o caso, por exemplo, do reconhecimento do governo marxista de Angola, do MPLA; da aproximação com os países árabes, principalmente o Iraque de Saddam Hussein; e da assinatura do tratado nuclear com a Alemanha.

Decidida pelo governo, a medida depende, agora, da aprovação de mudanças no Estatuto do Estrangeiro, que terão que ser feitas pelo Congresso, que deverá, se houver dignidade e hombridade suficientes, votar pela sua rejeição, com a ajuda de órgãos conhecidos pelo seu patriotismo, como a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.

Um pouco menos de pressa na abjeta reverência aos gringos e um mínimo de dignidade e de vergonha na cara, são como uma boa canja de galinha ou uma suculenta sopa de rabo de canguru, que pode ser encontrada em certos restaurantes de Melbourne, nunca fizeram mal a ninguém, principalmente quando se trata, aos olhos do mundo, de nossas relações com outras nações.



domingo, 11 de dezembro de 2016

OS DEZ MANDAMENTOS DOS COXINHAS


Então, depois de lançar as pragas contra os programas sociais e os governos populares, o Golpista, ao som de batidas de panela, viajou até sua Canaã (Estados Unidos) e ao retornar trazia as sagradas tábuas da Lei que divulgou a seu povo.


1º “Não terás outros deuses diante do Patinho de Borracha e outros líderes além do Grande Juiz imparcial que sorri ao lado de delatados. ”


2º “Não farás para ti imagem diferente daquela divulgada pela Veja ou Isto É. Não te encurvarás diante da verdade se ela não estiver de acordo com a ideia de que a culpa é do PT”.


3º “Não tomarás o nome da Globo em vão; porque a Globo não terá por inocente aquele que tomar o seu nome em vão. ”


4º “Lembra-te do dia do domingo, para o santificar. É quando verás o Faustão e o Fantástico para saber o que deve ser dito a partir da segunda-feira. ”


5º “Honra a teu patrão e os senhores da Casa Grande, para que se prolonguem os teus dias na senzala. ”


6º “Não matarás os posts mentirosos divulgados na rede. Eles devem crescer e se multiplicar. ”


7º “Não adulterarás de forma que seja descoberto. Somos representantes da moral e essas coisas só se admite se for bem escondidinho”


8º “Não furtarás de outros fiéis que não seja da tua Igreja pois todos devem ter sua reserva de mercado. ”


9º “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo se for coxinha, mas, se te convocarem a testemunhar contra a esquerda, a verdade não vem ao caso”.


10º “Não cobiçarás a casa do teu próximo que mora em Miami. Cada filho do senhor tem seu espaço e o teu é de capacho. Quem almeja igualdade com seu senhor é comunista e será maldito. ”



E assim, o povo coxinha seguiu sua peregrinação na história conforme os santos desígnios do STF, da mídia golpista e da nova Gestapo.



Amém.


Prof. Péricles





sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

FRASES DE UM ANO AMARGO - 02


Por Ayrton Centeno, Jornalista



Completamos agora, a coleção de frases que o jornalista nos apresenta como as de maior destaque do terrível ano de 2016.


16) “Não temos justiça, temos Gilmar Mendes, Celso de Mello e coisas assim.” (Jornalista Mino Carta, descrevendo o Judiciário no Brasil)



17) "Estamos em tempos excepcionais”. (Juiz Sérgio Moro, procurando justificar o excesso de prisões na Lava-Jato)



18) “Eu estou protegendo você, seu filho da puta!” (Ciro Gomes advertindo integrante de grupo que fazia alarido pedindo o golpe. Referia-se ao fato de que se sabe como começa um golpe mas não como e quando ele termina)



19) “Globo é a praga principal do Brasil". (Jornalista norte-americano Glenn Greenwald, vencedor do Prêmio Pulitzer, no twitter)



20) “É um bufão reacionário contra o direito do trabalho, um escravocrata”. (Ex-ministro Miguel Rossetto sobre Gilmar Mendes, depois que o ministro do STF criticou a “hiperproteção do trabalhador” no Brasil e acusou o Tribunal Superior do Trabalho (TST) de “má vontade” com o patronato)



21) “O PSDB é a UDN atual. (...). É um partido elitista, dependente e colonialista”. (Fundador do PSDB e ex-ministro de FHC, Luis Carlos Bresser Pereira)



22) “Querem me excluir do PMDB porque não sou ladrão”. (Senador Roberto Requião, do PMDB, no twitter)



23) “Deve-se aos grupos de mídia não apenas a deposição de uma presidente eleita, como o agravamento inédito da crise, a apologia do ódio e a subversão das notícias”. (Jornalista Luis Nassif)



24) “Ela não está abatida, ela tem uma bravura pessoal que é uma coisa inacreditável”. (Presidente do Senado, Renan Calheiros, falando sobre Dilma em conversa gravada com Sérgio Machado)



25) “É um governo reacionário, retrógrado e gagá”. (Ex-ministro de FHC, Paulo Sérgio Pinheiro, discorrendo sobre a gestão Temer)



26) “Hitler massacrou três milhões de judeus. Agora há aqui três milhões de viciados. Eu gostaria de massacrá-los todos”. (Presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, o mesmo que chamou Obama e o Papa Francisco de “filhos da puta”)



27) "Nós precisamos do aquecimento global!" (Donald Trump, presidente eleito dos EUA, argumentando que o conceito de aquecimento global foi criado “por e para os chineses” para que a indústria manufatureira americana não seja competitiva)



28) “Quem não tem (dinheiro) não faz universidade”. (Nelson Marquezelli, deputado do PTB, defendendo a “PEC da Morte” e seus cortes na educação. Seus filhos, como acrescentou, vão fazer universidade porque podem pagá-la).



29) “Vocês estão aqui representando o Estado, e eu convido vocês a olhar a mão de vocês. A mão de vocês está suja com o sangue de Lucas. Não só do Lucas como de todos os adolescentes que são vítimas disso”. (Estudante Ana Júlia Ribeiro, 15 anos, discursando na Assembléia Legislativa/PR defendendo as ocupações de escolas e acusando os deputados pela morte de um colega e pela tragédia da educação brasileira).



30) “São os comunistas os que pensam como os cristãos. Cristo falou de uma sociedade onde os pobres, os frágeis e os excluídos sejam os que decidam". (Papa Francisco)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O LODO, O POVO E A RUA



Por Saul Leblon


No Brasil dos anos 80, como agora depois do golpe, a discussão sobre o país e o seu desenvolvimento estava interditada.

A crise da dívida externa reprimia o debate nacional, servindo de escudo ao monólogo midiático que invocava o arrocho como fatalidade.

O Brasil era uma conta que não fechava.

Entre a ditadura agonizante e a ganância dos credores - que queriam raspar o tacho antes de entregar a rapadura - a economia esfarelava.

Soa familiar?

Embora os termos da equação sejam distintos, o jogral de hoje é semelhante, com consequências correlatas.

O dinheiro organizado ordena a danação.

Um sinônimo para dinheiro organizado é banco. Ou pátria rentista.

Ramificações locais e planetária decorrentes da supremacia que a riqueza financeira exerce no nosso tempo, dão a ela o poder inexcedível de coagir e chantagear.

Nos anos 80, era preciso espremer a nação para pagar os credores.

A referência era o FMI e suas cartas de intenção.

A PEC 55 é a carta de intenção dos dias que correm.

Nela se detalha a determinação de pagar os rentistas da dívida pública às custas do resto da nação.

Institutos de pesquisas, universidades, jornalistas e partidos adestrados nessa missão cuidavam lá, como cuidam agora, de reproduzir diariamente a sentença que reduzia todas as demais prioridades de um Estado ao valor zero.

Exceto uma: garantir os juros aos bancos e credores.

Um sistema político esgotado acoplado a uma bomba de sucção financeira implacável garroteava o pescoço brasileiro.

Dessa mistura ácida nasceu a ‘década perdida’ que engordou credores e murchou a sociedade, tornando-o ainda mais desigual para sua gente.

O golpe promete ir além.

O que se anuncia agora é a necessidade de duas décadas perdidas.

O prazo foi inscrito na PEC 55 para debulhar a Carta Cidadã, atropelar o pacto social de 1988, triturar a CLT, extirpar direitos e conquistas como estorvo e assegurar a salvaguarda dos mercados e rentistas.

Há uma diferença importante nas semelhanças da mecânica.

Nos anos 80 havia um encadeamento de rupturas internacionais que soprava na mesma direção do sufoco interno.

Foi preciso um gigantesco esforço de mobilização de rua para afrontar o duplo torniquete.

A soberania das nações e o Estado do Bem Estar Social perdiam espaço na vida dos povos.

Em 1978, Deng Xiaoping abriria a China à interação com o mercado capitalista.

Era uma ruptura geopolítica.

A gigantesca demografia chinesa que reúne 20% da humanidade credenciava-se como o principal polo de atração de capitais e compressão de custos trabalhistas e industriais em todo o planeta.

A guinada redefiniria a geografia das cadeias industriais, globalizando-as, bem como os fluxos do investimento, de tecnologia e do comércio mundial.

Quebrava-se o circuito que fazia da produção, do consumo, do emprego, dos preços, do lucro e dos salários uma equação pactuada e gerida no escopo da soberania nacional.

Um ano depois, em 1979, Margareth Thatcher adicionaria salmoura a esse lombo chicoteado.

Recém eleita, a ‘Dama de Ferro’ forjava seu epíteto em guerra implacável contra os sindicatos para consolidar o modelo do Estado mínimo neoliberal, com desregulação trabalhistas e financeira.

Do outro lado do Atlântico, Paul Volcker assumia a presidência do Fed , o BC dos EUA.

Em meses, enquanto Thatcher criava o manual anti-trabalhista e Deng inaugurava uma oficina de baixo custo, Volcker daria um cavalo de pau altista nas taxas de juros norte-americanas.

A espiral ascendente garantiria para os EUA a oceânica oferta de petrodólares acumulados pelo choques de 1973 e 79 e quebraria um a um os países endividados, entre eles o Brasil.

Em 1980, com a chegada de Reagan à Casa Branca, a geringonça neoliberal reforçou a fuselagem e decolou para rapinar e mastigar a ordem velha ao seu redor.

Desprovido de um arcabouço político para resistir, o Brasil foi atropelado e pisoteado.

Entre os anos 70 e 90, o país desembolsou cerca de US$ 280 bilhões em juros e amortizações aos credores externos.

Pior, nos anos 90, sob o comando tucano, fez uma interpretação pueril da avalanche em marcha da globalização neoliberal.

Ancorado na teoria do ‘desenvolvimento dependente’, trazida pelo sociólogo ao poder, dobrou-se complacente às exigências do FMI.

Não renegociou com soberania o gargalo da dívida e ainda abdicou de proteger e renovar a industrialização brasileira.

O populismo do câmbio forte (paridade Real/dólar) permitia importar da oficina asiática a manufatura que aqui morria.

À corrosão financeira sobrepôs-se, assim, uma ferrugem estrutural até hoje não revertida, cuja devastação silenciosa na estrutura da sociedade explica, por exemplo, o fenômeno Trump nos EUA e a ressurgência da ultra direita na Europa.

Desindustrialização é também desinvestimento, desemprego, declínio de polo irradiador de produtividade e inovação, míngua de excedente econômico para expandir infraestrutura, direitos sociais e cidadania.

O martírio imposto agora ao país em nome do ajuste fiscal reproduz em outra chave a mesma lógica dos anos 80, ordenada por interesses correlatos, com um upgrade de sucateamento industrial que pode selar o obsoletismo nacional nesse esfera.

A revogação do conteúdo nacional no pré-sal, com a renúncia ao derradeiro impulso tecnológico capaz de engatar a economia à quarta revolução industrial (a da precisão e integração digital de cadeias e processos ) desenha esse crepúsculo sem volta.

Uma dissonância importante ocorre agora no plano externo.

Como nos anos 80, assiste-se também a uma ruptura no horizonte internacional, mas com sinal invertido, o que expõe a natureza anacrônica da restauração neoliberal brasileira.

Trump não é um Roosevelt de topete.

Mas tudo o que ele simboliza, atrai e ameaça desenha uma rota de colisão com a restauração neoliberal tardia abraçada pelo golpe.

Trump é a resposta do extremismo conservador ao esgotamento do establishment neoliberal, em meio ao vácuo de alternativas num campo progressista colonizado pela religião dos livres mercados.

O anseio por igualdade, emprego, futuro, direitos, segurança, identidade é um enredo à procura de um projeto .

Trump ocupa o nada entre o velho e o novo. Seu protecionismo (quer taxar em 45% a manufatura chinesa), a promessa de investir US$ 1 trilhão em obras --e a consequente alta dos juros que isso encerra, estraçalham a ilusão golpista de reditar , em uma encruzilhada de mecânica parecida com a dos 80, mas de natureza distinta, a panaceia privatizante e dependente dos 90.

O risco de se insistir no mesmo projeto em uma ordem global de natureza distinta adverte também o campo progressista.

Amortecido na última década pelo superciclo de commodities e juros baixos, o conflito social reemerge agora enrijecido, em uma disputa ainda mais politizada, com uma direita ascendente, pelo comando do desenvolvimento e a destinação dos recursos fiscais.

A luta pelas Diretas e pela Constituinte nos anos 80 logrou à sociedade brasileira um espaço de legitimidade para crescer e expandir direitos, a contrapelo da ascensão neoliberal, que estendeu seu fôlego até quase o final do ciclo de governos do PT –com um saldo de ganhos e perdas sabido.

Ir para a rua hoje, ocupar praças, escolas, locais de trabalho tem a mesma importância que a luta pelas Diretas e pela Carta Cidadã teve em 1984 e 1988.

Trata-se de quebrar a rigidez das circunstâncias econômicas com o peso dos interesses históricos da maioria da população.

A ferramenta organizativa capaz de fazer isso hoje no Brasil chama-se frente ampla.

A rua é o seu canteiro de obras. É nela que o lodo golpista pode ser drenado para dar passagem a um novo ciclo de desenvolvimento.







segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

OS DONOS DA MORAL


A moral é mutável e temporal.

Muita coisa que hoje é imoral um dia já foi moralmente correto, e vice e versa.

O que direciona esse frágil conceito de moral é, basicamente, a economia e não, como imagina a maioria, a religião.

Aquilo que se considera a moral imutável e perfeita, na verdade é apenas o espelho de seu tempo, de sua economia e das relações sociais.

É assim que o casamento sem compromissos legais que, considerado correto nas sociedades helênicas, tornou-se uma imoralidade nas sociedades cristãs já que, a hereditariedade dos bens, nas sociedades cristãs fortaleceu a própria dominação do privado em relação ao coletivo.

Mais ou menos como a homossexualidade que, na antiguidade clássica era aceitável e até estimulada, tornou-se pecado mortal nas sociedades judaicas-cristãs.

Por ser temporal a moral também possui características geográficas, isso é, dentro do mesmo tempo, em lugares diferentes, os conceitos do que seja ou não moral podem variar radicalmente.

O aborto, a pena de morte e a eutanásia, atualmente considerados crimes em alguns lugares são legalmente permitidos em outros.

Diante desse rápido raciocínio, e sem maiores aprofundamentos, salta aos olhos uma realidade prática: o que é ou não moral é extremamente relativo e subjetivo.

Entretanto existem pessoas que se consideram luminares da moralidade.

Essas pessoas não aceitam de forma lógica a possibilidade de enxergar questões polêmicas um pouco além das suas próprias convicções.

Se o problema fosse apenas esse não haveria maiores danos pois tratar-se-ia apenas de questões pessoais, de dificuldade de alguns para aceitar o contraditório e a opinião alheia, mas a questão é muito mais grave que isso.

Na verdade, pessoas assim acabam provocando e alimentando prejuízos sociais muito maiores ao se arvorarem donos da moral (e dos bons costumes), senhores da verdade e bastiões do comportamento alheio.

São os reacionários que se julgam vigilantes do que seja correto.

Fazem oposição irracional ao que seja oposto às suas próprias ideias, adulam conceitos que discriminam e, acabam tornando-se agentes do ódio e da intolerância.

Os donos da verdade e da moral tornam-se carrascos insensíveis daqueles que não vivem ou enxergam a vida como eles mesmos enxergam.

Foram essas pessoas que ainda ontem isolavam leprosos em verdadeiros infernos de horror condenando os enfermos à morte pela solidão.

Foram pessoas assim que jogaram gays, lésbicas e deficientes físicos nos campos de concentração nazistas.

Déspotas do comportamento dos outros, são esses os críticos dos muçulmanos que apedrejam as mulheres do islã, mas que, há pouco tempo aplaudiam a morte pela fogueira da Inquisição das mulheres do mundo cristão.

Carimbadores de rótulos, censores das mães solteiras e das “mulheres sem marido”.

Os donos da verdade e da moral se acreditam vetores da vontade divina e isso amplia o rastro de ódio por onde passam porque juntam fanatismo ao conservadorismo.

Dedo em riste são ávidos em condenar sem olhar para si mesmos. Muitos apedrejam prostitutas, as mesmas que buscam avidamente no anonimato da noite. Ou que instigam seus filhos a “comerem todas” mas querem matar a tiros os namorados cabeludos que consideram indignos de suas filhas.

Não é de se admirar, portanto, que as marchas da “Família com deus pela Liberdade” estejam de volta às ruas brasileiras, se bem que, na verdade, jamais tenham se afastado delas.

Nem que um golpe de corruptos tenha tido sucesso em derrubar uma presidente honesta que representava trabalhadores, que Trump seja eleito e que o Brasil tenha se transformado numa fauna de patinhos de borracha e batidas insanas de panelas.

Ou que hajam eleitores de representantes da intransigência no Brasil, na Europa, nos Estados Unidos.

Isso é uma velha e conhecida história que apenas se repete e perpetua.

E dessa forma, mais uma vez se evidencia que, aos defensores de valores humanistas como a liberdade e a tolerância, reste como única opção a união em defesa desses valores que são universais e não esmaecem com o tempo nem se alteram pela geografia.

Ao contrário dos que buscam tolher o comportamento, os que prezam a democracia, a inclusão e o direito à diferença praticam a solidariedade e o perdão, lições que os mestres do amor jamais cansaram de ensinar.

Contra os donos da moral, os conservadores e reacionários as mais poderosas armas serão sempre a educação, o exemplo, a força do voto e a razão.

E, se parar para pensar, talvez se conclua que a única coisa realmente imoral, seja a arrogância dos hipócritas.




Prof. Péricles

sábado, 3 de dezembro de 2016

FRASES DE UM ANO AMARGO - 01

Por Ayrton Centeno


O jornalista destaca as 30 frases mais significativas de 2016 e o Blog as reproduz aqui em duas partes. Como toda lista sempre há espaço para polêmicas e o leitor poderá usa-la como inspiração para a sua própria lista.

O que não falta é material, num ano em que se disse tanta estupidez e talvez, só a ironia para salvar nossa saúde mental.

1) “Nunca vi um Supremo tão merda”. (Ex-senador do PSDB, Sérgio Machado, em conversa gravada com o então ministro Romero Jucá)

2) “Com uma base militar na Venezuela, Putin estará a um passo de atacar o Brasil. Estão rindo? Pois eu estou falando sério” (Advogada Janaína Paschoal, autora do pedido de impeachment de Dilma Rousseff no twitter, prevendo um ataque russo. Antes pediu a Temer para “libertar a Venezuela de Maduro”)

3) “Eu nunca cuidei dos pobres. Eu não sou São Francisco de Assis. Até porque a primeira vez que eu tentei carregar um pobre no meu carro eu vomitei por causa do cheiro”. (Rafael Greca, do PMN, candidato eleito prefeito de Curitiba, num momento Justo Veríssimo)

4) “Muito obrigado, Presidente! Eu quero visitá-lo logo na Argentina”. (Temer falando com um hermano radialista pensando que era o presidente Maurício Macri)

5) “Gostosa”. (Ministro Geddel Vieira Lima respondendo à pergunta no twitter sobre qual era a sensação de assumir o poder sem voto popular)

6) "Tenho muita alegria de ser golpista ao lado de ministros como Carmen Lucia, como Antonio Dias Toffoli, e todos aqueles que declararam que o impeachment é constitucional". (Senadora Ana Amélia, do PP gaúcho considerando que estaria blindada ao invocar o STF mas sem saber que a corte referendou o golpe de 1964)

7) “Será que o jornal americano também está na folha dos companheiros?” (Colunista de Época, Guilherme Fiúza, desconfiando que The New York Times, que denunciou o golpe no Brasil, fora comprado pelo PT)

8) “O dever das pessoas de bem é boicotar Aquarius”. (Blogueiro de Veja, Reinaldo Azevedo, atacando o filme brasileiro cujo elenco denunciou o golpe em Cannes. Sua frase foi usada pelo diretor Kléber Mendonça justamente para promover Aquarius)

9) "Meu voto é para dizer que o Brasil tem jeito e o prefeito de Montes Claros mostra isso para todos nós com sua gestão". (Deputada Raquel Muniz, do PSD, ao votar pelo impeachment de Dilma, elogiando o marido prefeito no interior mineiro. No dia seguinte, o marido foi preso sob acusação de corrupção)

10) “Para mim, que gente assim sejam as próximas vítimas, que sejam eles a sangrar e deixar suas famílias enterradas”. (Radialista Alexandre Fetter, da rádio Atlântida, do grupo RBS, sugerindo que, por criticarem abusos policiais, jornalistas ou formadores de opinião e seus familiares deveriam ser alvos dos criminosos)

11) “O primeiro a ser comido vai ser o Aécio”. (Novamente Sérgio Machado conversando com Jucá sobre os políticos com o rabo preso na Operação Lava-Jato)

12) “Os caras (ministros do Supremo) dizem 'ó, só tem condições de sem ela (Dilma). Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca”. (Romero Jucá na mesma conversa sobre tirar Dilma para travar a Lava-Jato)

13) “Essa porra desse governo nem começou, não sabe se comunicar e já faz a reforma sem consultar ninguém”. (Apresentador Faustão, da Globo, criticando o governo que sua emissora – e ele próprio – ajudaram a inventar)

14) “Tinham prova, pegaram o avião, viram a cocaína, mas não tinham convicção, aí liberaram”. (Lula, cutucando o MPF e a PF ao trazer à cena o estranhíssimo caso do helicóptero da família do senador Zezé Perrela (PTB/MG), apreendido com meia tonelada de pasta de cocaína. Os donos saíram ilesos do flagrante...)

15) “Não houve massacre. Houve legítima defesa”. (Desembargador Ivan Sartori, do Tribunal de Justiça paulista, ao pedir, como relator, a absolvição dos 73 policiais responsáveis pelo massacre do Carandiru, em São Paulo. Na chacina, morreram 111 presos, dos quais 90,4% com tiros na cabeça e pescoço, indício clássico de execução).



Ayrton Centeno, Jornalista