quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

COLAVAM NAS PROVAS E SE JULGAM PROFESSORES



Havia um personagem num programa humorístico, se não me engano, no “Viva o Gordo” que, diante de um questionamento sobre qualquer bobagem que dizem, repetia o refrão “não discuto com leigos, não discuto com leigos”.

Quando se é leigo sobre determinado assunto e saímos por aí a falar francamente sobre o que não entendemos bem, facilmente cometemos erros bizarros, e, até mesmo, ridículos.

Claro que ter opinião é um direito de todos nós, mas, o perigo é, precipitadamente, se formar convicção sobre qualquer coisa sem ter uma gama mínima de informação de quem entende melhor do assunto, para balizar nossa opinião.

Se mesmo assim, insistimos em expor o que pensamos, ao mesmo tempo em que exercemos um direito assumimos riscos e por isso, é necessário estarmos abastecidos de humildade para reconhecer que sabíamos pouco daquilo que ora expúnhamos e que, falamos bobagem.

Por isso é tão superficial analisar o procedimento alheio, já que, geralmente, ao fazer isso, estamos trazendo os nossos valores, as nossas impressões sobre algo e não as impressões e vivências do alheio.

Certa vez, em 2003, um político nordestino, num evento festivo de recepção ao recém-empossado presidente Lula, fez um inflamado discurso contra os paulistas e sua pretensa arrogância em relação ao restante do Brasil, em especial, ao nordeste. Pobre homem imprudente. Ao responder ao discurso Lula não só discordou dos termos agressivos utilizados com ainda defendeu o povo paulistano que o recebeu quando migrou de Pernambuco para a Paulicéia desvairada, enquanto o político nordestino, no outro lado do palanque não sabia onde se enfiar.

Isso que dá, geralmente, quando se mete a impor os seus valores a outro sem conhecer o que lhe vai no íntimo.

Isso é particularmente conflitante quando pessoas defendem suas simpatias ou antipatias políticas pessoais usando argumentos pretensamente históricos.

É muito importante ressaltar que história é ciência, não é opinião.

A história possuí método científico e exige provas para suas conclusões, mesmo não sendo essas provas empíricas que alguns julgam serem as únicas provas válidas.

Os diferentes narradores dos fatos históricos, não devem, mas podem enfatizar, conforme suas paixões determinados aspectos dos fatos narrados, mas jamais deturpa-los conforme suas próprias ideias, isso porque, história não é estória, é ciência.

Por exemplo, quando alguém antipetista, tenta esconder seus preconceitos contra esse partido, afirma categoricamente que nunca se viu corrupção igual aos dos tempos do PT, ou que na Ditadura Militar não havia corrupção, esse alguém comete um patético erro de julgamento histórico.

Um indignado leitor do Blog, dia desses, para contrariar a opinião exposta em alguns artigos afirmou que não se rotula algo de direita e esquerda pelos princípios ideológicos ou de práxis, mas pelo “tamanho e poder” do governo, sendo esquerda quem defende o estado interventor na economia e direita o governante que é contra (?).

Disse mais, o leitor indignado. Disse que o golpe de 1964 não foi um golpe já que a Constituição permitia a “intervenção militar” (??) e, na sequência de seu surto, que já havia grupos de guerrilha no Brasil, antes mesmo de 1964 (certamente referia-se aos grupos de defesa organizados pelas ligas camponesas de Francisco Julião, desconhecendo completamente as enormes diferenças entre esses grupos de defesa e seus objetivos com os objetivos de grupos de guerrilha).

As redes sociais tornaram-se, nesse aspecto, armas de tortura ao professor de história e a todo aquele que a estuda e quer bem à veracidade dos fatos.

Expandem-se convicções aos borbotões sem a menor preocupação com a honestidade.

Defendem-se pontos de vistas a partir de citações que jamais foram citadas, estatísticas que jamais foram realizadas ou conceitos que nunca foram emitidos, com o propósito de fazer valer o seu ponto de vista.

E isso, não é apenas errado, é capcioso.

Parafraseando Churchil, nunca tantos que odiavam tanto estudar história opinaram tanto sobre algo que não estudaram direito, mas tornaram-se doutores.

Faríamos bem, todos nós, se respeitássemos um pouco mais a ciência dos fatos e a veracidade das conclusões históricas.

Quanto ao indignado leitor do Blog lhe foi dado uma visão mais coerente daquilo que ele defendia e, certamente ainda defende porque, quem quer se recusar a entender, simplesmente, não entende.

E por aí ficamos, sem impor nada, já que, como dizia o grande Jô Soares, “não se discute com leigos”, e, embora jamais nos furtemos de colaborar com os que querem saber mais, nos incomodam os que sabem menos, colavem nas provas, e hoje se julgam professores.



Prof. Péricles

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

EM MEMÓRIA DE PAULO EVARISTO ARNS


Por Celso Lungaretti


Quando o entrevistei longamente em 2003, dom Paulo já era um homem combalido, que caminhava com dificuldade e tinha problemas de audição — decorrentes, esclareceu-me, de ferimentos sofridos quando de uma tentativa de sequestro num país latino-americano (pretendiam obter, em troca, a liberdade de um chefão do narcotráfico).

Tal entrevista permanece bem atual, daí eu estar reproduzindo aqui seus principais trechos, sem alterações na forma como então a redigi.

No final, apesar de sua dificuldade de locomoção, fez questão de percorrer comigo o longo caminho até a saída. E se despediu com uma frase marcante: “Precisamos contar essas histórias [do que aconteceu neste país durante a ditadura militar] às novas gerações. É importante que elas saibam de tudo isso!”

Muitos programas pioneiros, na linha da inserção social, foram introduzidos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo entre novembro/1970 e maio/1998, período em que, como arcebispo metropolitano de São Paulo, dom Paulo foi Grão Chanceler da instituição.

Logo que se tornou o principal responsável pelos rumos desta universidade, dom Paulo fez a primeira visita ao Conselho da PUC. E disse: “Não quero uma escola de 2º grau melhorada. O que me interessa é que vocês façam uma pós que dê bons professores para todos os lugares do Brasil; e que todas as teses e tudo o que vocês discutirem além da escola se refira ao povo e ajude o povo. Que isso seja a norma daqui para a frente”.

Os resultados não tardaram, diz dom Paulo. “A Arquidiocese se organizou em pastorais diferentes – p. ex., a Operária, a da Terra, a do Trabalhador –, então eu consegui que a Faculdade de Direito se interessasse em ir, durante a semana ou no sábado, à periferia e ver como se poderia ajudar essa população e quais os problemas reais da periferia. A mesma coisa aconteceu com a assistência social, que, aliás, está trabalhando nessa linha até hoje, com métodos sempre novos e recebendo apoio da Europa e de outros lugares, com uma eficiência muito grande.”

Hoje, essas iniciativas pioneiras da PUC/SP encontraram muitos seguidores e há um sem-número de empresas e instituições esforçando-se para dar uma contribuição positiva à sociedade.

“Os estudantes da USP me procuraram em 1973 quando um colega [Alexandre Vannucchi Leme] foi assassinado pelos órgãos de segurança. Os estudantes se reuniram, uns 10 mil, e mandaram representantes à minha casa, à noite, para que eu fosse lá falar aos alunos.

“Eu disse que era melhor reunir os estudantes, mas não dava para fazer no campus da universidade, porque ele estava cercado por policiais e oficiais do Exército.

“Então, decidi fazer na catedral. Eu disse: ‘Na catedral, nós falamos o que queremos, e nós falaremos aos estudantes. Encham a catedral de estudantes e de povo, que nós diremos a verdade’. E foi o que eles fizeram. Às 15h, eu fui lá, fiz aquele ato solene em favor do estudante e celebrei a missa para o falecido. Fiz o sermão sobre o não matarás!, o mandamento central dos 10 mandamentos. Foi sobre isso que eu falei para eles, e eles participaram, vivamente, da missa e de toda manifestação religiosa posterior.

“Depois, em 75, foi a vez do Herzog; em 76, a do Manuel Fiel Filho; e em 79, a do Santo Dias, quando recebemos de 150 mil a 200 mil pessoas, que andaram desde a igreja de Nossa Sra. da Consolação. A multidão foi engrossando. Ao chegar na Catedral da Sé, não cabia nem na igreja nem na praça, então nós fizemos uma cerimônia mais curta, mas muito mais participada por todos os operários.“

“Quando o Herzog foi assassinado – lembra D. Paulo –, em 1975, os jornalistas me pediram que houvesse um ato ecumênico na catedral. Os judeus fazendo o ato deles em hebraico, portanto, não na língua que compreendêssemos. Foi impressionante e muito bonito.“

Modesto, D. Paulo evitou comentar que sua decisão foi um ato de enorme coragem. Primeiramente, porque a alta hierarquia católica não viu com simpatia sua iniciativa de oficiar missa ao lado de um rabino e de um reverendo. Depois, por ser um desafio frontal ao regime militar, que o ditador Geisel engoliu, pedindo apenas a D. Paulo que segurasse seus radicais, “enquanto eu seguro os meus”.

Finalmente, por ter, em nome de ideal de justiça e solidariedade cristãs, corrido o risco da ocorrência de tumultos e mortes que teriam um peso devastador em sua consciência de religioso.

Graças a ele, foi viabilizado o ato que acabou se tornando um divisor de águas: a partir desta vitória sobre a intimidação, a ditadura começou sua lenta, mas irreversível, marcha para o fim.

Sobre o Governo Lula, antes mesmo da crise do mensalão, D. Paulo já mostrava uma ponta de apreensão, ao se dizer esperançoso de que “o Brasil não perca esta ocasião e não afunde o barco em vez de conduzi-lo a uma margem da terra onde haja outra terra e outro céu, como diria a Sagrada Escritura; onde haja outra possibilidade de sonhar e outra possibilidade de viver com dignidade, mas para todas as pessoas e não só para uma parte”.

E, inquirido sobre o menor engajamento atual da Igreja às causas sociais, ele finalizou com uma mensagem de esperança: “A Igreja é o povo. Se o povo se mobiliza bem, a Igreja também se mobiliza. Então, é preciso unir esses dois conceitos, o povo de Deus e o povo, simplesmente. Nós precisamos caminhar para a fraternidade, para uma possibilidade de todos serem respeitados como filhos de Deus e irmãos uns dos outros”.

Não há como retratarmos a grandeza de um D. Paulo Evaristo Arns numa única entrevista. O principal, no entanto, é que suas gestões junto às autoridades salvaram a vida e evitaram a tortura de resistentes, no pior momento da ditadura.

Fiel ao espírito da igreja das catacumbas, foi o pastor que tudo fez para que seu rebanho sobrevivesse a um tempo de lobos. Um imprescindível, enfim.



Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar e participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Escreveu o livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial).



sábado, 7 de janeiro de 2017

VERA RUBIN, A MULHER QUE CONVERSAVA COM AS ESTRELAS


Ela sempre foi fascinada pelo céu. Nada, absolutamente nada, era mais interessante para ela do que a observação do céu noturno. Ficava imaginando como seria cada estrela vista de ângulos diferentes e o que significava o bailado dos astros.


Coerente com sua paixão dizia a todos que um dia seria uma astrônoma para poder ver o céu mais de perto, as estrelas em suas múltiplas formas e mal percebia os sorrisos irônicos dos que duvidavam.


Estudou com afinco focada nesse objetivo. Passou pelo Instituto Carnegie, em Washington e quando se candidatou à Universidade de Princeton para a pós-graduação, ouviu que “Princeton não aceita mulheres”.


Não se abalou e fez então, doutorado na Universidade de Georgetown. Conforme prometido, era enfim, uma astrônoma.


E que astrônoma.


Inquieta, inovadora, curiosa, desde cedo chamou a atenção de seus colegas, infelizmente não só por seu talento, mas pelo fato de ser mulher.


Objeto de piadinhas machistas e comportamentos hostis, num ambiente quase que exclusivamente masculino.


Um professor chegou a dizer que ela deveria se afastar desse campo de estudo tão complexo e “próprio para homens”.


Outra vez um professor se ofereceu para apresentar o trabalho dela, imaginando que ela não fosse aguentar tanta pressão dos “colegas”.


Mas ela prosseguiu, apresentou seus trabalhos, venceu. Mais importante que os preconceitos era seu amor pelas estrelas.


Tornou-se uma modelo de pesquisadora séria que tinha alegria em compartilhar seus conhecimentos, não deixando jamais de auxiliar os que estavam começando.


Não ganhou respeito, mas conquistou-o quando observando os céus como no seu tempo de criança, conseguiu provar, de forma científica, a existência da matéria escura, teorizada pelo astrônomo Fritz Zwicky, em 1933, mas que só com ela deixou de ser uma hipótese para se tornar um preceito científico.


Brilhante. Como são as estrelas.


Hoje, a composição, função e origem dessa matéria não luminosa que existe além da galáxia ótica e compreende cerca de quatro quintos da matéria do universo, é o assunto mais instigante e pesquisado nos meios astronômicos.


E foi ela, Vera Rubin, que “trouxe” esse mistério fabuloso da criação, para o conhecimento científico.


A menina que adorava observar as estrelas morreu em 25 de dezembro último, aos 88 anos.


Segundo muitos cientistas proeminentes como Lawrence M. Krauss e Katie Mack, Vera Rubin deverá ser sempre lembrada como uma das cientistas mais brilhantes e injustiçadas de seu tempo, visto não ter recebido aquilo que lhe seria de direito, e que, certamente, um homem receberia, o Prêmio Nobel de Física.


Vera Rubin, a mulher que nos convenceu que a matéria escura existe.


E por que essa mulher genial não recebeu o prêmio?


Melhor perguntar para os colegas machistas, ou então, para as estrelas.



Prof. Péricles

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

COLÉGIO ELEITORAL, A LOUCURA AMERICANA



Por José Inácio Werneck



Os americanos gostam de proclamar que seu país é “excepcional”. Pode ser verdade, mas é necessário acrescentar que exceções podem ser boas ou ruins.

Uma exceção ruim dos Estados Unidos é o aloprado sistema do Colégio Eleitoral.

Pela segunda vez em 16 anos teremos um cidadão que recebeu menos votos assumindo a Presidência da República.

O primeiro caso foi com Al Gore, no ano 2000. Ele ganhou a eleição no voto popular mas perdeu no Colégio Eleitoral para George W. Bush.

O que é o Colégio Eleitoral? É um sistema em que, quando um candidato ganha mais votos em um Estado (por exemplo, Flórida) os “electors” daquele Estado mais tarde (semanas mais tarde) dão a ele os seus votos.

O número de votos varia de Estado para Estado e na verdade começou como um pérfido sistema para dar aos estados do Sul (os da antiga Confederação, estados escravocratas) um número grande de votos no Colégio Eleitoral.

Para isto, os negros residindo naqueles estados, mesmo os escravos que não tinham direito a voto, eram computados como “3/5 de um homem”. Não eram um ser humano completo, apenas 3/5, para efeito eleitoral.

Na eleição perdida por Al Gore o resultado foi ainda mais escandaloso porque tudo indica que, na verdade, Al Gore ganhou a eleição na Flórida, mas, no tapetão da Suprema Corte, onde havia mais juízes republicados do que democratas, George W. Bush foi considerado o vencedor.

Agora, na eleição do mês de novembro passado, Hillary Clinton teve 2,8 milhões de votos mais do que Donald Trump, mas, por causa do pérfido sistema do Colégio Eleitoral, Donald Trump foi oficialmente indicado como o novo presidente dos Estados Unidos (tomará posse em 20 de janeiro).

Quem é Donald Trump? Um vigarista, mentiroso, racista, xenófobo, misógino e demagogo.

A péssima impressão que se tinha dele antes da eleição só fez aumentar nos últimos dias, pois vem indicando pessoas absolutamente desqualificadas para os postos importantes de sua administração.

Para o Departamento de Energia, vai nomear Rick Perry, antigo candidato presidencial que havia prometido… fechar o Departamento de Energia, mas, num debate em primária presidencial, em 2008, não conseguiu sequer lembrar seu nome.

Para o Departamento de Proteção ao Meio-Ambiente, Trump nomeará Scott Pruitt, um político de Oklahoma que é famoso como testa de ferro de empresas petrolíferas e quer romper o Acordo Climático de Paris.

Para a Secretaria de Defesa vai um general da reserva apelidado “cachorro louco”.

Como embaixador em Israel, um cidadão que considera os judeus favoráveis a um acordo com os palestinos “nazistas”.

Para a Secretaria de Estado, o “chairman” e executivo chefe da Exxon Mobil, Rex Tillerson, cujo interesse maior é negociar acordos petrolíferos com a Rússia, onde sua empresa tem direitos de exploração em 64 milhões de acres.

Para a Secretaria do Trabalho, Andrew Puzder, inimigo declarado da legislação trabalhista e dos sindicatos.

Trump continua a dar declarações totalmente insensatas e parece a caminho de um choque frontal com a China, por dizer que vai restabelecer relações diplomáticas com Taiwan.

É este homem, Donald Trump, que o Colégio Eleitoral consagrou Presidente dos Estados Unidos, embora tenha perdido por larga margem a votação popular.




José Inácio Werneck, jornalista e escritor, é intérprete judicial em Bristol, no Connecticut, EUA, onde vive.



terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O IMPÉRIO DAS ELITES


O maior império da antiguidade, o Império Romano, agonizou antes da queda final. Uma agonia que durou cerca de três séculos.

Apesar de ter o mundo inteiro interessado em sua queda, não foi nenhum inimigo externo que o derrubou. Não foram os povos “bárbaros” como eles chamavam os germânicos, uma nova arma ou um gênio militar. O que derrubou o maior de todos os impérios foram suas próprias contradições.

Roma adotou uma religião alienígena, do oriente, que fazia sucesso entre seu povo, a religião cristã. Negociou com lideranças inimigas. Subornou generais estrangeiros. Fortaleceu os limes com aliados de última hora e até mesmo dividiu o próprio império acreditando que seria mais fácil defender e preservar dois impérios menores.

Os políticos romanos fizeram tudo o que acharam possível fazer. Só esqueceram de olhar para dentro do próprio Império. Se assim o fizessem talvez percebessem que a causa de sua decadência estava na sua própria estrutura escravagista e na imensidão de miseráveis que construía em torno de um pequeno núcleo de privilegiados.

Ao não enfrentar suas mazelas tentou deter uma avalanche com meias-medidas.

Outros grandes impérios deram o mesmo exemplo.

A falta de humildade somada à fome insaciável de poder e manutenção de privilégios, construíram ao longo da história, sepulturas de povos e de líderes que só olhavam para fora, para o inimigo externo, nunca para suas próprias deficiências.

A história deveria ser a conselheira dos governantes, mas não é.

No Brasil, o núcleo de privilegiados que tomaram o estado como sua propriedade encastelam-se dentro de um mundo surreal.

Quando Getúlio Vargas aproximou-se das causas operárias reagiram com a soberba de quem não aceita vizinhos pobres em sua esfera mítica. Tanto infernizaram a vida do líder populista que acabou com o suicídio do presidente.

Antes mesmo de retornar a segurança de suas muradas de privilégios, porém, um novo “ataque” externo tirou o sono da casta de bem-nascidos do Brasil, com o fenômeno João Goulart e suas reformas de base.

Ao invés de olhar para si mesma e perceber as enormes contradições num país que cada vez mais se industrializava e se politizava, a casta reagiu novamente com a força do império. Chamou os militares e o golpe de 1964 desbancou Jango, o “bárbaro” e trouxe mais 20 anos de calmaria aparente para esses eleitos da fortuna.

Mas o fim da ditadura traria com forças redobradas as esperanças dos mais humildes, principalmente depois da enorme popularidade da Campanha Diretas-Já e da promulgação da Constituição Cidadã de 1988.

O império dos eleitos temia por sua sobrevivência e usando sua mais potente arma, a mídia, que fora tão útil na deposição/morte de Getúlio e de Jango, criou uma mentira e elegeu um presidente amigo em 1989.

Outros mitos viriam, como um presidente sociólogo, teórico esquerdista nos velhos tempos e o Plano Real.

O que o império não entendeu e continua não entendendo é que esses mitos televisivos são eficientes para empurrar as crises para debaixo do tapete, mas são ineficazes para trazer a paz que almejam, sendo que a paz que almejam é manter seus privilégios sem que a esquerda e seus molambos ameaçem tomar o poder.

Lula deveria ser o choque de realidade, fosse nossas elites minimamente capazes de ler nas massas populares o desejo de mudanças.

Os programas sociais, os estímulos a distribuição de renda soaram para essas elites como o grito dos Hunos deve ter soado aos ouvidos romanos. O início do fim. Do cataclismo. E isso, simplesmente porque a elite brasileira, uma das mais reacionárias do mundo continua vendo pobre e melhorias sociais como algo inimigo, contrário ao seu mundo.

O golpe parlamentar contra Dilma não demonstra que a guerra acabou, ao contrário, deixa claro que a paz está cada vez mais distante.

Tomar o poder do qual sentiam tanta saudade não resolve seus problemas. O uso da truculência tem prazo de validade

O que fazer com um presidente pífio que não consegue obter uma popularidade que chegue a dois dígitos? Como angariar popularidade com medidas neoliberais?

Como enganar a população trazendo notícias de desenvolvimento econômico se a crise, a mesma que já era difícil nos tempos de Dilma, ameaça ficar pior a partir do protecionismo republicano de Trump?

A elite brasileira faria melhor se olhasse para si mesma, mas parece que, humildade é algo que os poderosos do Brasil continuam desconhecendo, assim como desconheceram que a causa da instabilidade da monarquia era, que ironia, a manutenção das estruturas escravagistas.



Prof. Péricles







domingo, 1 de janeiro de 2017

DO BRASIL E SEUS HERÓIS


Por Alberto Dines



Enquanto um via suborno e aviltamento, o outro ironizava sobre a ” doçura” do

Diplomata Calero que não entendeu o espírito de como se faz política em Brasília.



Calero negou-se a aceitar o projeto estapafúrdio da vaquejada como cultura e da maracutaia como forma de fazer política. Na suíte do caso, Temer teria enquadrado Calero, o caso acabou respingando no presidente, mas Calero saiu, Geddel ficou — só não aguentou a pressão, agora da população inteira, e uma semana depois pediu “exoneração do honroso cargo”. Tarde. Na mesma denúncia de propina nas páginas que destrincham a falência do Rio, vem a explicação de uma simples “oxigenação “.



Na mesma revolta da população inteira que inclui canto de servidores revoltados com trechos de Carmina Burana de Carl Orff e Carmen de Bizet diante da Assembléia Legislativa do Rio, a declaração de Sergio Cabral, “estou com a consciência limpa, indignado com acusações “. Neste Brasil grande cabe tudo, Caixa Dois por um lado e pressa para descriminalizar o que é crime.



Esta semana Temer montou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social alegando que assumiu um Brasil com déficits de verdade e muito ilusionismo contábil. Garantiu “entramos na era da lucidez”. Na mesma edição, Temer qualificava então o escândalo Calero-Geddel de “um acidente” menor.



O mesmo ex-governador do Rio, Antônio Garotinho, que ia levar ”um bombom Garoto” para Sérgio Cabral quando o desafeto fosse preso, acabou em Bangu, junto com Cabral. Antes, tentou oferecer R$ 5 milhões para não ser preso e apresentou um diploma universitário duvidoso para escapar do xilindró.



Um bombom, um acarajé, um kibe, bacalhau, propina não. ” Fumar um charuto”, “tomar um vinho”, assim o ex-diretor de Serviços da Petrobrás, Renato Duque, marcava encontros com os operadores para receber contratos malocados.



O ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto cunhou como ”pixuleco” aquilo que Carlinhos Cachoeira preferia denominar ”assistência social”. Luís Rogério Gonçalves Magalhães em conversa com Wagner Garcia, preso em Bangu, preferiu noticiar três dias antes a prisão de Cabral assim, “entregou a rapadura com raspas de limão”. Já Cabral preferia negociar propinas com a Andrade Gutierrez utilizando nome de mulher, Nelma de Sá Saraca, em alusão à histórica secretária d’O Pasquim, tabloide fundado entre outros pelo Sergio Cabral pai, criador do musical Sassaricando.



A era é a do esquecimento, Sergio Cabral não sabe como pagou as joias da mulher em dinheiro vivo, algumas no valor de R$100 mil. Sua mulher não sabe como R$ 10 milhões foram parar na sua conta. A era é a do deslumbramento, da ostentação, do triplex em Guarujá que é de ninguém, de mais uma delação premiada do senador cassado Delcídio Amaral dizendo que o ex-presidente Lula, que não sabia de nada, tinha ” conhecimento absoluto “. E todo Congresso, que diz não temer nada, tremendo diante do acordo de delação dos 80 executivos da Odebrecht, empreiteira que mantinha um departamento de propina para suprir as demandas e agora pode atingir 130 políticos.



A era é a da pós-verdade, do virtual que não é real, da anti-humanidade de Donald Trump respingando temores nos ilegais brasileiros. A era é a do nacionalismo, da ultradireita antissemita, racista, xenófoba, homofóbica, neonazista ganhando espaço no mundo. A era é a da pós Petrobrás, empresa das mais poderosas do mundo, transformada na mais endividada do planeta com 132 bilhões de dólares. E é ainda o pré-sal, os royalties do pré sal que vão saldar parte do endividamento dos estados.



Na era da “lucidez ” que é a dos reality shows, devem se suceder as operações Calicut, My Way, Nessum Dorma, Caça-Fantasma, Resta Um e uma nação que segue atônita com verdades partidas, em busca de seus heróis– ou pelo menos de políticos éticos –, e de um espelho que não reflita a face de uma pós-verdade tão mentirosa.



Alberto Dines é jornalista, escritor e cofundador do Observatório da Imprensa.